Para além de excelentes experiências musicais, o Reverence Valada deu-nos, também, a possibilidade de falar com Raymon Burns mais conhecido por Captain Sensible, um dos co-fundadores da emblemática banda de punk-rock inglesa The Damned. Não poderíamos estar mais entusiasmados! Era a estreia deles por terras lusas e prometiam um concerto grandioso.
O ser humano cresce, envelhece e até pode mudar ligeiramente, mas se há algo que não muda são os valores que nascem connosco e, caros senhores, Captain está cheio de raízes punk. Foi a abertura punk, bem disposta e cheia de boas energias, que se desenrolou a nossa conversa e nos permitiu ficar a conhecer um pouco mais parte da história da mesma.
Música em DX (MDX) – Porque demoram 40 anos a vir a Portugal?
Captain – Quando as pessoas te convidam tu vais, não podes ir se não fores convidado! Ninguém no passado nos convidou a tocar em Lisboa ou outro sítio. Acho que os The Damned não são populares em Portugal, penso que aqui há muito boa música mas as pessoas mais novas preferem sempre o hip hop ou drum’n’bass. Nós somos uma banda velha, sabes… Não podemos esperar que as pessoas mais novas saibam quem somos.
MDX – E qual é o sentimento de tocar aqui pela primeira vez?
Captain – Oh, eu não sei! Ainda não toquei… Mas o festival é bastante amigável e temos estado a falar com os fãs. É um bom festival, o sítio é lindo, apetece-me ir para os campos e comer tomates crus (porque já estão maduros). O lineup parece-me bastante bem, gostámos muito de Phantom Vision, a banda punk-gótica portuguesa, são fantásticos!
MDX – Qual é a principal diferença entre tocar quando começaram e tocar nos tempos de hoje?
Captain – A diferença é que em Londres fazíamos música para nós. Ninguém pensava que The Damned ou The Clash se tornassem conhecidos. Nós pensávamos: se tivermos 100 pessoas na plateia vai ser um sucesso! A música era muito diferente na década de 70, havia grandes solos de bateria, bandas rock de estádio, estrelas de rock como Eric Clapton e Phill Collins. Começámos a fazer música para nós em pequenas avenidas, cafés, clubes e pubs, dormíamos no chão uns dos outros, ninguém tinha dinheiro, não podíamos pagar as viagens de comboio, eramos sempre apanhados pelos revisores, vivíamos nas roupas que trazíamos mas divertíamo-nos imenso. Agora é muito mais fácil, vão buscar-nos ao aeroporto e levam-nos ao hotel, já não dormimos no chão… É uma experiência diferente e eu acho que merecemos porque trabalhamos forte e feio para criar punk-rock. Na altura eram tempos perigosos: estávamos sempre a lutar contra pessoas que odiavam o punk. Agora merecemos dar um bom concerto e que alguém nos pague uma bebida porque nós sofremos para bandas como os Green Day e outras bandas americanas estarem a ganhar dinheiro, que se lixem eles!!
MDX – Nos tempos de hoje ainda mantém uma atitude provocativa em palco?
Captain – Bem, se as pessoas não gostam de nós, nós provocamo-las. Mas normalmente as pessoas gostam de nós, até temos uma boa audiência. Se regressarmos a 1976, lembro-me que as pessoas que só gostavam de country rock costumavam atirar-nos com coisas e nós atirávamos também. Eram tempos de loucura. Agora os tempos são mais para relaxar e comer pastéis de nata.
MDX – O que acham da música punk actual?
Captain – Não sei. Não ouço nada que seja posterior a 1980. Não tenho discos depois disso, apenas ouço música compreendida entre 1967, quando o psicadelismo começou, e 1981. Eu tenho a melhor colecção de discos do mundo e não preciso de ter mais. Estou contente com The Kinks, The Who, Small Faces, The Move, Wire, Johnny Moped, Pink Fairies, The Groundhogs e não preciso de mais. Mas vou ouvir o disco de Phantom Vision para ver se são tão bons em estúdio como ao vivo, porque ao vivo são mesmo muito bons!
MDX – Qual foi o melhor episódio que já tiveram?
Captain – Fico sempre contente quando vou tocar a sítios onde os meus artistas preferidos foram tocar. Faz-me rir se tocar no mesmo sítio que os Beatles porque não gosto deles! Só têm músicas de amor até que o John Lennon começou a escrever algo mais violento e real. Quando tocamos no mesmo sítio onde o Jimmy Hendrix tocou fico bastante empolgado e faço a minha imitação dele com a guitarra atrás da cabeça. Gosto disso!
MDX – E o episódio mais estranho?
Captain – Eu conto sempre o episódio em que fomos numa tour com os The Rats e andávamos sempre a fazer truques e a pregar partidas uns aos outros. Fizemos-lhes algumas coisas más como por exemplo meter Led Zeppelin no monitor enquanto tocavam e mandar-lhes peixe para o palco. No último concerto estávamos em palco e eles vieram com 5 sacos de fezes de cavalo que apanharam numa quinta. Mandaram-nos com tudo para cima, era merda espalhada por todo o palco, em cima de nós, nas nossas caras, rolámos no chão até ficar castanhos. Depois começaram a mandar para cima do público e este começou a correr em direcção à saída. Foi uma boa experiência.
MDX – O que pensam sobre o Lemmy como vosso maior fã e como pessoa?
Captain – Ele salvou-nos em 1978. Tínhamo-nos separado e não tínhamos dinheiro. Eu, o Dave e o Rat decidimos fazer um concerto para conseguir dinheiro para pagar as contas, mas não tínhamos baixista. Alguém disse: “porque não falas com o Lemmy?”. Pensámos que ele ia dizer que não mas ele aceitou e salvou os The Damned. Correu tão bem que fizemos mais uns concertos até encontramos um baixista permanente. Foi uma grande perda! Claro que ninguém dura para sempre mas eu não fico triste quando penso nele, penso no ser fantástico que era e no exemplo que era para todos nós. Ele tinha as suas próprias regras e vivia no limite. Um dia chegou-se ao pé de mim e disse: “Estavas muito bêbedo ontem à noite! Não andas a beber muito, andas a beber demasiado rápido! Deves beber mais devagar e ficar bêbedo mas não fora de controlo.” E foi um excelente conselho da parte dele porque ele passava o dia inteiro a beber mas não bebia rápido! Levei algum tempo a aprender porque adoro beber e foi dai que veio o meu nome estúpido! Por ser estúpido e idiota. Quando estava bêbedo era um pesadelo!
MDX – O que podemos esperar do concerto de logo?
Captain – É um alinhamento que adoramos tocar. Não vão conhecer todas as músicas mas todas as partes de The Damned vão estar representadas. Vamos ter 1 ou 2 músicas mais negras das quais gostamos. É um alinhamento que me faz sentir feliz! Não vai haver muito psicadelismo, vai ser mais punk com um pouco de gótico e eu vou tocar uns quantos solos.
O alinhamento foi muito bem escolhido e para além de o fazer feliz, fez-nos a nós também. Obrigada pelas palavras e pelo concerto, Captain! Que o regresso seja para breve.
Entrevista – Eliana Berto
Fotografia – Daniel Jesus