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La Chanson Noire, Castigat ridendo mores!

“Prazeres da decadência, apologia da exuberância e da extravagância, defesa da liberdade e da libertinagem” – Press release, La Chanson Noir, 2007

O terror como a inspiração da criação artística. Realização, Nosferatu musicado, curtas em processo, videoclips, o Charles é um artista autónomo com muitos e bons amigos.

Ao de leve, como um “gloss” de cor no cinza, Charles recebe-nos com um sorriso no olho azul. Conversamos muito perto dos estúdios do Canal Q, onde vai gravar a seguir. Fumamos cigarros e tomamos café, falamos de influências e da contra-cultura, acabamos a concordar que o Morrisey tem mesmo mau feitio! Castigat ridendo mores!

Música em DX (MDX) – Curioso o nome artístico… Charles?

La Chanson Noire (LCN) – Faz sentido haver uma diferenciação entre a pessoa e o artista. Desde muito novo que gosto de trabalhar personagens. Comecei a escrever poesia na 4ª classe, e desde o 5º ano que tenho pseudónimos. Adoro criar personagens e interpretá-las.

MDX – Qual o teu percurso artístico?
LCN – Andei na Escola Profissional de Música de Almada. Tive aulas de percussão, estive 10 anos na orquestra dos Toca a Arrufar como maestro. O ambiente familiar ajudou, pois os meus pais sempre estiveram ligados a artistas. Sempre houve uma facilitação. Sempre tive o apoio dos meus pais.

MDX – E o Conservatório de Musica?
LCN – Na fase de ir para o Conservatório era demasiado rebelde… (risos).

MDX – Quando ouvi a tua música, lembrei-me logo de Pop dell’arte.
LCN – (Risos). Eu nem sequer conhecia Pop dell’arte.

MDX – Tens um estilo muito próprio, o qual me atreveria a dizer que não está na moda…
LCN – Pois, se não tinha uma barba enorme! (risos)

MDX – Hoje em dia as barbas são mais vendáveis… Sentes que é preciso ter coragem por estares sozinho no teu estilo, Pop/Gotico/Punk?
LCN – Sim, nunca fui muito de modas. E essas têm um risco grande, pois aparecem muitas bandas dentro do mesmo estilo mas a grande maioria não se aguenta, não singra. É uma faca de dois gumes o estar à margem das modas, mas é o que sinto.

MDX – O teu percurso já é uma pequena história. O primeiro CD em 2007, 2008, 2010 e 2012.
LCN – Sim, três álbuns, um single em vinil e uma K7.

MDX – A K7 “Canções de faca e de alguidar”. Trabalhas muito as tuas letras?
LCN – Não penso muito nas letras. Gosto essencialmente dos jogos de palavras, que não fazem sentido. São exercícios de estilo. Gosto de provocar com o humor, mas o público português é muito pesaroso, não compreende o humor. Os Ena Pá 2000 surgem de uma corrente homeoestética das Belas Artes.

MDX- Sim e conseguem abordar temas bastante sérios com o humor. Como a pedofilia, por exemplo.
LCN – É a cultura de valores através do inusitado, através do estranho. Gil Vicente trabalhou isso, “castigat ridendo mores” (“é a rir que se castigam os costumes”). Como o “Portugal Alcatifado” (Canções Anormais) do Manuel João Vieira. Neste momento perdi a vontade do kitsch e das coisas engraçadas. Faço simplesmente o que me apetece.

MDX – Tens uma editora?
LCN – Não estou associado a nenhuma editora. Trabalho com várias editoras ao mesmo tempo, porque um trabalho meu sai muito caro. Tenho o meu próprio estúdio.

MDX – Mas hoje gravar um CD é barato, não é caro pois não?
LCN – Se se vai criar um objecto físico, faz sentido que seja elaborado. O meu primeiro trabalho foi um CD e um DVD com videoclips de todas as músicas. O 2º tinha 15 fotografias de fotógrafos que convidei, e 13 temas de autores que também convidei, o Nuno Markl, o Adolfo Luxuria Canibal, etc. Por isso o custo de fabrico pode chegar aos 5.000€. Gosto de fazer pós-produção do meu trabalho, se não tem um ar acessível, dou-lhe um “gloss” e fica mais leve.

MDX – Então o próximo disco não terá “gloss”?
LCN – Este disco é música pop de terror. Escrevi as músicas de seguida, num cemitério em Copenhage, a olhar para a campa de Kierkegaard…

MDX – Quais as tuas influências musicais? Achei muito curioso tocares com os Bizarra Locomotiva…
LCN – Sim, as minhas influências são heavy metal. Sempre que saí um disco é discutido nos fóruns de heavy metal. E ouvi muito The Cure.

MDX – Os códigos são os mesmos.
LCN – Exactamente, há muita proximidade com o heavy, sim.

MDX – Outro músico que imediatamente me surgiu quando ouvi a tua música, foi o Antony dos Antony and The Johnsons.
LCN – Isso foi muito curioso porque eu só conheci Antony em 2010! E sim, identifico-me muito com ele e com a música dele. Ele tem as raízes na cultura punk. E neste momento faz sentido, é uma contra-cultura.

MDX – Mas tens consciência que estás a inovar?
LCN – Estamos a sofrer um período pré-vitoriano. As pessoas são incentivadas a serem estupeficadas. A tv e a net podiam servir para trazer cultura às pessoas, mas é massificada! Não pode ser a luta só por a luta, tem que haver uma contra-cultura que apelasse à cultura. Há uma tendência para a estupidificação. Por exemplo com a queda da bolsa de Wall Street nos anos 20 que deu origem à I Grande Guerra (que é uma óptima maneira de encher os cofres do Estado), houve uma explosão de cultura, de correntes de pensamento! Hoje esta cultura twitter, é um fenómeno desse atrofio cultural, é a cultura do limite de caracteres! Há todo um facilitismo mental, as pessoas têm uma preguiça mental, um livro por mês fazia-lhes um bem enorme! Há uma glorificação da ignorância. A igreja católica só deixou de dar a missa em Latim há pouco tempo. E isso era propositado, para que o povo não entendesse.

MDX – Dás algum contributo para contrariar isso?
LCN – Fazê-los pensar por eles próprios. A capa do 1º disco foi muito censurada, é a N. Sª de Fátima sem rosto e os três pastorinhos com uma faixa preta nos olhos. Houve Fnac´s que se recusaram a pôr essa capa, substituíram-na. É pôr as pessoas a pensar sobre a validade dos dogmas. O 2º disco a capa é a Amália em versão zombie, e o 3º seria o Eusébio (Fátima, Fado e Futebol). Mas o Eusébio tinha morrido pouco tempo antes e seria um choque, e não se pode ser um choque pelo choque. Há certas coisas que eu nem sei como não me puseram um processo em cima (risos)! Num outro disco fiz uma sátira ao festival da canção, com o Frei Armani da Campa, o Carlos Paiado, etc. (risos).

MDX – Quem faz os teus vídeos?
LCN – Sou eu e amigos meus. Mas sou eu que realizo. Estamos a fazer um filme que vai ter a mesma duração do disco. Como obras complementares, é uma viagem poética sobre os signos do zodíaco.

MDX – Tens tido muitos concertos, estives-te em Grândola e no dia 27 vais estar em S. Domingos de Rana. Onde?
LCN – Foi um convite da Associação “A Besta” e o concerto vai ser num espaço que se chama A Estudantina. Este convite surgiu precisamente quando toquei com Bizarra Locomotiva.

MDX – Tanto tocas na Pensão Amor, como no RCA…
LCN – Quando criei este projecto, não foi para ficar somente num estilo. Gosto muito de ouvir as canções em vários formatos. Já experimentei com guitarra portuguesa e um violoncelo. Já toquei no Palácio Foz, na Sala dos Espelhos. No Cemitério dos Prazeres, na Noite dos Museus a convite da Câmara Municipal de Lisboa. Foi apoteótico! A tocar o “Bordel de Lucifer” poucas horas antes da missa dominical (risos). Esta música já tem mais de 30.000 vizualizações. Foi um exercício de estilo. Tem sido assim, convidam-me e eu toco, com Bizarra foi igual, foi a Rastilho que me convidou. Toquei com Moonspell na tournée “A Sombra” (em acústico), no foyer do Cinema S. Jorge. Faço entre 40 a 50 concertos por ano.

MDX – És tu que fazes o teu próprio agenciamento?
LCN – Sim, sou. Sou eu que trato de tudo do meu projecto, é excelente! Tenho o meu estúdio na baia do Seixal, faço a gestão do meu trabalho e do meu tempo (sorriso).

MDX – Compões quando estás mais triste, ou quando estás mais eufórico?
LCN – O Robert Smith dizia “Componho quando estou muito triste, porque quando não estou tenho mais que fazer.” Sim, componho com a tristeza.

Mais informação em:
Facebook La Chanson Noire – https://www.facebook.com/chansonnoire

Texto – Carla Sancho
Fotografia – Rita Justino