Não foi preciso ser-se futurólogo para se perceber que, no rescaldo da primeira edição do Reverence (em Setembro do ano passado), o “psych” seria uma tendência a seguir em Portugal, mesmo que já existissem outros eventos de menores dimensões. Não que isso seja mau; retiremos a conotação negativa de “moda” e veremos que esse certame em Valada abriu as portas para uma maior oferta de propostas como este Sound Bay Fest (ou o vindouro Lisbon Psych Fest), o que é de saudar. Indício do estado de graça que esta subcultura tem vivido em Portugal é mesmo o facto de, na passada noite de sábado (em véspera de Páscoa, não esqueçamos) o Room5 ter sido composto por uma massa humana muito aceitável, apesar do preço pouco acessível.
Passava pouca mais de meia hora do horário previsto quando os The Japanese Girl fizeram soar as suas guitarras ensopadas de distorção neste antigo antro de devassidão juvenil. Prejudicado pelo som demasiado estridente, o trio, composto por dois guitarristas e uma teclista/responsável pelo pad que compunha o ritmo, deu a bebericar o seu cocktail entre o garage e o shoegaze aos ainda muito poucos (por força do atraso) que se predispuseram a prová-lo, sem que fossem particularmente atrativos.
[Fotos The Japanese Girl]
Seguiram-se os espanhóis 1886, declarada aposta da organização. Pode se dizer que foi um tiro certeiro, já que o quarteto proveniente de Barcelona mostrou ter ganas para convencer o público português e saiu debaixo dos aplausos que o público, que ia chegando em vagas, dispensou com agrado, mesmo lutando contra uma qualidade de som que se mostrava muito sofrível. Liderados por Pau Bassedas, os 1886 demonstraram um rock interessante qb, especialmente pelos malabarismos do baixista e alguns leads de qualidade, mas que ainda acusam alguma falta de entrosamento na secção rítmica. Tudo o que se pede a estes barceloneses é que ganhem um pouco mais de coesão para começarem a dar cartas.
[Fotos 1886]
Já deste lado da fronteira e tidos como uma das promessas do stoner nacional, os Stone Dead elevaram o patamar com um concertaço. O grupo alcobacense não acusou a juventude e demonstrou já ter rodagem e solidez para dar e vender, com uma meia hora de grande intensidade, pontuada pela performance vocal muito agressiva de João Branco. “Evil Monkey”, “City” e “Stone John” (estas duas últimas acompanhadas de harmónica) foram alguns dos temas que incendiaram o Room 5, fortemente auxiliados pelo som que agora assim estava como se quer o Stoner, quente e gostoso.
[Fotos Stone Dead]
Todo o amante deste tipo de sonoridades sabe que uma banda pode ter os melhores riffs do mundo, o baterista mais animal ou até teclados de bom gosto, que isso não lhe valerá de nada sem um baixo que faça tremer as paredes. Os Libido Fuzz não padecem desse problema, antes pelo contrário, a delgadeza de Nick Blazy foi inversamente proporcional à densidade do seu baixo viscoso como lava. O nome do seu último trabalho, “We’re a Heavy Psychadelic Boogie Band”, pode pecar no capítulo da subtileza, mas revela exactamente o seu propósito. O “power trio”, que tem acompanhado os Radio Moscow em tour, chegou praticamente desconhecido a Lisboa e convenceu; pode não ter exponenciado a libido na sala mas a temperatura subiu certamente com The Last Psychedelic Blues e I Was Made On A Desert Road.
[Fotos Libido Fuzz]
Para além dos panados gigantes e da instituição que é o Milhões de Festa, Barcelos ficou conhecida nos últimos anos por ser um viveiro de talento nacional, com os Black Bombaim à cabeça. O Room5 mergulhou num catarse colectivo proporcionado pelo trio, que alia a mestria instrumental a um sentido de composição fenomenal, elevando os temas do ainda recente Far Out para as viagens que apenas o rock psicadélico pode oferecer. Sejam grandes riffs inspirados pelos deuses antigos (Black Sabbath e quejandos) ou até passagens dançáveis imbuídas de ritualismo, quem conhece estes senhores já sabe que nunca sairá defraudado de um dos seus concertos.
[Fotos Black Bombaim]
Saídos da caravana espacial, os presentes foram forçados a uma aterragem que em nada foi suave. É que os The Picturebooks estrearam-se em Portugal munidos de um blues rock despido, de garagem e à americana, com ardor na voz bafienta de whiskey. Assinando aquele que provavelmente foi o mais surpreendente (e melhor) concerto da noite, ao duo (pasme-se, germânico) composto por Fynn Claus Grabke e Philipp Mirtschink, só faltou entrar pelo Room 5 adentro de “Chopper”. Com Philipp a abusar do seu kit sem pratos como se fosse um tambor de guerra, Fynn tratou de ulular, trautear, cantarolar e berrar acompanhado das suas fieis semi-acústicas, que tanto se prestavam ao riff seco como à slide guitar bem sacana. Dando o destaque à bem acelerada “The Rabbit and The Wolf” e à dolorosa “Your Kisses Burn Like Fire”, o concerto destes alemães não teve pontos baixos, exceptuando a pausa para reparar a bateria, não há kit que aguente uma sessão de porrada daquelas. A seguir, sem dúvida.
[Fotos The Picturebooks]
Chegámos então ao momento mais esperado da noite. A sala estava nos píncaros para receber os Radio Moscow, grupo nascido no “Midwest” americano e em estado de graça por terras lusas desde a sua última passagem por Cascais no Stairway Club. Se dúvidas restassem, uma vistoria em frente ao palco durante as rápidas passagens de 250 Miles mostrou que o público queria mesmo era mosh e crowdsurf ao som do trio. Death From a Queen, do seu mais recente Magical Dirt deu o tiro de partida para uma hora repleta de Blues e psicadelismo em partes iguais. Se é verdade que hoje em dia já não existem guitar-heros, também se deve dizer Parker Griggs deu show como poucos, sacando solos plenos de feeling durante largos minutos como se nada fosse, chegando até a resvalar um pouco para a indulgência. Às faixas já referidas, de apontar para malhas como Broke Down, Rancho Tehama Airport e, para acabar em grande, No Good Woman, conhecido opus do grupo, que deixou o palco sob o já esperado coro de aplausos.
[Fotos Radio Moscow]
A tarefa de suceder os Radio Moscow revelava-se hercúlea, ainda para mais com a hora avançada e os excessos da noite já bem visíveis pela plateia, mas os Killimanjaro, grupo de sangue na guelra, não se deixou intimidar. Vindo de uma tour pela Europa, o conjunto barcelense (lá está) já não disfrutou de um som tão bom mas marimbou-se para isso e preferiu usar o que tinha para atacar os riffs e ganchos de Hook na capital. December, Drowned e Howling foram algum dos temas tocados com uma precisão e ferocidade tal que é natural que estes jovens rapazes comecem a almejar outros voos lá fora.
[Fotos Killimanjaro]
A noite já ia longa e por isso já não houve oportunidade para descobrir a sonoridade dos Tweak Bird, os tais apadrinhados pelos Melvins, e para fechar a noite no transe proporcionado pelo exotismo de JÍBOIA, projecto do incansável Óscar Silva. Com um cartaz equilibrado (dentro de uma certa coerência, claro está) e sem problemas de maior, espera-se que este Sound Bay Fest ganhe o seu espaço e cresça. Se é para virem mais bandas como os The Picturebooks, têm o nosso aval.
Texto – António Moura dos Santos
Fotografia – Luis Sousa
Evento – Festival Sound Bay Fest 2015
Promotor – Amazing Events