O Sabotage acolheu na quarta-feira passada a atuação do rocker The Legendary Tigerman. O pretexto foi uma das festas Jameson Urban Soul, que têm este ano a sua segunda edição. Ao longo de pouco mais de uma hora, Paulo Furtado, acompanhado na bateria por Paulo Segadães e no saxofone barítono por João Cabrita, proporcionou um espetáculo competente perante uma sala cheia.
A noite estava agradável neste espaço que já é uma referência do rock ao vivo em Lisboa. Bebem-se imperiais ao som de Rhythm & Blues, Bob Dylan “recente”, Tom Waits e outros habituées da casa. A bola de espelhos e a frescura da ventilação contribuem para uma atmosfera descontraída. Os ingredientes para uma agradável noite rockeira estão reunidos.
Às 23:15 o The Legendary Tigerman comparece em palco. Vestido de negro e com óculos escuros a condizer, como é sua bitola, cumprimenta o público antes de atacar sozinho os acordes de Sister Ray. O público está atento e o músico está no mundo dele. Neste tema, o registo da voz é grave e com pouca definição, e isso impede que se perceba a letra com clareza, fenómeno que se repetirá noutras músicas em situações semelhantes. Algumas notas de guitarra e ocasionais gritos penetrantes furam esse registo, à medida que a música avança.
Com Wild Beast, pode dizer-se que a banda – sempre coesa – ganha vida e estabelece o tom para uma atuação enérgica, com momentos explosivos. O ambiente psicobilly, com bateria tribal e movimentos bruscos do frontman ao executar os solos de frente para o sax, conduzem a um falso final apoteótico, em que o público começa a aplaudir no lapso de silêncio que ocorre antes de a banda retomar o tema; e após o verdadeiro final, fica a sensação de que os músicos já aqueceram e o público já “comprou” o espetáculo.
Segue-se Storm Over Paradise, música com remeniscências “Tiki” e refrão de sabor punk. Quando o tema termina, Furtado pede ao público que se aproxime mais do palco.
Depois, num tempo mais rápido, veio a dor: & Then Comes the Pain, e Gone, em que há lugar a genuínos momentos de entretenimento rock com os despiques entre a guitarra de Furtado e o sax de Cabrita.
Em I Got My Night Off, alternam trechos de grande energia com outros mais contidos, mas tensos, e, em Flight Rock, surge novamente a questão do tom de voz grave que dificulta a perceção da letra. Vale a pena notar que, num sítio onde nem sempre é fácil fazer com que os instrumentos sejam perceptíveis sem que o volume geral seja ensurdecedor, o homem que estava por trás da mesa de mistura fez um ótimo trabalho.
Com o tema My God, sobre “coisas que acontecem na estrada”, o homem tigre proporciona alguns minutos de escapismo através de uma toada alegre executada em tom conciliatório: não é difícil imaginar que estamos numa qualquer estrada dos Estados Unidos a conduzir descontraidamente.
E logo a seguir, o ambiente é de rock festivo, com Dance Craze, uma música que traz à memória a combinação de power chords de TNT, dos australianos AC/DC.
A festa continua com a interpretação do clássico de Nancy Sinatra: These Boots are Made for Walking, e nota-se que o público adere sem restrições: canta, dança, acompanha com palmas. Vamos com 50 minutos de concerto quando o tema chega ao fim. Altura para uma piada de Furtado – “uma grama é melhor que um instragram” – e para arrancar para a reta final do concerto com 21st Century Rock ‘n’ Roll. Ritmo uptempo, energia a rodos, cânticos de chamada e resposta; uma viagem de ida e volta de Furtado ao topo do balcão do bar; rock algo caótico com um João Cabrita mais free; uma jam que faz a música prolongar-se por 15 minutos; e uma escolta de aplausos e uivos de enstusiasmo que acompanha os músicos quando estes abandonam o palco: o público quer mais.
Regressados para o encore, ouve-se quem peça “rock ‘n’ roll!”, ao que Tigerman responde: “Não, agora vamos tocar uma coisa bonita (…) Fumai, bebei mas calai-vos.” E não é que alguém decide armar-se em sacristão e começa a fazer “ssshhhhs” que se prolongam pela música (Love Ride) adentro? Por momentos pareceu que não estávamos num espaço dedicado ao rock mas num concerto da Gulbenkian; quase apeteceu gritar: sabotage(m)! O tema prossegue na sua cadência calma, com o sax, a dada altura, a emprestar um feeling de anos 80. E o acorde final de Furtado é um plácido majorante de sétima… hora de ir dormir.
Resumindo: uma noite de rock que não desiludiu, com muita energia e inspiração q. b.
Texto – Pedro Raimundo
Fotografia – Luis Sousa