Backstage

Calibro 35, o poliziottesco que vai abanar o ribatejo

Vivemos numa era apaixonada pelo passado. A cada mês que passa, surge uma nova corrente apostada em revitalizar um género musical esquecido ou trazer à baila um artista obscuro, com diferentes graus de honestidade e, sobretudo, de sucesso. Felizmente, os Calibro 35 não padecem nem duma coisa nem de outra.

O conjunto milanês teve a ideia peregrina de resgatar a sonoridade dos filmes Poliziottesco das garras do tempo e reactualizá-la para o século XXI. “Hun?”, dizem os leitores. Passemos a explicar: os Poliziottesco são filmes policiais de qualidade duvidosa gravados nas décadas de 60 e 70 na Itália. No sentido inverso, as bandas sonoras que acompanhavam estas películas eram misturas refrescantes de funk, soul, jazz e rock, que, aliás, nos fazem recordar de álbuns imemoriais do outro lado do Atlântico que também acompanharam filmes esquecidos como Superfly de Curtis Mayfield ou Shaft de Isaac Hayes.

A salganhada contagiante que este italianos produzem levou-os a ser convidados para a edição deste ano do Reverence Valada, festival que se assume não só para fãs do psicadélico, como para melómanos em geral, sendo certo que os Calibro 35 ainda vão levar algumas almas a dançar sob o calor abrasador do Ribatejo. A anunciada vinda foi motivo mais do que suficiente para falarmos com Tommaso Colliva, produtor e cérebro por detrás dos Calibro 35.

Música em DX (MDX) – Vocês estão de momento numa digressão pela França, Bélgica e Alemanha. Como estão a correr as coisas?
Tommaso Colliva (TC) – Está tudo a correr muito bem, obrigado! Estou neste momento a responder a partir da nossa carrinha, indo em direcção a Frankfurt. Ontem esgotámos a sala no Bassy Club em Berlim e foi a segunda seguida na cidade, por isso não podia estar a correr melhor, muito honestamente. Nós adoramos fizer tours pela Europa, há tantos sítios onde podes ir e em todas as vezes acabas por visitar cidades novas, mas também voltas àquelas que já conheces, o que é fixe.

MDX – Eu sei que os Calibro 35 se formaram em 2007 quando tu recrutaste os restantes membros de vários projectos para tocar umas malhas inspiradas pelas bandas sonoras de antigos filmes policiais italianos. O que é que vos levou a continuar a tocar até hoje?
TC – Os Calibro começaram com um projecto pontual para redescobrir bandas-sonoras italianas obscuras dos anos 60, mas rapidamente evoluiu para uma banda a sério. Nós apercebemo-nos que esta música era excelente para tocar e que ninguém já ligava a este estilo de música, por isso começámos a organiza concertos e a compor os nossos próprios temas. Depressa descobrimos que o nosso público não conseguia diferenciar a nossa música do material dos anos 60 e que nós podiamos ser mais originais do que os originais, de certa maneira. Depois disso, o realizador americano Mike Malloy contactou nos para fazermos uma banda sonora para um documentário [Eurocrime! The Italian Cop and Gangster Films That Ruled the ’70s], o que foi ainda mais interessante e abriu novos cenários para nós. Até agora já lançámos 4 álbuns, 3 bandas-sonoras e infindáveis trechos para filmes, curtas e documentários.

MDX – Como é que olham para os passados 8 anos em retrospectiva?
TC – Tem sido uma viagem incrível. Não estávamos à espera de viajar pelo Mundo com os Calibro. Era suposto ser uma sessão rápida de estúdio e agora estamos muito ocupados e na verdade não temos tempo suficiente para fazer tudo aquilo que gostaríamos de fazer. Nós também fomos mais e mais a fundo neste género musical e descobrimos coisas novas todos os dias: música que nunca ouvimos antes, filmes terríveis com bandas sonoras incríveis, outros artistas inspirados pelos mesmos compositores que nós.

MDX – O vosso mais recente LP, Traditori di tuttie, já remonta a 2013. Estão a escrever música nova?
TC – Acabámos de gravar uma data de material novo no Toe Rag Studios em Londres. Tudo gravado por tracks em fita, sem overdubs. Nós temos mais material do que aquele que precisamos por isso agora temos de seleccionar as melhores músicas e fazermos um álbum com elas. Estamos a evoluir bastante, a explorar novos territórios musicais, a tocar novos instrumentos e a ter diferentes inspirações e referências. Vai ser Calibro, mas diferente.

MDX – Como é que abordam o processo de composição? É que ouvindo a vossa música, a mesma parece ser criada naturalmente e sem esforço, como se começassem a tocar e vissem onde aquilo ia dar.
TC – Varia bastante. Todos nós damos a nossa contribuição no álbum. Alguns de nós são melhores a trazer uma canção completa – música, arranjos, partes, temas – para o estúdio; outros preferem trazer ideias – pode ser um riff, um groove, um tema – que todos nós trabalhamos em conjunto. Depois disso tens o improviso e surge a magia, deixas a fita a gravar e vês o que acontece.

MDX – Ficamos com a noção de que este projecto é verdadeiramente honesto mas não se leva assim tanto a sério. Mais do que tudo, são os Calibro 35 uma homenagem aos filmes Poliziottesco?
TC – Começou mais como uma homenagem às bandas sonoras do que aos filmes. Os filmes são engraçados de ver mas, honestamente, a maioria deles não vale nada. Digamos que 10% são obras-primas, 35% são bons, 25% são ok e os restantes são péssimos. A música, no entanto, é frequentemente boa e interessante, uma mistura de géneros que abordam todas as influências diferentes dos seus compositores: funk, big band, orquestral, prog rock. Isto faz sentido se considerares o período histórico: os compositores provavelmente nasceram nos anos 30, receberam treino clássico nos anos 50 e pediram-lhes depois para copiar bandas sonoras americanas utilizando jovens músicos de jazz e rock para poupar dinheiro.

MDX – Para além da música, você têm também uma imagem reminiscente dos filmes desse período. Quão importante pensas ser este casamento entre som e estética visual?
TC – É muito, muito importante e é uma grande parte da inspiração que captamos dessa era. Quero dizer, olha para os posteres desses filmes, os fatos, as capas das bandas-sonoras! São cenas incríveis! Nós tentamos fazer o mesmo, ter fortes conteúdos visuais e uma estética definida. Tomou-nos um bocado de tempo para que se tornasse focada e tão boa quanto nós queríamos, mas agora estamos bastante orgulhosos das nossas produções.

MDX – Esta vai ser a vossa segunda vinda a Portugal, certo? Como é que correu o primeiro show na noite de encerramento na Festa do Cinema Italiano há dois anos?
TC – Sim, a segunda vez. Lisboa foi fantástica, nós estávamos a regressar do Brasil onde tocámos no Nublu Jazz Festival com os Headhunters e o Roy Ayers, por isso ficámos com bastante jet-lag mas o festival foi incrível. Ainda tenho um poster muito fixe para o qual a organização se inspirou nos Poliziotteschi e eles fizeram muitas mostras de filmes. Nós tocámos no fim e por isso toda a gente estava relaxada e em modo festa. Agora estamos ansiosos pelo festival.

MDX – Como é que perspetivam o concerto no Reverence Valada?
TC – Ainda falta muito tempo, por isso uma data de coisas ainda podem acontecer. Nós mudamos a nossa setlist com bastante frequência e ainda vamos ter mais sessões de estúdio antes do festival por isso é provável que venhamos a introduzir músicas novas e por lançar no set. Festvais de música são sempre divertidos e é óptimo ver outras bandas tocar. Vamos querer dar o nosso melhor de certeza!

Entrevista – António Moura dos Santos
Fotografia – Website oficial Calibro 35