Backstage

BWO – Celebrar a música desde as ruas de Lisboa a Abbey Road

Noite em Cem Soldos. As mesas corridas, o frango de churrasco e o copo de vinho tinto. Em vez do jornal o horário do festival. Não muito convencido aceito a sugestão – Brass Wires Orchestra no Palco Lopes Graça. Aí foram capazes de transmitir uma energia contagiante a um público que encheu a praça, os acompanhou em uníssono e em celebração durante o concerto. Passado quase um ano, o reencontro com o vocalista e mentor da banda – Miguel da Bernarda e antes da partida para mais um concerto, em Loulé, na edição deste ano do Festival Med. Desta feita com vista sobre o centro de Lisboa. Também aqui debaixo de árvore, que tal como nos Bons Sons, o calor apertava.

Música em DX (MDX) – Desconheço se será só impressão minha, mas parece haver um certo sentido de rua na vossa música?
Miguel da Bernarda (MB) – Há músicas no nosso disco (Cornerstone) que remetem para esse universo e que foram tocadas na rua. O início dos Brass Wires Orchestra (BWO) dá-se a tocar na rua, em praças, jardins de Lisboa. Tínhamos a urgência em tocar e a necessidade, muita, em comprar os instrumentos. Além disso, no início da banda, os nossos vídeos foram filmados de forma bastante amadora. Mais tarde, com o vídeo oficial do segundo single “Love Someone” voltámos a filmar, desta vez, de forma mais profissional e com vontade de mostrar novamente os lugares tão característicos como o Miradouro do Adamastor, Chiado, Baixa, Camões, Lx-Factory. Voltar a estes sítios foi como voltar ao nosso começo, quase um “regressar às raízes”. Talvez por tudo isto, transpareça o sentido de rua, da vivência de rua na nossa música.

MDX – Viam-se a participar num movimento do género Reclaim the Streets?
MB – Não é um tema que alguma vez tivesse pensado. Como banda penso que não, mas individualmente quem sabe.

MDX – Há um certo tempo histórico nos BWO. São uma banda com bastantes elementos e com instrumentos de sopro.
MB – É verdade que já ninguém faz bandas grandes, mas a abordagem que temos não é virada para o mercado. Sentimos que quantos mais melhores, e melhores porque nos apontam para uma maior diversidade. Retratam, também em parte, as influências musicais que tínhamos à época. Em relação aos sopros, a explicação é simples – reforçam o tom épico que imprimimos às músicas.

MDX – E como gerem este processo? Os ensaios, os concertos, a gravação das canções?
MB – Como deves calcular organizar este processo não é fácil. Uma das formas é rodear-nos das pessoas certas e daquelas que queremos que toquem connosco. É difícil conciliar as actividades de cada um com a rotina normal de uma banda, mas quando um dos elementos não pode tocar pedimos a outra pessoa que o substitua. Há um sentido que não devemos nunca perder, e esse é o sentido de oportunidade. Passa muito por aproveitá-las ao máximo.

MDX – Quais as vossas influências, não somente as musicais? Incomoda-vos as comparações com Beirut, Fanfarlo e Arcade Fire?
MB – As referências das pessoas são essas e contra isso nada podemos fazer. Não penso que sejamos muito parecidos com Beirut: As nossas referências são outras. São mais anglo-saxónicas e não mediterrânicas se quiseres. Mas por uma razão ou por outra assumem-nas como tal. As nossas influências são claramente musicais, relacionam-se com o que pretendemos para um determinado momento, com a marca estilística que procuramos.
Em relação às letras nem todas são autobiográficas, embora grande parte seja. Seria presunção maior pensar que com 28 anos teria alguma coisa de tão importante para contar aos outros e com os quais estes se identifiquem imediatamente. Tem a ver com as minhas estórias e outras que ouço, com os filmes que vejo. Sinceramente não consigo identificar um único aspecto como inspiração.

MDX – Imagino que já tenham tocado em diferentes sítios. Que maiores memórias guardas e sobretudo que diferenças mais marcantes sentiram?
MB – Não sei onde foste buscar a ideia de que tocamos assim em sítios tão diferentes. Penso que até tocamos muito pouco. Já tocámos em Londres e em Espanha em festivais, mas não foram assim tantos concertos. Recordo o de Londres – foi no início da banda, tivemos condições excepcionais e talvez por isso houve um certo deslumbramento – a banda toda e com dinheiro no bolso. Assim, tudo parece mais fácil. Também me recordo dos grandes festivais como o Boom, o Alive e o Paredes de Coura. Dos Bons Sons guardo boas recordações. Se não foi o melhor, foi dos melhores sem dúvida nenhuma. A banda com todos os elementos, a melhor hora, a praça cheia, um som excelente e todos nós no mesmo registo.

MDX – Continuando em Londres como foi a experiência de Abbey Road?
MB – Foi sem dúvida uma experiência enriquecedora trabalhar com o Frank Arkwright numa meca da música moderna que são os estúdios Abbey Road. Aprendemos bastante e deu-nos algum know-how para o próximo trabalho.

MDX – Já tinhas tocado em alguma banda anteriormente?
MB – Já tinha tocado noutros grupos, mas nada digno de menção. Antes de formar os BWO não conhecia a maior parte dos membros. A ideia inicial baseava-se em fazer vídeos à semelhança do que se faz em La Blogothèque. Uma espécie de La Blogotheque de Lisboa, onde fossem mais facilmente identificáveis os espaços da cidade. Puxar um pouco pelo lado mais turístico. Filmar também um vídeo piloto com o máximo de elementos da banda e com muitos instrumentos. A partir daqui começas a conhecer melhor com quem tocas. São os primeiros vídeos e os comentários começam a ser positivos. Depois deste momento são pequenos saltos. Até hoje.
Deixa-me acrescentar que o clique deu-se quando a banda começou. Encontrava-me a fazer o curso de gestão na universidade, depois disso decido tirar um ano sabático, de seguida um curso de pilotos de avião. No fim disto tudo decido ser músico e continuar até hoje dá-me uma sensação de orgulho.

MDX – O que nunca fariam como banda?
MB – Cantar em português. Não faz sentido. Só sou capaz de escrever em inglês, simplesmente consigo exprimir melhor o que sinto nesta língua. Talvez por ter tido o contacto com a mesma muito cedo. Sai tudo muito mais fluido e intenso.

Entrevista por – João Castro
Fotografia – Brass Wires Orchestra