Pós colapso das sondagens há que deitar mão a outros indicadores que nos permitam analisar com maior exactidão os fenómenos sociais, políticos e culturais duma sociedade contemporânea em ebulição. Descartados os táxis por óbvio enviesamento conservador, entrar num é como regressar a 28 de maio de 1926, os transportes públicos poderiam constituir um novo barómetro para sentir o pulso, pelo menos, aos lisboetas. No entanto, e tendo exclusivamente como amostra o trajeto de elétrico até ao Centro Cultural de Belém, na passada Quinta-feira, tal hipótese será de desconsiderar, ou pelo menos, o que nos mostra é uma sociedade diversificada. Os que partilham o meio de transporte com os demais tinham na sua maioria Algés e o Nos – Alive como destino. Sendo assim, poder-se-ia pensar que encontraríamos um grande auditório às moscas. Nada mais falso. Nem os grandes festivais têm a capacidade de secar tudo em redor, felizmente, como parece haver público para outro tipo de espetáculos que não os do eixo pop – rock com mais ou menos matizes indie.
Al di Meola dispensa apresentações. Seja pela já longa carreira a solo, seja pelos galardões e reconhecimento de público e da crítica, seja pelas inúmeras colaborações que foi estabelecendo com músicos do calibre de Stanley Clarke, Jean-Luc Ponty, Carlos Santana, Frank Zappa ou pelo simples facto de haver muito poucas pessoas que não tenham tropeçado no álbum de capa colorida de Friday Night in San Francisco juntamente com John McLaughlin e Paco de Lucía. Por tudo isto, um auditório esgotado e rendido acolhe-o com calorosa ovação, acrescente-se muito bem recebida pelo próprio após longa viagem do outro lado do atlântico. O universo musical é já bem conhecido – a fusão entre o jazz e as sonoridades latinas, tocadas com impecável mestria e pontuado com momentos de sublime beleza. Para tal contribuíram e muito os dois músicos que o acompanharam, em versão minimalista, quer no número, quer nas sonoridades produzidas – um baterista e um guitarrista. O foco recai todo sobre ele.
O virtuosismo de Meola, a forma como prende as cordas aos dedos, lembrando como um instrumento pode ser uma autêntica marionete, a rapidez com que passa de uma ponta à outra do braço da guitarra e o estonteante dedilhar de cada nota causa impacto, atemoriza. Os temas sucedem-se – seja BlackBird, do álbum All you life de homenagem aos Beatles, no dedicado a Astor Piazzolla – Café 1930, seja em Adour, primeira faixa do seu mais recente trabalho Elisyum, que ocupou grande parte da sua apresentação, tudo brilha com uma intensidade fora do vulgar. É precisamente neste momento, em que tudo se exalta, e antes que as imagens de um qualquer tocador de órgão numa cidade do sul de Espanha durante o Verão se tornem demasiado intensas, decido apanhar outro elétrico e reparar no guitarrista de suporte. Mais contido, capaz de criar pequenos momentos de pausa, ligeiros buracos, que tornam a luz mais difusa, mais intrigante. Foi na cumplicidade estabelecida entre os dois guitarristas que se atingiram os momentos, embora curtos, de sublime beleza.
Ao fim de quase duas horas, todos de pé bem perto do palco a cantar Strawberry Fields Forever. A noite era de celebração. Tanto aqui como uns quilómetros mais a oeste.
Texto – João Castro
Fotografia – Rita Justino