O título não é exagero, é bem possível que o Pavilhão Atlântico (deixemo-nos de patetices de branding) se tenha movido uns centímetros para o lado depois da demonstração de força dos Gojira. Ou, pelo menos, que os alicerces fustigados necessitem de reparações. A esgotar os últimos cartuchos do L’Enfant Sauvage, mas já a preparar um álbum novo, o conjunto gaulês, liderado por um Joe Duplanier em forma, apresentou-se pela segunda vez em Portugal, desta feita numa Sala Tejo bem composta mas longe de estar cheia.
É inegável que os Gojira estão no pleno do seu estado de graça do público português, especialmente desde a última performance em Vagos. A banda podia limitar-se a dizer bonne nuit que haveria sempre quem perdesse a cabeça num desvario histérico, especialmente pela ligação de sangue dos manos Duplantier a Portugal. Contudo, tamanho entusiasmo dificilmente pode ser censurável quando a banda ataca o público com uma sequência do calibre de “Ocean Planet”, “The Axe”, o malhão inacreditável que é “The Heaviest Matter in the Universe” e a saudosa “Love”.
Foi percorrendo a sua já preenchida carreira que o grupo francês fez a festa durante hora e meia de prazer no limiar da dor, dada a reverberação que se fazia sentir a espaços na Sala Tejo. Maciça como o âmago ósseo de uma baleia, Backbone foi um trunfo precoce no concerto, Toxic Garbage Island pulverizou os presentes e The Art of Dying relembrou os momentos mais progressivos de The Way of All Flesh. Contudo, foi nos momentos mais violentos que a banda triunfou, com Flying Whales mais para o meio do concerto a provocar finalmente um mosh e a velhinha Wisdom Comes acompanhada por um Wall of Death pedido enfaticamente por essa besta esquálida que é Mark Duplantier (que assinou um solo de bateria menos inspirado que o costume).
A recta final dos irascíveis gauleses trouxe o tapping característico de Oroborus seguida o balanço de Vacuity até a banda cair no vício que é fazer encores claramente planeados. No entanto, perdoa-se esta praga recorrente, já que trouxeram uma surpreendente dupla de faixas mais introspectivas (no cânone Gojira, atente-se, por tanto continuou a haver porrada sónica) com World to Come e uma das melhores músicas do mais recente LP, The Gift of Guilt. Com isto, convém apontar que no espaço de dois meses, conseguimos trazer a Lisboa dois dos mais fervorosos preponentes musicais das baleias. Para quando uma colaboração entre Gojira e Roberto Carlos?
[Gojira]
O espectáculo contou ainda com a nota de rodapé que foi a abertura dos The Raven Age, banda natural de Londres, que tanto vai buscar ao melodeath como àquela estirpe pós-Pantera de Groove embrutecido para constituir uma sonoridade algo anódina. Já toda a gente viu bandas assim: introduções “épicas”, riffs potentes, secções melódicas, solos imaculados, mas personalidade zero. Vontade não lhes faltou, é certo, e o vocalista Michael Burrough mais restante banda pareciam estar genuinamente contentes por cá estarem, mas quando se é mais genérico do que um paracetamol de supermercado, pouco mais fica na memória do que o epíteto de “aqueles que abriram para Gojira”.
[The Raven Age]
Texto – António Moura dos Santos
Fotografia – Luis Sousa