Vitalidade. A palavra poderá parecer um oxímoro quando colocada junto uma entidade tão putrefacta quanto os Cannibal Corpse, mas, volvidos 27 anos de excreção obscena, foi o que o conjunto de Alex Webster demonstrou no Paradise Garage perante um público sedento. Tal e qual um filme de terror de série B, não foi de artifícios ou surpresas que se fez a festa, mas antes de uma objectividade sincera em querer contar histórias de gosto altamente questionável. Não refeitos do excerto de porrada recebido pelos Gojira dois dias antes, esta foi altura ideal para o quinteto canibal servir-se dos nossos restos numa noite de banquete macabro.
Antes do histórico grupo subir ao palco, deu-se o retorno dos Suicide Silence a Portugal, eles que recentemente voltaram aos discos e aos concertos depois da súbita morte do vocalista Mitch Lucker em 2012. E se o recrutamento de Hernan “Eddie” Hermida para esse difícil posto parece ter revitalizado a banda, visivelmente regozijada por tocar ao vivo, a verdade é que a fórmula mantém-se a mesma de sempre: Deathcore intragável em CD, mas que acaba por vingar ao vivo pela pura energia e violência transmitidas. Mais consensual do que o esperado, e com muita malta para os ver, o quinteto californiano disparou petardo atrás de petardo pejado de breakdowns quase indistinguiveis (salvo alguns leads atmosféricos) para gáudio de um público que não parou de saltar e fazer mosh. O final selou-se com You Only Live Once, hino da banda cantado a plenos pulmões.
[Suicide Silence]
Feitas as honras de abertura, a lendária banda de Tampa chega despreocupadamente ao salão de festas. Há que ser honesto, os Cannibal Corpse não surpreendem ninguém e raras vezes o fizeram no passado. Nunca foram a banda mais rápida, mais técnica ou mais original no que concerne a esse profano mundo que é o do Death Metal. Contudo, dificilmente seriam mais consonantes com o género, tanto que quando alguém quer dar uma amostra do que é o Death Metal, normalmente vem à baila uma Hammer Smashed Face. É isso mesmo, consistência, que tem caracterizado o quinteto desde que George “Corpsegrinder” Fisher tomou conta das vocalizações, num percurso sem sobressaltos nem rasgos de maior, mas mantendo sempre a bitola elevada.
Era, portanto, expectável que a banda trouxesse a Lisboa, depois de, em 2012, ter visitado o Porto, um conjunto de temas equilibrado entre as novidades e os clássicos, e foi exactamente isso que fez. A cerca de hora e meia de espectáculo de horrores começou com a marcha tenebrosa de Scourge of Iron e o ataque frântico de Demented Agression para pouco depois nos depararmos com a primeira viagem ao passado. O groove inescapável de Stripped, Raped and Strangled, tema maniacamente gizado ainda Chris Barnes gorgolejava nos Cannibal Corpse, só não foi ainda mais destrutivo porque o som não esteve à altura, baixo e pouco dinâmico para uma banda deste calibre, o que não impediu a banda de assinar uma prestação demolidora. Corpsegrinder manteve-se igual a si mesmo, à vontade e divertido a falar com o público, por oposição à sua postura compenetrada a vocifrar palavras sanguinolentas.
Aos seguidores mais acérrimos foi dada a oportunidade de assistir aos temas do mais recente A Skeletal Domain (Kill or Become é das melhores músicas que escreveram nos últimos anos), mas foi a recta final o momento mais esperado da noite. O contínuo aquecimento dos pescoços preparou os presentes para o turbilhão de I Cum Blood, onde Corpsegrinder desafiou a audiência a acompanhar o seu headbanging (“You will try… and you’ll fail”), mas esse foi apenas o início de uma descida aos infernos. Unleashing the Bloodthirsty, Make Them Suffer e A Skull Full of Maggots colocaram os corpos num corropio selvagem, conduzidos logo de seguida ao momento da estocada final. A anteriormente referida Hammer Smashed Face chegou sem surpresas para devastar o que já pouco se encontrava de pé, mas foi o falso encore de Devoured by Vermin que ditaria o fim do certame insano.
Texto – António Moura dos Santos
Fotografia – Valentina Ernö (Silvana Delgado)