A alguns dias da sua estreia no Indie Music Fest, o Música em DX conseguiu um tempo com Pedro de Tróia, pessoa que dá a mão a quem precisa, mesmo a quem não a tenha, como se pode ver pelo seu trabalho na Azul de Tróia. O vocalista dos Capitães da Areia guiou-nos a um quiosque apetecível no centro da Praça de Londres e desvendou-nos mistérios, maneiras de ser e a essência da banda.
Música em DX (MDX) – Como surgiram os Capitães da Areia?
Pedro de Tróia (PdT) – No início de 2009, estava muito deprimido num sofá e o Manuel Fúria, amigo da pessoa com quem eu vivi ao chegar a Lisboa, perguntou-me se não queria formar uma banda com o nome “Os Capitães da Areia”. Instantaneamente disse que sim. Passou-se algum tempo e julguei que ele estivesse a gozar, até que um dia percebi que bastava querer para acontecer. Levantei-me e comecei à procura das pessoas-chave. Foi um bocado complicado… mas numa semana formou-se a banda entre sortes e acasos. Eramos cinco e o primeiro encontro foi numa sala de ensaios no Lumiar a tocar uma canção chamada “Rapazes de Lisboa”, do Paulo Pedro Gonçalves. O Fred saiu um ano depois, o grande Vasco deixou-nos no ano passado (ainda estamos de luto) e agora somos quatro: a Inês, o António, o Tiago e eu. Somos uma banda formada de acasos. Não éramos amigos de há 20 anos nem nada dessas coisas. Normalmente as bandas são formadas por um grupo de amigos que começa a tocar. No nosso caso foi ao contrário. Cada semana que passa, vamo-nos tornando mais amigos.
MDX – D’O Verão Eterno dos Capitães da Areia, lançado em 2011, para A Viagem dos Capitães da Areia a Bordo do Apolo 70, lançado no início deste ano, nota-se uma evolução. Na consistência, solidez e maturidade. Esta evolução foi consciente? Sentiram necessidade de mudar ou foi tudo natural?
PdT – Essa evolução foi a consequência de formares uma banda com pessoas que na altura tinham entre os 16 e os 20 anos e que, atualmente, têm entre 23 e 26. Parecendo que não, é muito tempo. O Verão Eterno dos Capitães da Areia surge com canções que começámos a compor em 2009. O que gera o Apolo 70 começa a ser criado quando o Verão Eterno está a sair. Ou seja, algumas das canções nasceram em 2011. O que acontece é que enquanto o primeiro disco reúne as canções que foram sendo compostas até 2011 e que de seguida foram gravadas em estúdio, já o Apolo 70 não. É um conjunto de enormes acasos, delírios descomunais, de tudo o que nós queríamos fazer. À medida que íamos fazendo, íamos tendo outras ideias e nisto passou-se muito tempo porque quando nos lembrávamos de alguém com quem quiséssemos cantar/tocar, não desistíamos até concretizar e isso levou o seu tempo. Resumindo, o disco é a consequência daquilo que nos foi acontecendo e que fizemos por acontecer.
MDX – Porquê tantos convidados no disco?
PdT – Podia ter havido muitos mais mas tinha de caber tudo num só disco. Se pudéssemos ter editado o disco duplo, teríamos seguramente o dobro dos convidados. Não há grande explicação para isso.
MDX – Quem escreve as letras?
PdT – No Apolo 70 a maior parte das canções são escritas por mim e outras entre mim e o Manuel Fúria. Há duas que foram escritas só pelo Manel e uma que foi o Samuel Úria com o Tiago Cavaco.
MDX – De onde vem a inspiração para escrever?
PdT – Vem de casa. Vem daquilo em que penso e dos romances que vivi. Não sei escrever sobre mais nada. Mesmo aquelas canções que parecem não ter nada a ver com amor, na verdade têm. Estão é escritas de outra maneira. A única coisa que me faz escrever é o coração.
MDX – E porquê o sarcasmo usado?
PdT – É tudo sincero. Quanto muito, posso usar uma linguagem mais complicada. Crítica não há. Tudo o que tenho de criticar, penso e resolvo. Não digo. O sarcasmo se calhar é entendido assim mas, se me conhecesses melhor, ias perceber que aquilo não é sarcasmo. Escrevo como falo e não é por acaso que tenho poucos amigos. As pessoas não entendem muitas vezes a ironia. Em Portugal, a ironia é muito pouco compreendida, tal como o sarcasmo. Neste caso são canções sinceras, é tudo verdade. Se sou, sou um sarcástico de natureza. E nós os quatro somos completamente alucinados enquanto grupo e, se calhar, isso transparece para a banda, transparece para o palco, para as letras, para a capa, para os vídeos e para tudo o resto. Se fossemos pessoas absolutamente sãs, certamente que teríamos muito mais sucesso. Claro que o queremos ter, mas nós vemos isto como uma carreira. Não há aquela sede de querer um momento, um êxito, um ponto efémero de explosão. Queremos ir crescendo. Se tivéssemos tido um boom há cinco anos, posso garantir-te que não estaríamos preparados para isso.
MDX – Onde é que aprendeste a tocar raquete?
PdT – Aprendi no Clube de Ténis de Coimbra.
MDX – Onde gostavam de tocar um dia?
PdT – Para além do Indie Music Fest, gostava imenso de tocar numa mega mansão com toda a gente alterada, uma coisa hardcore. Era tudo organizado por nós, só entravam pessoas que convidássemos, tudo manipulado por nós e que soubéssemos que estava ganho. Quem não gostasse, não entrava. Enquanto banda, talvez no palco principal de um festival cá em Portugal. Não pensamos em ir para fora. Quanto muito, uma perninha no Brasil ou nas Berlengas… Um concerto nas Berlengas era capaz de ser giro. Para ser sincero, é-nos um bocado indiferente onde tocamos porque somos demasiado egocêntricos do ponto de vista artístico. Não queremos ir tocar a um sítio porque vai estar cheio de gente. O mais importante é termos gozo naquilo que estamos a fazer. Vamos onde queremos estar e onde as pessoas nos quiserem.
MDX – Como é que estão a reagir à crítica, tanto a positiva como a negativa?
PdT – Nós fazemos sempre uma coisa engraçada que é: com as críticas positivas, independentemente de serem excelentes ou não, ficamos contentes; com as críticas negativas, muito honestamente, fazemos sempre bullying. Por exemplo, se alguém escreve mal sobre nós, gozamos muito ou reescrevemos o texto ou mandamos piadas. Dá-nos muito gozo gozar connosco mesmos. Tem a ver com a nossa maneira de ser. Contudo, há críticas muito bem escritas que não são nem boas nem más. Por exemplo, saiu uma crítica de um grande jornalista que não é nem magnífica, nem horrível. É bem escrita e nós nem ficámos muito contentes, nem fizemos bullying. Ficámos simplesmente a admirar por ser bem escrita e bem fundamentada. É muito raro alguém escrever bem sobre música em Portugal e quando essas pessoas que escrevem bem escrevem sobre ti, tu ficas feliz. Mesmo que seja para fazer uma crítica negativa. Nós reagimos bem à crítica quando é bem fundamentada. Quando é uma crítica.
MDX – Como está a correr a digressão? De acordo com as expectativas?
PdT – Está de acordo com o que nós esperávamos, porque lançámos o disco de surpresa. Temos a teoria de que as pessoas que gostam de nós são mais importantes do que as outras. E temos muito respeito por essas pessoas. Se alguém paga 5€ ou 10€ para ir ver um concerto nosso, torna-se muito importante para nós. O que pensámos foi: “porque é que havemos de fazer as pessoas esperar mais, a ouvir criticas sobre o disco e não o poderem ouvir?” e resolvemos mandá-lo cá para fora e deixá-lo a mercê. Neste momento, estamos a ter concertos mensais e antevêem-se bons tempos a partir de Fevereiro. Este é um disco que demora a absorver, tem muita informação e as pessoas levam o seu tempo. Creio que o pior está para vir, pior no sentido de melhor, tudo o que nós temos na cabeça neste momento são coisas brutais, engraçadas e diferentes. Gostamos de provocar a reacção. Se eu fosse um objeto seria claramente um tridente, para ir mandando umas picadas… Olho muito para aquilo que fazemos assim. A criatividade é o inverso de uma prisão, a criatividade é tu seres livre de fazeres aquilo que queres. No dia em que fizermos qualquer coisa porque tem de ser, não vamos conseguir lidar bem com isso porque vai contra a nossa maneira de agir.
MDX – Ia questionar mais à frente sobre os planos para o futuro, mas já que falas nisso, queres aprofundar?
PdT – Neste momento não há um plano. Há muitas ideias, tanto absurdas como boas. Há grandes canções que estão na gaveta e que sentimos que fará mais sentido lançarmos daqui a uns tempos. Há coisas que se calhar nunca ninguém vai perceber e há um espaço gigantesco em aberto. Funcionamos sempre com o imprevisto. Está sempre a porta encostada ou aberta para coisas novas que nos apeteçam. Ou seja, planos para o futuro não há, ideias para o futuro há muitas e sobretudo vontades. Obviamente não vamos lançar agora um disco com tantos convidados, não gostamos de nos repetir, também não te posso dizer como vai ser o som do próximo disco que ainda nem começámos a gravar mas está sonhado.
MDX – Qual foi a coisa mais engraçada que vos aconteceu?
PdT – Temos tantas! Vou contar uma que não é tão engraçada assim mas que serve para explicar o quão perigoso pode ser o sarcasmo ou aquilo que as pessoas possam interpretar como sarcasmo: houve uma altura que tinha a mania de falar espanhol entre nós a gozar e, certo dia, em Guimarães, quando acaba o concerto despeço-me com um sorridente “buenas noches”. Ao que ficámos a saber, existe uma grande rivalidade entre Braga e Guimarães e em que os habitantes de Braga dizem que os de Guimarães são os “espanhóis”. Não fazia a menor ideia e quando estamos a sair do palco vem uma senhora furiosa na nossa direção pronta a arrombar tudo. Correu muito mal. Mas teve piada.
Outro episódio fresco foi no Bons Sons, faz agora um ano. Entrámos em palco pouco depois da meia-noite, aquilo estava cheio de gente, foi uma grande surpresa e já estávamos noutro planeta. A dada altura, incentivado pelo Tiago resolvi mergulhar no mar de gente e nadei uns longos metros. Até que vejo uma velhinha e uma criança. Não havia mais ninguém e os braços que me suportavam atiram-me na mesma, caio de cabeça no chão e fiquei ali estatelado. Entretanto o refrão estava quase a começar e este servo muito longe do palco. A única maneira era ir outra vez por cima das pessoas e quando lá cheguei estava o segurança amavelmente a atirar pensos e adesivos, enquanto eu era sangue. Esse concerto foi histórico, acabou com os bombeiros, os capitães, o Ciclo Preparatório alucinado, os Vira Casaca loucos, a Ana Cláudia bastante sorridente e público selvagem, todos em cima do palco.
MDX – O que acham do Indie Music Fest? Quais são as expectativas em relação ao festival e ao concerto? O que têm preparado?
PdT – Não temos nada preparado para já. Estamos todos longe uns dos outros, neste momento. Vamo-nos encontrar dois dias antes do concerto para ver como estamos e depois seguimos viagem para Baltar. Estamos à espera de um palco num bosque e alces, muitos alces espalhados, cogumelos e fadas, pólen a cair das árvores, tinha imensa piada. Em vez de investirem em muitas bandas deviam investir só numa banda e alces verdadeiros. Não de cartão. Alces estrategicamente espalhados pelo recinto, bem como o tal pólen a cair das árvores e a inserção de pequenos cogumelos, podem ser comestíveis, tóxicos ou venenosos para ser tipo roleta russa. Estamos também à espera de nos divertirmos muito nessa noite, vamos manter-nos fiéis aquilo que somos. Procuraremos conquistar as pessoas que lá vão estar, com um bom espetáculo ao vivo.
MDX – Para terminar, qual é a tua música preferida dos Beatles?
PdT – A “Michelle”. Quando tinha 11 anos, metia em loop essa canção na aparelhagem quando me ia deitar. Depois acordava e a canção ainda estava a tocar. Essa canção é especial.
Os Capitães da Areia tocam amanhã, dia 4 de Setembro, no palco #IMF do Indie Music Fest pelas 21h30 e, pelo meio de Alces e coisas encantadas, irão certamente dar um bom concerto.
Mais informações sobre Os Capitães da Areia em:
Facebook Oficial – https://www.facebook.com/capitaesdaareia
Instagram Oficial – https://instagram.com/oscapitaesdaareia
Entrevista – Eliana Berto
Fotografia – Luis Sousa