Cenário idílico. Um parque verde bem no centro da cidade de Lisboa, Sábado de tarde soalheiro e para muitos a rentrée, embora ainda esteja por descortinar o verdadeiro sentido desta expressão quando a contemporaneidade se afirma como a era da flexibilidade laboral, mas também de horários e diversidade de gostos. Um fim-de-semana que promete ser dedicado à música electrónica e sobretudo com o desejo de no final se ver concretizada uma manhã prometida – a manhã de segunda-feira em que o mundo pode continuar a girar, não passa pela cabeça de nenhum dos presentes parar o movimento de rotação da terra, mas em que é concedido o direito de poder amolecer o corpo, desprender a alma à procura do ritmo que, no Lisb-on, nos fez agitar um pouco mais. Aspirações demasiados simples para tempos conturbados como este início de Setembro não só confirma, como anuncia. Mesmo quando Nicolas Jaar decide dar início ao set com uma versão de Os Vampiros de Zeca Afonso, à semelhança do que tinha acontecido no Lux com Gisela João, não se nota uma efervescência revolucionária desmedida – não se distribuem panfletos, não se pintam cartazes, nem se pega em megafones para preparar uma manifestação de apoio aos espoliados do BES – Novo Banco, dos que pagam a eletricidade mais cara da Europa, e com a sede da EDP ali bem em frente, ou reclamar de apólice de seguro de clausulas indecifráveis e draconianas. O máximo a que se assiste é a um aumento da intensidade da utilização dos telemóveis para armazenar registo. Os amanhãs que se cantam ficarão na outra margem, para a Quinta da Atalaia, para quando se dançar a Carvalhesa, entre uma bifana e outra.
O registo, mesmo com a confusão gerada por uma afluência de público em simultâneo na tarde de Sábado, é descontraído. Os gelados da moda lá estão, os copos de Gin em balão acompanham-nos e os bem bronzeados e melhor vestidos não faltam à chamada. Uma espécie de antecipação do Fashion Night Out e uma versão melhorada do Out – Jazz. Depois de uma seca mais ou menos prolongada de Festivais de Música Eletrónica em Lisboa, parece assistir-se a um ressurgir deste formato – a primeira edição do Picnik Electronik Lisboa, a segunda edição do Lisb-on ou a utilização de espaços conotados com outras sonoridades para acolher a festa de lançamento de novos projectos da área é fenómeno que se saúda e tendência que se deve prolongar. O Lisb-on é festival urbano e electrónico, talvez mais próximo, embora em menor escala, do extinto HypE@Meco – HypE@Tejo do que do Festival Número, que curiosamente ocupou o mesmo espaço há bem mais de uma década.
Por contingências várias, a programação deste ano centrou-se nos dj´s. Em comparação com o ano anterior faltou uma proposta de rock planante ou post rock submerso corporizado nos Sensible Soccers, por exemplo, uma ancoragem mais forte nas raízes históricas, com Roy Ayers ou propostas de maior risco como a de Rodrigo Leão com A Vida Secreta das Máquinas. Poderíamos acrescentar, e não nos querendo substituir aos programadores, propostas nas margens e mais desconhecidas como as apresentadas nos Jardins Efémeros ou dar ainda maior visibilidade a editoras como a Príncipe. Em conversa com a organização esta vontade está presente para a edição de 2016, já confirmada, não só por permitir apresentar toda a diversidade que se esconde sob a designação de Música Eletrónica, como poder ter o efeito de diluir a chegada de espetadores. Assim o ansiamos.
Fechando parêntesis, que como a música o loop vai longo, o grande destaque vai para Todd Terje. O norueguês é descontraído, quase infantil como as teclas que toca e com a mestria de fazer sorriso em cara alheia. Como se pegasse no Sebastião José de Carvalho e Melo, no Carlos Lopes e no rapaz do adeus colectivo e os conseguisse por a dançar em torno de um pão alentejano de quilo. Antes Jazzanova feat. Paul Randolph, dignos representantes da década de noventa. A fazer-nos lembrar concertos únicos, na dupla acepção da palavra (um e mágico) como o de Kruder & Dorfmeiters + Fila Brazilia debaixo da ponte e a relembrar que durante essa década “Portugal era o paraíso da música de dança”, como referiu António Cunha em artigo de Vítor Belanciano para o Público.
Love is on the air tema a pairar no final, como na edição do Forte do ano passado, não no dealbar do dia, mas numas bem mais quotidianas 23 horas de Domingo por Miachael Mayer, co fundador da editora Kompact. Os horários andam trocados, as confusões iniciais esquecidas, é tempo de ir buscar a última bebida aos pulinhos, encontrar o próximo dj auto-rádio ou um spot secreto para os últimos alongamentos. Love is on the air talvez tudo se resuma a isto. A vontade de repetir, com os amigos de sempre e os novos amigos, na bola de sabão que cada um lança ao ar.
Texto – João Castro
Fotografia – Rita Justino