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Patti Smith, A Estrela Azul

Muitos textos se têm escrito sobre a vida e a obra de Patrícia Lee Smith (Patti Smith), boa parte em forma de um arco-íris desfocado. Cabelos compridos, desgrenhados, num desalinho atento de quem tem mais que fazer que penteá-los. Andar calmo e sem pressa, numa certeza de quem caminha a sentir o ar que passa no meio da pelugem da pele fina, dos dedos compridos e delicados. Sorriso de uma vida vivida no limiar da resistência humana, por dedicação, por verdade, por acreditar que tudo faz sentido se for assim – uma entrega total à literatura, aos poetas, ao Rock n’ Roll. Patti Lee Smith nasceu em Chicago a 30 de Dezembro de 1946, numa noite de lua cheia.

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Fotografia de Jesse Ditmar

Arthur Rimbaud e Diego Rivera, dois dos nomes marcantes na adolescência de Patti Smith que acompanharam e determinaram toda a sua vida artística. O caminho romântico mas turbulento até Nova Iorque deixaram marcas de um passado de menina demasiado magra, demasiado consciente para cheiros fabris e crenças em deuses desconhecidos. Partia rumo ao centro do mundo, prometendo a Joana d’Arc que a sua morte não teria sido em vão. Cruzamento casual com uns olhos verdes envoltos em caracóis castanhos, que viriam a ser o seu complemento nos vinte anos seguintes, o artista plástico e fotógrafo Robert Michael Mapplethorpe (em 1967).

Numa cidade que transpirava criação artística por todos os cantos, Patti Smith instala-se no Hotel Chelsea, na Rua 23. Mais do que um local de residência artística, era uma espécie de catedral das liberdades de pensamento e de acolhimento de um clã de artistas que marcaram toda a história do Rock n´Roll. Lou Reed, Bob Dylan, Janis Joplin, Jimi Hendrix foram alguns dos nomes que por ali passaram e deixaram o seu crivo em Patti Smith. Durante alguns anos preparou a sua obra literária, envolta na dúvida e na incerteza, no receio de não corresponder à memória grandiosa das suas musas inspiradoras. O palco deixou de ser inibidor, e depois de ter representado em algumas peças de teatro (nomeadamente com o dramaturgo Sam Sheppard), sentiu que esse era um espaço onde se sentia inteira. Em Fevereiro de 1971, acompanhada pela guitarra de Lenny Kaye (guitarrista de sempre de The Patti Smith Group), declama pela primeira em vez em público na igreja de St. Marks (local de culto da poesia), e descola brilhantemente com “Cristo morreu pelos pecados de alguém…mas não pelos meus” (poema “Juramento”). A partir daqui, Patti Lee Smith cravou os seus poemas nas cordas das guitarras de Lenny, e doou a sua voz (ainda) aguda às causas maiores da Humanidade. Em Junho de 1974 grava um single em homenagem a Jimi Hendrix “Hey Joe”, com um lado B original “Piss Factory”, poema que Patti escreveu quando deixou o seu emprego numa fábrica onde trabalhara e foi para Nova Iorque. O lado B foi um sucesso.

A poesia sempre foi a sua base de criação, contudo as artes visuais como o desenho e a fotografia são também parte integrante da sua expressão artística. A 17 de Setembro de 1973 Patti Smith faz o lançamento do seu livro de poemas “Witt”, e simultaneamente a primeira exposição dos seus desenhos, que reconhecem alguma notoriedade no meio.

Juntam-se as teclas, a bateria e mais uma guitarra e um contrato assinado com a Arista Records. Em Setembro de 1975 os The Patti Smith Group voltam ao estúdio Electric Lady, para gravarem o primeiro e emblemático álbum Horses com produção de John Cale. Um ano depois a banda regressa ao estúdio e grava Radio Ethiopia, que fica marcado pela faixa que dá nome ao álbum, com 10 minutos de delírio punk-poético. A digressão europeia tem vários percalços, e a associação feita ao punk-rock deve-se à performance de Patti e Lenny em palco, que com a intensidade das letras levava o público ao histerismo hipnótico. É nesta altura que Patti tem uma queda do palco e parte algumas vertebras do pescoço, que a obrigou a ficar afastada dos palcos. Há quem diga que esta sua ausência foi determinante no seu afastamento da cena punk que se vivia nos EUA e na Europa (Londres principalmente).

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Fotografia de Robert Mapplethorpe

Easter 1978, num registo mais pop-rock de onde saí o hit comercial “Because the night”, escrito com Bruce Springteen e o tema “Rock’n Roll Niger”. O álbum valeu-lhe um Grammy de “Melhor Artista do Ano”. Entretanto conhece o futuro pai dos seus dois filhos, Fred ‘Sonic’ Smith, ex-guitarrista da conhecida banda de Detroit, os MC5. A partilha da paixão que tinham pela pela poesia, levou Patti aos subúrbios de Detroit. Ainda na década de 70 Patti Smith grava Wave (1979), que não teve tanto êxito como os seus álbuns anteriores, inclusive seria o álbum que anunciava o final da banda (Patti iria dedicar-se a outras causas mais pessoais, a família).

Quase uma década de cargas emocionais fortes, como a maternidade, do Jackson e da Jesse, e o acompanhamento dos últimos momentos de vida do seu eterno Robert (morre em 1989 vitima de doença terminal), levam-na a afastar-se dos palcos e dos estúdios de música. Dream of Life é lançado em 1988, e percebe-se que esta década foi marcada por um crescimento introspectivo. Apesar de se ter afastado dos palcos, continuou a escrever, a ler e a estudar sobre vários temas, nomeadamente arte, literatura japonesa e até desporto (o seu marido era um acérrimo seguidor dos campeonatos de Golfe). Um dos álbuns mais aclamados da crítica, Dream of Life está cheio de histórias profundamente biográficas, como “Jackson Song” dedicada ao seu filho, “Where duty calls” numa comunhão com Deus e “People have the power”, que despertou num grito de um sono tranquilo, “I awakened to the cry That the people / have the power To redeem / the work of fools”. Tema que mais tarde é bandeira de comícios do partido Democrata norte-americano.

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O ano de 1994 foi um ano de perdas para Patti, com as mortes inesperadas do seu marido Fred (Novembro) e do seu irmão Todd (Dezembro). Estas situações deixaram Patti emocionalmente muito vulnerável, pois na verdade tinha duas crianças para educar sozinha, ficando sem o seu companheiro de vida e de estrada, e sem o seu único e querido irmão. Bob Dylan surge novamente na sua vida, agora numa relação de “igual para igual”, e convida-a para o acompanhar na digressão de 1995, mas somente nos períodos escolares dos seus filhos, pois segundo ela “(…) A estrada não é um lugar recomendável para crianças mas o nosso estilo de vida é bastante compatível.” Patti Smith nunca estudou música, não sabe ler pautas e só consegue tocar 6 acordes na guitarra (o que seria se conseguisse mais!). A voz aguda de 1978 torna-se agora mais grave com a idade, e com a ajuda do seu marido, Fred Smith.

Antes de entrar novamente no Electric Lady em 1996 para a gravação de Gone Again, grava uma versão magnifica de “Don’t Smoke in Bed” de Nina Simone e (re)grava “Walkin Blind” para a banda sonora do filme “Dead Man Walking” de Tim Robbins. Gone Again é mais que um ressurgimento de Patti Smith, é uma contemplação à morte e aos seus mortos eternos, “Dead to the world”, “My Madrigal”, “About a boy” (homenagem a Kurt Cobain) e “Summer Cannibals” para muitos o melhor tema do álbum. Paralelamente, a poesia regurgitava na ponta da tinta permanente de Patti, “Wild Leaves” e “The Coral Sea” (1996). No mesmo ano, um dos seus poetas de referência, Allen Ginsberg (1926-1997) acompanha-a em várias das suas performances e faz “uma memorável apresentação” e recita vários poemas de Patti Smith, quando ambos participaram em público num evento de beneficência para a Jewel Heart (organização budista).

Peace and Noise (1997) traz um novo grito de Patti Smith à “alienação conformista” que se vivia na época, o tema “Dead City” é um desses exemplos. É um regresso à voz rockeira de Patti acompanhada pelos acordes da guitarra de Lenny Kaye e do novo guitarrista Oliver Ray. Contou com a participação de Michael Stipe (vocalista de R.E.M.) na faixa “Last Call” alusiva ao suicídio colectivo da seita Heavens Gate.

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Ano 2000, viragem do século, e Patti Smith é uma artista inteira – 53 anos de idade biológica e 25 de anos de liberdade artística, “like the freedom, of not having any labell at all”, 2011 “Outside society”. No mesmo ano lança o seu 8º álbum de originais, Gung Ho, para muitos o mais pop de toda a sua discografia. Uma retrospectiva histórica, essencialmente dos EUA, segundo a visão dos escravos. Tema como “Lo and Beholden” em que faz referência aos índios americanos (Batalha de Wounde Knee), ou “1959” dedicada à invasão chinesa no Tibete. Na capa do álbum uma polaróide a preto e branco do seu pai datada de 1942.

Patti Smith segue fiel às suas crenças e devoções, e apesar de todas as injustiças das sociedades (ocidentais e orientais, pois a sua paixão pelo oriente é cada vez mais visível) a sua ovação à Vida é permanente. Trampin (2004), mais uma vez as homenagens aos mortos, desta vez à sua mãe que tinha morrido em 2002. Como uma mulher de causas, no final de 2004 início de 2005 saí em campanha com o democrata Ralph Nader, e aparece nos seus comícios levantando a sua voz contra a guerra do Iraque.

Twelve (2007) é o seu penúltimo álbum de estúdio, com 12 covers, George Harrison, Bob Dylan, Mick Jagger ou Kurt Cubain são alguns dos músicos escolhidos. Conta com a participação dos seus filhos, Jackson na guitarra (“Whittin you without you”) e Jesse no coro (“Changing of the Guards”). Passado 5 anos Patti Smith lança o último álbum de originais até ao momento, Banga (2012). Os poemas surgem já numa voz melodiosamente madura, envolta em dedicações (delicadas) a pessoas que continuam a marcar a sua vida. “This is the girl” em memória a Amy Winehouse, “Nine” canção de aniversário para o seu amigo Jonhy Deep e com outro propósito mas a registar, “Fuji-san” tributo às vítimas do tsunami no Japão em 2011.

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Apesar dos seus trabalhos nas artes visuais (desenho e pintura) nunca terem sido o seu “sustento”, também tiveram palco como galerias e fundações, como Andy Warhol Museum (2002) e a Fondation Cartier por l’Art Contemporain de Paris (2008). A sua adoração por Paris, a devoção por Artur Rimbaud e toda a sua obra literária, foram o motivo mais que justo para que a Republica Francesa lhe atribuísse o título de Commandeur des Arts et des Lettres em 2005 (mais alta distinção nas artes), em 2007 integra o Rock and Roll Hall of Fame. O seu legado literário conta com mais de 20 livros, entre prosa e poesia, tendo recebido o prémio do National Book Awards o seu primeiro livro de prosa, Just Kids que conta a história da sua vida até 1989, ano da morte do seu “irmão espiritual”, Robert Mapplethorpe.

Acreditando que as noticias que circulam nos meios digitais são fidedignas, no próximo dia 6 de Outubro será lançado a 2ª parte de Just Kids, intitulado M-Train. E em registo cinematográfico, pelo canal de televisão Showtime, podemos aguardar a mini-série de Just Kids, em breve. Quanto a nós, Patti Smith actuou três vezes no nosso país, tendo sido a última no passado mês de Junho no Primavera Sound no Porto. A curiosidade por Lisboa parece já vir de muito longe, de recordações de criança e do seu pai. Os pescadores, o Fado e Fernando Pessoa fascinaram-na e inclusive uma fotografia que tirara a uma árvore (em forma de Y) no Castelo de S. Jorge a última vez que cá estivera, fora meticulosamente escolhida para última foto de um dos seus livros.

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A completar 69 (intensos e vividos) anos no próximo dia 30 de Dezembro, aguardamos expectantes a sua actuação no próximo dia 21 (2ª feira) no palco do Coliseu dos Recreios.

Discografía:
– 1975 Horses
– 1976 Radio Ethiopia
– 1978 Easter
– 1979 Wave
– 1988 Dream of Life
– 1996 Gone Again
– 1997 Peace And Noise
– 2000 Gung Ho
– 2004 Trampin’
– 2007 Twelve
– 2012 Banga

– Ao vivo Horses/Horses (2005, duplo)
– Patti Smith and her band: Trampin’ / Live aux Vieilles Charrues 2004 (2006, duplo) // Live in France [Festival des Vieilles Charrues, Carhaix-Plouguer, 24 jul 2004] (2011)
– The coral sea – Patti Smith, Kevin Shields (2008, duplo)
– Patti Smith – Easter rising – The Place, Eugene, Oregon, May 9th, 1978 (2011)
– Live in Germany 1979 [Essen, 21 abr] (2012, duplo)
– Dead city [Live at Bowery Ballroom, New York, 10 fev 2000 + Pistoia Blues Festival, jul 1999] (sem data)
– ColetâneasLand (1975–2002) (2002, duplo)
– Outside society (2011)
– OutrosHey Joe / Radio Ethiopia (1977)
– Set free (1978)
– The Patti Smith masters (1996)
– iTunes Originals (2008)

Livros e desenhos:
– SMITH, Patti. Seventh heaven. Boston MA: Telegraph Books, 1972.
– SMITH, Patti. A useless death. NYC: Gotham Book Mart, 1972.
– SMITH, Patti. Kodak. Philadelphia PA: Middle Earth Press, 1972.
– SMITH, Patti. Early morning dream. 1972.
– SMITH, Patti. Witt. NYC: Gotham Book Mart, 1973. // Witt (Chiste). Lisboa: Assírio e Alvim, 1983. (Rei Lagarto, 5) Edição bilíngue português-inglês. Tradução: Alexandre Vargas.
– SMITH, Patti. Babel. NYC: G.P. Putnam’s Sons, 1974 + 1978. // Babel. Barcelona: Anagrama, nov 1979. (Contraseñas, 20) Tradução: Antonio Escohotado.
– SMITH, Patti; VERLAINE, Tom. The night. London: Aloes Books, 1976.
– SHEPARD, Sam. Angel City & other plays. NYC: Urizen Books, 1976. Inclui com Patti Smith: Cowboy Mouth; The Rock Garden. E o poema de PS: Sam Shepard: 9 Random Years [7 + 2].
– SMITH, Patti. Ha! Ha! Houdini!. NYC: Gotham Book Mart & Gallery, 1977.
– Patti Smith – Gallerie Veith Turske. Köln, West Germany: Galerie Veith Turske, 1977.
– SHEPARD, Sam. Fool for love and other plays. Toronto, NYC: Bantam, 1984. Inclui com Patti Smith: Cowboy Mouth; Action; Suicide in B Flat; Seduced; Geography of a Horse Dreamer.
– SMITH, Patti. Woolgathering. NYC, Madras, India: Hanuman Books, 1992.
– SMITH, Patti. Early work, 1970-1979. NYC: W. W. Norton & Company, 1994. // Un fuego de origen desconocido. Madrid: Celeste, 1996. Tradução: Alberto Manzano. // Corps de plane – Écrits 1970-1979. Tristram, out 1998.
– SMITH, Patti. The coral sea. NYC: W. W. Norton, 1996. // La mer de corail. Tristram, jan 1996. // El mar de coral. Barcelona: Editorial Lumen, maio 2012. Tradução: Rosa Perez Perez.
– Patti Smith complete: lyrics, reflections & notes for the future. NYC: Doubleday, 1998. // Patti Smith complete: lyrics, notes and reflections. NYC: Anchor Books, 1999. // Patti Smith complete, 1975-2006: lyrics, reflections & notes for the future. ed.rev.ampl. NYC: Harper, 2006. // London: Bloomsbury, 2006.
– Strange messenger – The work of Patti Smith. Pittsburgh: Andy Warhol Museum, 2003.
– SMITH, Patti. Auguries of innocence – Poems. NYC: Harper Collins Publishers, 2005. // Présages d’innocence – Poèmes. Bourgois, abr 2007.
– SMITH, Patti. Land 250. Paris: Fondation Cartier pour l’art contemporain, 2008.
– SMITH, Patti. Trois. Paris: Actes Sud-Fondation Cartier pour l’art contemporain, mar 2008. Três livros: Charleville + Statues + Cahier.
– SMITH, Patti. Poesia. Alava: Bassarai Ediciones, nov 2008. (Colección Bassarai Arte / Apuntes de Estética ARTIUM, 6) Seleção: Benjamín Prado. Edição trilíngue castelhano-euskarazko-inglês.
– SMITH, Patti. Just kids. Ecco Press, 2010. // Só garotos. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. Tradução: Alexandre Barbosa de Souza. // Éramos unos niños. Barcelona: Editorial Lumen, jun 2010. Tradução: Rosa Perez Perez. // Apenas miúdos. Lisboa: Quetzal, 2011.

Fotografia:
– STIPE, Michael (fotos). Two times intro: on the road with Patti Smith. NYC: Little Brown / Ray Gun Press, 1998. (2.ed. Akashic Books, 2011.) Fotografias adicionais: Oliver Ray. Textos: William S. Burroughs, Michael Stipe, Oliver Ray, Jutta Koether, Tom Verlaine, Thurston Moore, Jem Cohen, Lisa Robinson, Lenny Kaye, Kim Gordon, Frances Yauch, Patti Smith.
– SEBRING, Steven. Patti Smith – Dream of life. NYC: Rizzoli International Publications, 2008.
– TORRE, Fabio (fotos). Patti Smith, simply a concert. Grafiche Damiani, out 2009.
– LINN, Judy (fotos). Patti Smith 1969-1976. NYC: Harry N. Abrams Inc., 2011.

Texto – Carla Sancho
Fotografia (Capa) – Steven Sebring