Depois de um fim-de-semana a ouvir em loop o Auto Rádio, primeiro disco do Benjamim, nada melhor do que conversar com ele próprio, enquanto Luís Nunes e saber como é que correu esta viagem por Portugal, um intrarail com muitos episódios e histórias para contar. O Volkswagen que acompanhou esta viagem toda, está bem melhor que a marca alemã e vai parar na Galeria Zé dos Bois, no próximo sábado. O que fica aqui é uma conversa fixolas, que era suposto ser uma entrevista, ao final da tarde.
Música em DX – Tu, no Auto Rádio, falas do Sporting. É este o nosso ano?
Benjamim – [Risos] Epá, não sei. Já estive mais crente. [Risos] Aliás, nessa música, a descrença é tal que, a frase ganhar ou perder apareceu depois do jogo. Quando estava a escrever essa canção, o Sporting ia jogar nesse dia. E pensei, ok, vou esperar pelo final do resultado, para decidir como é que a canção segue.
Música em DX – Vá lá que correu bem.
Benjamim – Correu bem, correu bem. Ganhou 1-0. És a primeira pessoa que faz essa pergunta. Bom começo.
Música em DX – E como é que foi esta viagem por Portugal, dos 33 concertos em 33 lugares?
Benjamim – O Gonçalo [Pôla], que está aqui, também sabe que é um massacre do caraças, em certo sentido, porque obviamente, porque estás 33 dias no carro, muito calor… Apanhámos aquela vaga de calor, que depois não apanhei quando tive uma semana de férias, portanto, o bom tempo foi quando estivemos no carro. Sempre a carregar material todos os dias, foi muito duro. Mas opá, foi “muita” duro, mas também foi “muita” bom.
Música em DX – Então pode-se dizer que tiveste alguma desilusão na viagem?
Benjamim – Não me desiludiu, de todo. Todas as dificuldades pelas quais passámos, foram antecipadas. Aquilo foi meio desorganizado da minha parte, mas eu preparei-me… aliás, todos nós preparámos psicologicamente para o calor, para o material, para os 33 dias. Pá, quatro gajos, juntos, 24 horas por dia. Nós, praticamente, dormimos no mesmo quarto muitas vezes. Acho que nunca tive num quarto sozinho nesta tour. Não… Tive um dia! Barão de S. João. Portanto, esperava que andássemos um dia à porrada, mas não andámos. Esperava que nos chateássemos, mas não chateámos. Claro houve um ou dois momentos de tensão, mas foram um bocado ridículos, foram cenas estúpidas, mas que nem sequer é tensão sequer para que haja um conflito. E foi só uma vez, aliás! Pá, foi muito divertido!
Música em DX – Não tinhas visitado antes todos estes lugares?
Benjamim – Não, não…
Música em DX – Então qual foi a terriola, ou sítio onde estiveste, que te deixou mais espantado?
Benjamim – É difícil responder a isso, depende do que estás a pensar. Porque a cena é, todos os sítios me espantaram. Os que me espantaram mais foram aqueles concertos que esperava que não rendessem em termos de público, mesmo sítios que sabia que iam ter muita gente, porque eram festas que já tinham muita gente independente de quem lá esteja. Mas é a cena de render em termos de público, e passar uma cena ao público, e nesse sentido o Luso foi mais surpreendente. Porque eu fiquei nervoso antes do concerto. Não estava uma multidão, mas estava muito fixe. Tocámos na rua, e estava muito nervoso e senti que aquilo era ou pessoal de férias que não está naquela onda ou pessoas mais velhas. Mas tanto as pessoas de férias como as mais velhas foram uma surpresa enorme. Mas tocámos muito bem, acho eu. Acho que foi o concerto em que nós, o som, a maneira como tocámos, dos melhores.
Música em DX – Também o estilo do álbum é um pouco “manta de retalhos” ou “várias partes que fazem um todo maior”. Assim conseguem chegar a vários estilos de pessoas.
Benjamim – Sim, é como costumo chamar ao disco, um disco esquizofrénico. Porque o disco é uma viagem. É a minha tentativa de escrever canções em português. Portanto, não é uma coisa demasiado coerente. E, então aproveitei, já que estou a experimentar com as letras, também vou experimentar com os sons e fazer uma cena diferente. Se calhar, foi um pouco na defesa, se as palavras não forem assim tão boas… porque é aquela vergonha. De repente entendem o que estás a dizer. É um pouco atirar areia para os olhos! [risos] Mas eu acho que esse lado foi meio consciente, meio inconsciente.
Música em DX – Já não sei onde li, mas vi que a decisão de fazer esta viagem foi um pouco “no calor da noite”.
Benjamim – Sim, foi com este homem, o Gonçalo Pôla [que acompanhou-nos nesta entrevista e tirou fotos, de certeza, incríveis].
Música em DX – E voltavas a fazer esta tour?
Benjamim – Claro, na boa. Na boa.
Música em DX – Já tinhas a necessidade de fazer uma viagem assim? Um intrarail?
Benjamim – Já, já. Eu adoro viajar. Eu fiz uma viagem, a viagem mais marcante que fiz, foi quando fui para Londres, quando eu mudei para Lisboa, agarrei numa carrinha e fui para Londres, de volta para ir buscar as tralhas todas. E essa viagem marcou-me muito. E acho que isso é o início do Auto Rádio. Com essa viagem que se materializa nesta viagem nós fizemos agora. E acho que esta viagem por Portugal, vai buscar muito as minhas saudades a minha viagem para Londres, que foi incrível, e também, montes de vezes, quando vamos tocar no fim-de-semana, e tocas dois, três dias de seguida, ficamos a pensar, “ficava mais uma semana a curtir a estrada, ficava para ver quando a estrada nos levava de novo a casa. Que parássemos naquela terra e ficássemos a tocar à noite e amanhã outra vez”. Os americanos estão sempre a tocar, e isso nota-se pela música deles. O domínio dos instrumentos, da linguagem. Isso nota-se porque estão sempre a tocar, são músicos muito rodados. Os portugueses… pá, obviamente que há músicos muito rodados em Portugal, mas é muito mais raro, que na América.
Música em DX – Mas cá tens o circuito mais fechado.
Benjamim – Pois tá. Aliás, não sei. Toquei em sítios que…
Música em DX – Se calhar, vendo bem o que vocês fizeram…
Benjamim – Quando pensámos esta tour, verdade que era no calor da noite, mas depois quando a pensei mais sério, quando a reflecti e começámos a marcar coisas, pensei: “ya, isto é uma maneira de ver que as coisas não estão assim tão fechadas”. Tu fazes o circuito que quiseres, e as bandas têm de fazer o seu público. Não tou à espera que venha um jornal ou quer que seja fazer o meu público. Claro que ajuda e isso é uma cena importante, mas tenho a obrigação de fazer, esteja lá onde estiver. E agora que canto em português, que cantando em inglês, não passava isso pela cabeça. Tinha na consciência que as pessoas não vão perceber as coisas. As pessoas podem perceber as coisas, mas não é directo. Não percebem tudo o que estou a dizer. Obviamente, nem eu percebo. Se eu for ver uma banda em português ou uma banda estrangeira, eu percebo a banda portuguesa muito melhor. Quando a coisa te bate, bate-te até o coração muito forte. Eu sempre tive essa pena, quando ia ver um Sérgio Godinho ou um Jorge Palma, e ver um concerto desses, ficava completamente arrebatado pela música deles. E eu sabia que a minha música não poderia causar esse efeito nas pessoas.
Música em DX – Há mais tempo, falava-se com maior afinco e a luta entre cantar em português e cantar em inglês. Mas isso já não tá tão presente.
Benjamim – Não, porque o português ganhou. E acho que o português ganhou claramente. E ainda bem. Mas, essa discussão é um bocado pateta, a língua é uma coisa estética. Mas é uma discussão pateta porque a conversa quase que vai para sentidos um pouco nacionalistas, que tenho um pouco de dificuldades em entender essa postura. Depois…
Aparece o empregado, com tostas para a malta. Aqui está a cabra…
Benjamim – Hehehe, esta é a cabra.
Gonçalo – Calma, esta é mozzarella… e esta é a tua. Olha, és servido?
Música em DX – Estou bem, obrigado.
Benjamim – Mas estávamos a falar?
Música em DX – Das discussões patetas do inglês e português.
Benjamim – A discussões passaram para o lado dos músicos, o que é uma cena grave. O estigma de cantar em inglês ou em português. As bandas e os músicos fazem aquilo que lhes apetece! E tu crias aquilo que te apetece. Tu não tens de estar a receber lições de outra pessoa, sobre como deves cantar, ou que acordes que vais utilizar. As pessoas não gostam, não ouvem. Tão simples quanto isto. Tentar criar uma cena artificial. Mas isto também tem a ver com as quotas da rádio, tem a ver com muitas outras coisas que estão ultrapassadas, felizmente. Mas estão ultrapassadas porque o paradigma mudou. E porque a música é que mudou, e isso é o importante. A mudança orgânica dos músicos e da cena musical se desenvolver naturalmente.
Música em DX – Com esta viagem, e a tua para Londres e toda a tua vivência, sentes-te algo desiludido com o rumo das coisas em Portugal?
Benjamim – Não estou desiludido pela viagem. Estou desiludido enquanto português. O problema é que sinto é que nas sondagens, as pessoas não estão. Estou muito desiludido com Portugal, mas sou super positivo, atenção. Digo que estou desiludido mas contra toda a desilusão e conselhos que me deram, voltei a Portugal. Aquilo em que eu acredito, é que Portugal é tudo o que tu fazes de Portugal. Não são só os políticos, não são só os partidos, os governos. São as pessoas. Tu é que tens de fazer o país. Faz-me confusão, quando as pessoas estão desiludidas, que estamos no mesmo, e ficam deprimidas, mas não fazem nada. Mas não pode ser. Agora está a mudar. Eu senti mais isso em 2012, no pico da crise, quando estava em Londres. Era muito duro ler as notícias. Isto é um PAÍS DO CA-RA-ÇAS, e isto foi o país que descobri esta viagem.
Música em DX – É aquela cena de estar lá fora e ajudar a perceber as coisas boas que temos cá dentro.
Benjamim – Sim, claro que sim. Coisas boas e más. Mas consegues valorizar naturalmente determinadas cenas. O pessoal não valoriza o facto de estarmos a comer esta tosta e não estarmos a pagar 10 libras. Isto é um exemplo económico muito pequeno, mas que faz toda a diferença na tua vida. Se tu fores um gajo que não ganha muito dinheiro, mas que tenhas um ordenado um bocado baixo, tu consegues usufruir da tua cidade, apesar de tudo, das pequenas coisas. Numa cidade como Londres, não consegues. Numa cidade como Londres, vais comer uma tosta fora? Não, vais para casa comer o que tens no frigorífico, porque não tens aquele dinheiro. Pagas muito. E isto reflecte-se em tudo. Não comes uma tosta assim. Não vais a um tasco, não vais aquele restaurante no meio do Alentejo e comes incrivelmente bem e pagas pouco. A vida é isto. O que é a vida? É teres dinheiro para te sustentares, a tua família, é comer e isso é a base da nossa sociedade.
Música em DX – Uma última pergunta. Por causa da crise na Volkswagen, o teu está nos conformes?
Benjamim – Não, emite mais do que devia. Mas vou ter de trocar de embraiagem e umas cenas, mas o gajo sobreviveu. Ainda não o lavei, nem o limpei desde da tour. É um nojo, mas o carro está impecável. Vai ter de ir ao mecânico. Mas para o que sofreu… Meu Deus.
Entrevista por – Carlos Sousa Vieira
Fotografia – Rita Justino