O problema dos refugiados não é de hoje. Desde o Sudão ao Kosovo, da Eritreia à Síria – isto falando apenas de alguns casos mais recentes -, este é um problema que existe há muito tempo, mas que ganhou particular atenção mediática desde a Guerra na Síria. Se por um lado esta atenção mediática alertou para a gravidade do problema, por outro também demonstrou a indiferença que ainda existe, assim como fez surgir ondas de racismo e de xenofobia.
O Refugees Welcome – Benefit Fest teve o objectivo de combater essa indiferença, e de alertar para a importância de, cada um de nós, ajudar num assunto que diz respeito a toda a humanidade. Um problema que ultrapassa barreiras de religião, cor da pele, ou qualquer outra característica. Num evento que contou com bandas desde o Punk ao Hip-Hop, do Rock ao Hardcore, o Musicbox falou a uma só voz. Concertos de 25 minutos para cada banda, onde o importante era passar a mensagem.
A tarde começou com os F.P.M. Apesar de ainda estarem algo presos em palco, a banda de hardcore lisboeta foi crescendo ao longo do concerto. À medida que o Musicbox ia ficando bem composto, deixaram a sua marca no evento com o seu hardcore musculado, numa actuação onde as pausas foram aproveitadas para para reforçar a importância deste evento e da causa que lhe estava subjacente. Destaque ainda para a presença de João Quadros dos Shape numa cover de Sick of It All.
Foram precisamente os Shape a banda seguinte. A banda lançou este ano o seu primeiro álbum, Crossing Roads, e foi nesse trabalho que focaram grande parte da sua actuação. Apesar da ausência de um dos guitarristas, deram um concerto com a qualidade e intensidade do costume. Com um frontman muito comunicativo, meteram a sala a mexer, surpreendendo com a excelente The Machinist, cover de Have Heart. Para o final, as clássicas Life´s Hard e W.Y.L.D, com muito sing-along à mistura.
Os Artigo 21, apesar de apenas terem três anos de existência enquanto banda, vêm ganhando importância dentro do movimento Punk Rock cantado em português. Se por um lado a sua sonoridade não é propriamente inovadora dentro do género, também não deixa de ser verdade que a forma como interpretaram os temas do seu álbum homónimo de estreia demonstra uma enorme consistência. Concerto com melodia e alguma agressividade, deixando excelente indicações.
Tempo para deixar de parte o peso e a distorção, e apareceu em palco XGAEX, projecto de Hip-Hop com uma componente Vegan e Straight Edge. Com temáticas que vão muito ao encontro a ideais do Punk/Hardcore, os beats e o rap deste projecto estão carregados de uma mensagem anti-capitalista e anti-racista, com uma forte crítica social e política. Mesmo com uma sonoridade muito diferente das restantes bandas, o Hip-Hop marcou a sua posição no evento, e nem por um segundo pareceu deslocado.
Em tempos foram das bandas mais importantes do Punk/Rock mais melódico em Portugal. Depois de se terem separado há alguns anos, este evento foi a ocasião perfeita para um reunion show dos Easyway. Revisitando temas de Forever in a Day e Can You Keep a Secret?, passando ainda pelo último álbum Laudamus Vita, a banda demonstrou estar em excelente forma, com uma enorme coesão e presença em palco. Uma banda que deixa saudades, e de quem se espera um regresso definitivo, que faz falta.
Seguiram-se os Viralata. Banda com ex-membros dos emblemáticos K2o3, que veio dar uma nova vida ao Punk Rock em Portugal. Já com dois álbuns de originais na bagagem, Vai Buscar e Doa a quem doer, deram um excelente concerto, com muita atitude e boa disposição. Nem um problema técnico com a guitarra de Ulisses Silva comprometeu uma actuação muito bem conseguida, onde temas como E vai um copo ou Estamos juntos são exemplos perfeitos da satisfação que era visível no público.
A fechar a tarde, estiveram os For the Glory, uma das bandas de referência do Hardcore nacional (e não só). A abrir com a clássica Fall in Disgrace, deixaram a sala em apoteose, com stage dives e sing-alongs aos molhos. Fiéis a si próprios, pela voz de Ricardo Dias reforçaram a importância da mensagem do evento e, com a qualidade do costume, deram um concerto com tudo o que está subjacente ao Punk/Hardcore. Foi com Survival of the Fittest que terminaram em grande esta tarde especial.
De destacar ainda a presença – entre concertos – dos oradores Rodrigo Rivera, do SOS Racismo, e Shahdi Wadi, do Comité de Solidariedade com a Palestina. Se o primeiro alertou para a importância do problema dos refugiados, assim como para o perigo das ondas de racismo e xenofobia, a segunda, filha ela própria de refugiados, realçou as consequências da guerra nos diversos países de origem, destacando a forma como a guerra acaba com o sonho dos músicos, que se vêem privados de fazer aquilo que mais gostam, tocar.
Num evento onde se pretendia mais do que celebrar géneros musicais, bandas, organização e público estiveram unidos por uma causa: ajudar e alertar para a importância da questão dos refugiados. Com uma sala praticamente esgotada (298 entradas das 300 possíveis, fora bandas e staff) cumpriram-se as expectativas e foi possível reunir uma boa verba (1400 € segundo a organização) para a Plataforma de Apoio ao Refugiado. Puseram-se de parte géneros musicais e diferenças, e combateu-se a indiferença. Uma atitude importante, e que agora continua no dia-a-dia. Porque como diziam os X-Acto “sei que não vamos descansar, enquanto o sol não brilhar”.
Texto – Pedro Reis
Fotografia – Valentina Ernö (Silvana Delgado)