Tanto os quiseram cá que acabaram mesmo por vir. Enquanto o Papa Francisco ainda pondera vir a Portugal em 2017, o Papa Emeritus III e seus acólitos malignos adiantaram-se e 2015 foi mesmo o ano que viu os Ghost chegar a terras lusas. O conjunto sueco pareceu vir com a máxima Veni, Vidi, Vici bem presente e, com pompa e circunstância, desafiou a lotação de um Paradise Garage tornado local de culto para receber a palavra do profano papado e deu um concerto portentoso, imaculadamente conduzido pelo mestre-de-cerimónias que é Emeritus.
Antes de mais nada, um esclarecimento. Nos últimos anos tem-se assistido a uma enorme vaga de bandas interessadas em desencantar os empoeirados álbuns dos anos 60 e 70 para tocar rock revivalista, psicadélico, oculto ou uma combinação dos três, sendo exemplos The Devil’s Blood ou Blood Ceremony. Quer queiramos ou não, o universo do Rock/Metal é tão propenso a modas e vagas como qualquer outro, e por isso, por partilharem referências e temáticas, os Ghost têm sido erradamente incluídos neste lote e até injustamente acusados de estarem a aproveitar-se da onda de popularidade do género.
Ao contrário das outras bandas, os Ghost estão nesta cena do Rock oculto mais pela teatralidade kitsch, aliada a algum sentido de humor, e pela vontade de escrever temas orelhudos do que pela espiritualidade da coisa. Doutra forma não teriam dotado o seu som, um casamento entre Blue Oyster Cult e King Diamond, de roupagens progressivamente mais coloridas, ora mais 70’s rock ora mais pop, que os afastaria dos ouvidos puristas para junto de um público mais generalista assim como não lançariam EPs com covers de ABBA e Army of Lovers como que justificar a ligeireza do seu propósito. Seja como for, estavam reunidas todas as condições para estar criado aquele ambiente de concerto grande e assim foi ao longo de hora e meia.
Com um alinhamento centrado no seu recém-lançado Meliora, foi justamente com Spirit e From the Pinnacle to the Pit que o conjunto deu início ao sermão, recebido com enfático entusiasmo pelo fiel rebanho. Este, de resto, deu a entender desde bem cedo que tinha os salmos maldosos todos na ponta da língua e que a recepção aos suecos não seria senão fervorosa. Não foi caso para menos, já que a banda provou que é possível ter bom som no Paradise Garage, onde a força do baixo e a clareza das teclas impulsionou em grande medida uma performance excelente por si só. Fora as muito bem-vindas incursões a Ritual e Con Clavi con Dio, todo o concerto se centrou no material mais recente da banda, com Year Zero, Cirice e Ghuleh/Zombie Queen a destacarem-se pelos seus pulsantes ritmos, melodias malevolamente irresistíveis e refrões inescapáveis.
Espectáculo dentro do espetáculo, Papa Emeritus III, apoiado por uma competente banda, foi o claro foco da noite. Não é que a sua entrega vocal seja particularmente talentosa, mas o vocalista mostrou ser um comunicador exímio, capaz de juntar ao seu discurso teatral e ensaiado uma desarmante veia humorística. Tal ficou patente tanto no seu pedido à fila da frente para não apalpar, por razões legais, as figurantes vestidas de freiras como quando comparou o tema final, Monstrance Clock, a um orgasmo: um desfecho previsível, inevitável até, mas sempre prazeroso.
Mesmo antes de tão climático fim, ainda teríamos direito à curiosa versão de If You Have Ghosts, original de Rory Erikson, que novamente revelou a predileção dos Ghost pela faceta mais açucarada do rock clássico. Tal ecleticismo, aliás, já tinha sido evidenciado no início da noite, com os companheiros Dead Soul a abrirem o apetite com uma interessante demonstração de Blues arrastados em batidas industriais e envoltos em texturas electrónicas. Não pareciam resultar na teoria mas foram uma agradável surpresa. Tal como os Ghost.
Texto – António Moura dos Santos
Fotografia – Nuno Cruz
Promotor – Prime Artists