Chegamos ao RCA Club e deparamo-nos com um aglomerado de gente à porta. A boa disposição não era apenas partilhada em português, com o espanhol também a ser bastante ouvido. Assim que entramos na sala, é visível a um canto um número considerável de sacos cheios de fraldas, comida, amaciadores e outros bens essenciais. Para além de um excelente cartaz para uma noite de música pesada, existia também um objectivo por trás – recolher bens para serem distribuídos para a Ajuda de Berço, uma associação que ajuda crianças dos 0 aos 3 anos a terem um presente digno e feliz enquanto esperam por um bom futuro.
Tendo em conta a quantidade de pessoas que se iam juntando à porta do RCA, era expectável uma grande noite, com uma grande afluência. Assim que os Sarna começaram o seu concerto a sala foi ganhando forma, indo ao encontro dos apelos que as bandas foram fazendo nas últimas semanas – encher o RCA e recolher o máximo de bens possíveis. A banda de Leiria tocou num ambiente familiar e festivo, fazendo reinar a boa disposição. Entre temas recentes e outros que já carregam consigo quase 20 anos, foram fiéis a si próprios, com a entrega e energia que lhe são reconhecidas. Desta vez não houve cover Ratos de Porão, mas houve de Misfits – “I turned in to a martian”. A terminar, pedindo que cada um soltasse a raiva que tem dentro de si, viram-se os primeiros movimentos no moshpit.
Para os apologistas de que o thrash metal está morto, chegaram de seguida os Terror Empire, mostrando que o género em Portugal está vivo e recomenda-se. Em apresentação do recente The Empire Strikes Back demonstraram o porquê de o álbum ter sido tão elogiado, e é expectável que temas como The Route of the Damned deixem a sua marca no thrash metal nacional. Participação especial ainda de Marco Fresco, vocalista dos Tales For the Unspoken e de Ricardo Dias, vocalista dos For The Glory, a complementar um concerto coeso e seguro de uma banda que regista um crescimento assinalável.
A presença de For The Glory entre bandas de Metal não é novidade. Em entrevista ao Música em Dx recentemente, o Ricardo Dias dizia que é importante que as bandas de hardcore saiam do casulo e cheguem a outros géneros. Os quarenta minutos de que a banda dispôs vieram comprovar (existiam dúvidas?) de que hardcore e metal podem, e se calhar deveriam mais vezes, andar de mão dada. Os stage dives foram como é costume e os sing alongs constantes, porque o hardcore é para ser cantado ou gritado, isso vai na alma de cada um. Com uma setlist que revisitou a discografia da banda, deram mais um concerto com a qualidade do costume. Temas como Dark Times, Fall in Disgrace ou Survival of the Fittest demonstraram a intensidade e alegria contagiantes que a banda tem ao tocar ao vivo, confirmando o bom momento que atravessam.
A tarefa de terminar a noite coube aos Switchtense, tarefa bem entregue como é habitual. Hugo Andrade, vocalista, afirmou que a banda toca onde se sente bem, independentemente da dimensão do concerto. Talvez seja este espírito de entrega e de humildade que faz com os Switchtense sejam, actualmente, umas melhores bandas de metal a tocar ao vivo em Portugal. Músicas como Unbreakable ou Into the words of chaos são sinónimo de festa e apoteose, e basta olhar em redor para ver como é difícil ficar indiferente à energia contagiante da banda da Moita. Ricardo Dias dos For The Glory foi novamente chamado ao palco, desta feita para o tema I will stand stronger, em mais um acto simbólico de união entre metal e hardcore. This is only the beggining fechou a noite.
À saída, era visível o número considerável de sacos com bens essenciais para serem doados à Ajuda de Berço. As expectativas foram cumpridas. Um ambiente positivo e de boa disposição, aliado ao cansaço resultante da intensidade dos concertos, fazia-se sentir entre as pessoas que iam abandonando o RCA Club. Festejou-se a música pesada, promoveu-se a solidariedade. Porque música e causas importantes devem estar em sintonia.
Texto – Pedro Reis
Fotografia – Valentina Ernö (Silvana Delgado)