Se há coisa que os Orelha Negra não são é mentirosos. Feita a promessa de que o CCB iria saborear um trabalho da mesma casta que os anteriores, o quinteto trouxe uma rica dose de música inédita a um Grande Auditório que se renderia à primeira nota. Não houve aventuras nem grandes desvios da sua fórmula, a máxima manteve-se: é só tocar mais e melhor.
Admitamos, é preciso tê-los no sítio para uma apresentação destas. Uma coisa é por o álbum a circular uns dias, talvez semanas antes, para o ouvido tomar o gosto e depois dar um concerto. Outra é apresentá-lo pela primeira vez perante uma sala que para esgotar apenas foi necessária a menção de que o quinteto voltaria aos álbuns. Aliás, reiteremos, mais do que coragem, o que os Orelha Negra têm é plena noção do que estão a fazer e sabem que o fazem bem.
Ante uma tela opaca, a banda começa a soltar um Soul em lume brando, daqueles para ouvir de madrugada, enquanto o jogo de sombras enaltece o momento evocativo. De repente, o pé é colocado no acelerador e praticamente não mais sairia daí até ao fim. Sobe a tela e da névoa surgem Hip-Hop e Funk, tão devedor à Motown e ao P-Funk quanto às encarnações tropicais do país irmão, juntos numa sonoridade que a banda tão bem sabe criar. Mas os Orelha Negra não se ficam por aqui. Sam the Kid e DJ Cruzfader desencantam e manipulam variadas samples, sejam vozes gospel dramáticas, uma flauta tímida, secções de sopro, saxofone ou alguém a cantar sob a égide de um vocoder brincalhão, a puxar para a Disco. Tudo isto enquanto Fred Ferreira mostra a sua versatilidade atrás do kit, Francisco Rebelo saca linhas baixo contagiantes e João Gomes preenche os espaços com teclas ora mais soturnas ora mais cintilantes.
Mestres na capacidade em pegar na complexidade instrumental e torná-la num simples deleite auditivo, os Orelha Negra tanto apelam a quem está a contar os compassos como a quem só quer sentir o groove. Entre músicas ouviu-se várias samples a puxar pelo público, se bem que isso não era necessário. Os Orelha Negra não precisam de um hype man, a excitação era tal que o público só se manteve sentado mais de uma hora porque nestas salas é de mau tom levantar-se e abanar a anca.
Fútil seria o esforço de tentar descrever em detalhe músicas que se ouviu pela primeira vez numa fugaz passagem. Resta notar que o quinteto não deixou de parte algumas influências incontornáveis, com as vozes de Havok e Prodigy (dos Mobb Deep), assim como de Notorious B.I.G a aparecerem para o gáudio dos fãs mais afectos ao Hip-Hop. Contudo, as referências da cultura popular não ficariam por aqui. Bitch Don’t Kill My Vibe de Kendrick Lamar e a (infelizmente) omnipresente Hotline Bling mereceram também passagens breves.
Nem só de músicas novas se faria a noite. A banda guardou alguns dos seus temas mais marcantes para um encore que apenas pecou por significar o fim do concerto. Primeiro, 961919169 puxaria pela nostalgia com o seu sample de cordas em vai e vem e com um ritmo em constante dinamismo. Depois Throwback faria jus ao seu nome e por fim M.I.R.I.A.M selaria a noite em lânguida e sensual locomoção. Uma certeza ficou a pairar no CCB após a poeira assentar, venha o álbum.
Texto – António Moura dos Santos
Fotografia – Rita Justino
Promotor – CCBeat