O ténue momento em que uma plateia esgotada fica em silêncio. Um pedido, quem sabe retirado do fundo do poço, chega cansado – “Toca esta música”, diz. Reconhecendo-lhe o esforço e, apesar de o ter escutado como finas palavras atiradas ao ar, Kristian Matsson, de camisa e calças pretas, slim, porque todos reconhecemos o poder da imagem, salta do palco, avança freneticamente sobre as quatro primeiras filas e interpela-a – “Desculpa não percebi”. Ainda atemorizada pela audácia do pedido e pela proximidade do músico, segreda – “Gostava que tocasses esta”. Com a mesma agilidade, dois ou três passos e de volta ao palco, responde – “Vou tentar”. A interpretação foi tudo menos brilhante. O imprevisto da situação e o erro assumido ao longo de um tema tocado a retalho e não terminado fizeram destes três minutos, o instantâneo a recordar do concerto de The Tallest Man on Earth, no passado Sábado na Aula Magna. Aquela canção, juntamente, com outras duas ou três, onde a luz foi pouco mais do que vela a sugar pavio, foi o que se salvou da noite. E a noite é silêncio, contemplação. O céu depois das dez é infinitamente maior. Por as estrelas estarem distantes?
O resto foi confusão, cacofonia e desrespeito. “Festa é festa”, “Porto, Porto”, “Toca o homem do Leme” expressões atiradas a destempo, descabidas e desprovidas de qualquer sentido de oportunidade. Aconselha-se relutância q.b. aquando da descrição dos comportamentos de massas, no fundo, a máxima cada um é livre de se expressar da forma como entende é uma das garantias para sustentar o sentido de tolerância. Temo-lo, mesmo com as mais diversas nuances, como garantido e assim gostamos de o manter, mas quando o mesmo prejudica um concerto e até certo ponto causa visível incomodo ao artista, talvez seja oportuno dedicarmo-nos a tentar perceber o que leva a estas constantes manifestações de um fenómeno que poderíamos de apelidar da monocultura do tédio. O telemóvel reiteradamente em modo on para a fotografia, o falar para o colega do lado sem sequer ter a preocupação em baixar o tom, o bater de palmas fora de tempo, serão a manifestação da incomensurável incapacidade de nos suportamos a nós mesmos? Será tão incómoda a nossa presença que nem nós a consigamos suportar? O desejo de transmitir o quer que seja será mais importante do que ouvir o outro, que neste caso até é suposto admirar, tem para nos dizer? A música será um intervalo entre duas cervejas? Será a contaminação festivaleira transposta independentemente da sala e do músico em questão?
Vénias, agradecimentos e felicidade estampada por ser a primeira vez que tocavam em Lisboa, juntamente com mudanças interessantes da guitarra para os teclados de Kristian Matsson durante o encore, dos restantes elementos da banda em coro no último tema, o sempre celebrado King of Spain e o deslizar de sapatos de Kristian a fazer lembrar os patins de Fetisov conseguiram salvar a noite. Isto não foi um concerto.
Texto – João Castro
Fotografia – Luis Sousa
Promotor – Everything is New