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“O artigo 21 da Constituição portuguesa é o mais Punk Rock de todos”

Os Artigo 21 são um grupo de cinco amigos que faz música desde o Verão de 2012. No seio da banda reina a boa-disposição e tocar Punk Rock para se divertirem é o objectivo principal. Para os conhecer melhor encontrámos-nos no Balcony TV Lisboa, num dos locais com melhor vista para a cidade, e ficámos durante largo tempo à conversa.

Antes de formarem os Artigo 21 tiveram outras bandas. Sentem que este é o projecto mais sério em que já estiveram envolvidos?

Nuno Paixão: Falo por mim, porque cada um de nós tem a sua experiência. Este está a ser o projecto que está a ter mais impacto na minha vida , aquele que me tem dado mais gozo e mais trabalho.

Áureo: Sim, este foi projecto que foi levado mais “avante”, que tem corrido melhor e que acho que é para continuar.

Daniel Hipólito: De todos, sou o que tem mais “currículo” em bandas. Honestamente, de todos os projectos em que toquei e participei este é, realmente, o que tem tido maior destaque, sobretudo pela ambição, e acima de tudo pela amizade, que é fundamental nas bandas do nosso género musical. Cada um de nós tem a sua vida pessoal, a sua vida profissional… Fazemos isto porque gostamos deste tipo de música e da mensagem que transmitimos. À parte da experiência, o mais importante é a mensagem e o espírito que cada um traz para a banda. O resultado disso são os Artigo 21.

Xico: Eu faço minhas as palavras do Nuno [risos].

Cardoso: Tive um projecto anteriormente, mas este é projecto mais sério em que já participei.

Acham que o Punk Rock, nos dias de hoje, ainda consegue mobilizar pessoas como antigamente?

N.P: Se voltarmos uns 15/20 anos atrás, a minha resposta vai ser um redondo “não”. Porque nessa altura tínhamos bandas como os Censurados ou os Peste & Sida que qualquer concerto que dessem, em qualquer sala que fosse, esgotava. Hoje em dia, isso já não acontece, é um bocado mais complicado. Mas, também não é isso que nos move. Nós gostamos mesmo daquilo que fazemos e deste género de música. Claro que gostamos de ter pessoas a cantar as nossas músicas nos nossos concertos, mas não é só isso que importa. Acho que o mais importante é divertirmo-nos e tentar passar essa mensagem. Queremos acreditar que isto é cíclico e que a situação vai melhorar, e quando isso acontecer vamos estar cá a fazer um trabalho interessante.

As grandes referências dentro do Punk Rock têm vindo a acabar. Sentem que ficou um vazio, dentro do género, em Portugal?  

D.H: Essa questão é pertinente. Acho que o Punk Rock, actualmente, está a atravessar uma fase diferente. O Punk Rock tem uma coisa diferente dos outros géneros musicais: ou se adora ou se detesta. O que se faz não é para tentar agradar ninguém, é para tentar passar a mensagem às pessoas, através da música.

Áureo: Muitos bandas importantes ainda continuam aí a bombar. Os Peste & Sida continuam, os Tara Perdida ainda estão aí com força, ainda há os Viralata, os Fitacola… Temos muitas e boas bandas no nosso mercado que, apesar de ser pequeno, tem muito bons trabalhos.

Quem são as vossas referências dentro do género? Em Portugal sobretudo, mas não só.

N.P: Fazemos Punk Rock cantado em português, mas as nossas principais influências a nível musical estão quase todas lá fora. Há nomes incortonáveis em Portugal, obviamente. Censurados e Tara Perdida são bandas que nos habituamos a ouvir desde sempre, mas também há bandas importantse lá fora como Bad Religion, NOFX ou Pennywise. Acho que quem se dedicar a ouvir o nosso disco consegue perceber essas influências.

O que distingue os Artigo 21 de outras bandas de Punk Rock?

N.P: Não nos preocupamos em ser únicos. A nossa preocupação é fazer o que gostamos. Se é diferente ou não? Depois logo se vê. Não estamos a olhar para as outras bandas e a tentar seguir um determinado caminho. Juntamo-nos, fazemos as músicas e se gostarmos, ficam. Não nos estamos a preocupar se soamos parecidos com outra banda. Não temos esse tipo de problema.

20160109 - Entrevista - Artigo 21 @ Balcony TV

Não esperam, portanto, reinventar o Punk Rock…

Áureo: Se acontecer, aconteceu… [risos]

D.H: Os melhores juízes para avaliar isso são as pessoas que apreciam este estilo de música. Cada banda é cada banda, tem o seu espírito, a sua mensagem. Lá está, não procuramos nada para além da satisfação pessoal. Queremos divertirmo-nos e fazer chegar a mensagem às pessoas.

Qual é, então, a principal mensagem que os Artigo 21 procuram transmitir?

D.H: É facil, as vivências do dia-a-dia, por exemplo. Os nossos problemas pessoais e profissionais, a crise da sociedade. Basicamente é isso.

Áureo: Exactamente. É enfrentar tudo isso com uma atitude positiva e com inspiração, tendo presente que as coisas não podem ficar sempre da mesma forma,. Acrediar que é possível mudar. Todos nós temos um papel a desempenhar.

O artigo 21 da Constituição portuguesa remete para o direito à resistência. Acham que nos dias de hoje esse direito está, de alguma forma, em causa? Foi isso que vos levou a escolher este nome para a banda?

N.P: Não é que eu já tenho lido todos os artigos, mas acho que da Constituição portuguesa o artigo 21 é o mais Punk Rock de todos. É aquele que diz que em último caso, em última instância, quando achas que estás a ser lixado, podes insurgir-te e resistir contra as forças e as pessoas que te estão a tentar prejudicar.

Áureo: Não se trata de uma questão de o artigo 21 estar a ser ameçado. É mais uma questão de relembrar às pessoas que ele existe e que está lá. O artigo aplica-se ao Estado em geral, mas aplica-se também ao indivíduo, a ideia de termos a capacidade de mudar as coisas.

No ano passado lançaram o vosso primeiro disco. Desde a vossa formação em 2012 até ao lançamento do disco foi um processo fácil?

Cardoso: Acho que demoramos o tempo certo. Foi algo que decidimos, desde o início, que queríamos fazer. Planeámos, inicialmente, reunir um certo número de músicas e começar a tocar ao vivo. Acho que os 3 anos que tivemos para lançar o disco foi o tempo que necessitávamos para ser tudo planeado com pés e cabeça, e estamos muito contentes com o resultado.

Xico: Foi um processo natural, não tivemos grande pressa. Quando sentimos que estava pronto, avançámos com a gravação.

20160109 - Entrevista - Artigo 21 @ Balcony TV

O álbum tem recebido boas críticas. A recepção do disco correspondeu às vossas expectativas?

N.P: Acho que até tem ultrapasado um pouco. Lançámos este disco sem expectativas, porque conhecemos o mundo e o país em que vivemos. Quisemos fazer isto por nós, lançar o álbum e esperar pelas críticas, que até agora têm sido boas e temos ficado surpreendidos e contentes com muitas delas. Também temos recebido algumas críticas menos boas, que serão importantes para nos ajudar a melhorar e a crescer. Mas, um pouco por todo o país, as coisas têm corrido bem. Nos concertos, as pessoas começam a cantar as nossas músicas e a compreender a mensagem que queremos passar.

Como foi 2015 em termos de concertos?

D.H: Foi bom. Pode-se dizer que tendo em conta o estado actual das coisas, correu bastante bem. Passámos por várias cidades do país, algumas que eu ainda não conhecia e acho que os outros elementos da banda também não. A nível geral correu muito bem. A receptividade das pessoas foi muito boa. Ficámos satisfeitos por saber que ainda existem pessoas que curtem Punk Rock no nosso país. Desde Beja, Odemira, Viseu, Portalegre, Porto… Tivemos boas surpresas que nos deram força para continuar este projecto.

E a receptividade fora de Portugal? Sentem que exite uma barreira linguística?

Áureo: Nem por isso. Acho que até temos tido uma boa aceitação no estrangeiro. Tivemos uma boa review num blog no Brasil, tivemos destaque num blog norte-americano e participámos numa compilação na Sérvia. Em termos de concertos, Badajoz foi brutal. Não estávamos à espera que estivesse tanta gente. Por isso, acho que a aceitação tem superado as nossas expectativas. Queremos continuar a apostar neste mercado, afinal a música é algo universal.

O vosso disco saiu pela Infected Records, uma das editoras que mais tem apostado no Punk em Portugal. Foi uma escolha óbvia para vocês?

N.P: Tornou-se óbvio à medida que fomos avançando com o processo. Não foi a única editora com a qual entrámos em contacto, mas foi a editora que desde logo se mostrou interessada. Achámos que faria todo o sentido lançar o nosso álbum de estreia pela editora que mais discos de Punk Rock lança, actualmente, em Portugal. Estamos muito contentes com o trabalho deles. São a nossa editora, a nossa agência, fazem o nosso management e temos feito uma boa equipa.

É possível viver da música em Portugal, tocando Punk?

D.H: Tocaste na ferida [risos]. Obviamente que conseguimos viver da música. Eu ando de Ferrari, ele anda de Audi [risos]. Não, infelizmente no nosso país é extremamente difícil viver da música, no geral. Não querendo comentar outros artistas portugueses, a música é um mercado bastante difícil em Portugal. Para além disso, eu nem me considero músico. Mal sei tocar guitarra.

Xico: Existem uns certos estilos que são mais acessíveis, para o qual existe outro mercado. Mas nós como não gostamos muito de dinheiro, não fomos por aí [risos]. Não me parece que viver disto seja “concretizável”.

N.P: Este projecto é o mais realista possível, e só assim é que conseguimos ter forças para continuar. Se criarmos expectativas muito elevadas, a vontade ao final de um ano é de acabar com isto tudo. Se olharmos para o nosso saldo inicial e o eventual saldo final… São muito parecidos. Andamos aqui a tentar curtir. Pode parecer muito clichê dizer isto, mas é realmente isso. Para algumas pessoas é possível viver da música, mas a realidade é que não é facil chegar lá. Claro que temos esse sonho e essa ambição…

D.H: Temos essa ambição, mas não é algo pelo qual corramos todos os dias. Se isso chegar a acontecer, vou ter que aprender a tocar guitarra, ter umas aulas de música [risos]. Mas claro, se acontecesse, ficaríamos todos felizes.

Áureo: Eu acho que, neste momento, a nossa ambição é não gastar dinheiro com isto [risos].

N.P: Se no próximo espectáculo estiverem 50/100 pessoas a cantar aquilo que escrevemos numa garagem há 3 anos atrás, isso para mim é mais do que motivo para continuar.

Nos dias de hoje, acham que o Punk Rock já chega a públicos diferentes?

Cardoso: Acho que o Punk Rock sempre foi um género muito restrito. Como disse o Daniel há bocado, é um género que se adora ou que se odeia. Isto sempre foi uma coisa um bocado de modas. O Punk já esteve na berra, agora estão outros estilos de música. Mas o Punk nunca desapareceu e creio que nunca desaparecerá. Na minha opinião, nunca se fez tão boa música Punk como hoje em dia. Se calhar não há tanto público, mas nunca tinha visto bandas tão bem ensaiados e tão boas tecnicamente.

20160109 - Entrevista - Artigo 21 @ Balcony TV

Recentemente participaram no Balcony Tv. Como foi a experiência?

N.P: Participar no Balcony Tv nunca foi algo que tivéssemos planeado. A ideia surgiu por iniciativa própria do nosso manager. Tendo surgido a oportunidade, decidimos aceitar o desafio. Acho que foi uma excelente oportunidade para tocar numa varanda em Lisboa. Só ganhamos, não perdemos nada com a experiência.

Quais são os planos para o futuro dos Artigo 21?

N.P: A nossa composição não é algo fácil. Precisamos de algum tempo para fazer músicas novas, somos muito críticos em relação a nós próprios. Também não temos pressa. Vai sair um próximo disco quando tivermos as músicas que gostamos. Não vamos querer apressar porque é moda gravar de dois em dois anos, ou de ano a ano. Havemos de lançar outro disco, se Deus quiser.

D.H: Há outra coisa importante: o investimento que isto requer. Todo o dinheiro gasto vem do nosso bolso. É um sonho que nos sai caro. Para quem está de fora, é giro ver um CD todo bonito e a tocar bem no rádio ou em casa, mas por trás há um investimento pessoal enorme. Agora temos que começar a amealhar para o próximo disco e, para além disso, queremos também deixar espalhar um bocado o último disco.

Os Artigo 21 estão agora numa pequena pausa, regressando aos palcos e aos concertos no próximo dia 19 de Março em Santigado do Cacém para o Spring Out Fest, num evento com a presença dos também “punk-rockers” Skalibans, Fita Cola e Suspeitos do Costume.

Mais informação em https://www.facebook.com/artigo21punk/

Entrevista – Pedro Reis
Fotografia – Luis Sousa