Inmyths é um projecto que foi criado pelo cantautor Hugo Almeida em 2006. Surgiu em forma de compilação de todas as suas influências e mitos por revelar. Tem dois álbuns: Inmyths de 2009 e Scarcity de 2013, um single – Holloways – e um EP – Chasing Dreams – que vai ser lançado e apresentado ao vivo na próxima quinta-feira, dia 18, no Popular Alvalade.
Para este EP, Inmyths dá-se a conhecer em formato banda com Ricardo Motta na guitarra eléctrica, Gonçalo Silva na bateria, João P. Miranda no baixo e Hugo Almeida na voz e guitarra acústica. A gravação e produção estiveram a cargo de João P. Miranda e o grafismo ficou ao cuidado de Ricardo Motta.
Seguindo a linha de Hugo Almeida, Chasing Dreams é fiel ao estilo folk que o caracteriza. A sua voz, coesa, doce, grave e suave ao mesmo tempo, mantém uma estrutura penetrante que, assim que entra pelos ouvidos se aloja imediatamente nas partes mais recônditas do cérebro e canal auditivo, podendo levantar cada pêlo existente no nosso corpo. Destacam-se, ainda, pinceladas de rock alternativo dos anos 90 com contornos subtis de grunge.
O EP é composto por 4 faixas, cada uma acompanhada por uma ilustração. O objectivo deste EP é marcar e ser marcante atrás das mensagens existentes. As letras baseiam-se na crítica social e em chamadas de atenção que tanto apontam para o indivíduo como para o colectivo. Carregam uma melancolia gritante e uma mala cheia de vontade de acordar e mudar consciências com o reflexo duma esperança que nunca se perde.
Este EP é para se mastigar e saborear individualmente e, de preferência, de olhos fechados.
Aproveitando o lançamento de Chasing Dreams, o Música em DX convidou a banda para nos dar a conhecer um pouco mais da sua essência e do simbolismo do EP e esteve a conversa com o Hugo e o Ricardo:
Música em DX (MDX) – Como é que surgiu este projecto?
Hugo Almeida (HA) – Surgiu como um projecto a solo, o meu projecto a solo, algures em 2006. Estava por Inglaterra sozinho e a explorar tudo e reparei que tinha muitas músicas de bandas anteriores onde tinha participado, projectos que já tinham acabado e pensei em por aquilo online. Criei um site, disponibilizei essas músicas todas que nunca foram tocadas e aproveitadas nos outros projectos e começou por ai. Mais tarde, já de regresso a Portugal, resolvi por aquilo ao vivo, com banda e desde então tenho estado a compor e a tentar fazer concertos. Neste momento somos 3 base mais um baixista convidado que é o João P. Miranda que foi o produtor do nosso EP que vai sair agora.
MDX – Como caracterizam a vossa música?
HA – Essa pergunta é sempre um bocado difícil. Eu não me agarro a estilo nenhum, não procuro fazê-lo e também não procuro fugir, acabo por compor o que oiço, das bandas que gosto e sou um pouco um filtro daquilo que oiço e depois componho nessa vertente. Passa desde o folk ao rock mais alternativo, sempre em formato mais canção, não tão experimentalista. Como sou eu que componho a maior parte das músicas, o resultado é isso que eu disse, um filtro daquilo que eu consumo enquanto ouvinte de outras bandas. Já tive o problema de querer fazer música mais coesa, fazer um álbum ou um conjunto de músicas que calhem bem umas com as outras e saiu sempre ao lado, é sempre frustrante fazer isso porque não faz parte da minha génese, aquilo que eu ouço também é diverso, portanto o que eu componho também é… e acabo por não seguir uma linha musical.
MDX – E quais são essas referências que falas?
HA – Vai desde a génese do grunge dos anos 90, Nirvana seria a banda de eleição, passei por Tool, por Sigur Rós, Ben Howard por estar agora um bocado agarrado à guitarra acústica, Smashing Pumpkins…
MDX – E bandas portuguesas?
HA – Bandas portuguesas não. Não fui educado a ouvir música portuguesa, nunca me motivou muito… Nos anos 90 também não havia assim uma referência muito forte que me cativasse tanto como o que vinha lá de fora. Isso faz parte da nossa cultura enquanto portugueses, consumimos muito o que vem lá de fora. Acho que isso está a mudar agora um pouco e acho bem. Tenho pena de não conseguir, já tentei compor em português mas sai sempre muito lamechas, cliché, é chato. Mas não ponho isso de parte, não neste projecto mas talvez noutra idade.
MDX – Consideras a tua música melancólica?
HA – Sim, completamente melancólica. Nostalgia e melancolia fazem mesmo parte do meu universo musical instrumentalmente. Em termos de letra, acaba por ser melancólico também porque se fala sempre de assuntos que têm a ver com a nossa sociedade, com o que está de mal nela e acabo por cair um bocado nessa melancolia, sim. Um pouco também à semelhança do grunge dos anos 90, pelo menos na minha opinião, acho que a minha grande referência vem mesmo dai.
MDX – Que tipo de mensagem tentas transmitir com as letras?
HA – A crítica social. Eu acho que a música pode ser o meio de divulgação de uma mensagem e isso interessa-me mais do que outro tipo de assunto. O próprio nome da banda vem um bocado dai, Inmyths surgiu duma música em que peguei, que é uma construção, não existe a palavra em inglês, eu é que inventei, juntei inner com myths, que são os mitos interiores e ao mesmo tempo a negação, Inner como a negação dos mitos como são, que fazem parte da nossa personalidade, que são da nossa cultura e as letras passam muito por ai, por questionar porque é que fazemos as coisas desta maneira e porque é que não fazemos de outra. Tentar identificar essas partes da sociedade que não funcionam tão bem e porque é que não evoluímos mais, passa tudo por ai.
MDX – Escondes alguns mitos?
HA – Sim, suponho que sim. Mas o exercício passa por revela-los ou desmistificá-los. Acho que todos nós escondemos, nós todos temos uma personagem durante o dia perante situações, perante pessoas e o exercício de compor música, pelo menos o meu, passa exactamente por falar desses mitos. Não é só a crítica social, também tenho os mitos que são pessoais, as vivências que acabam por ser um processo de crescimento ao fim e ao cabo. Esses mitos são isso mesmo.
MDX – Em relação à faixa “There Will Be a Moment”, haverá um momento para quê?
HA – O momento é o aqui e o agora, é exactamente disso que a música fala. Há uma história por detrás dessa letra, que é muito curiosa e à qual eu junto um pouco de ironia também: um dia eu estava na minha varanda de onde consigo ver o céu e estava a olhar para ele. Na vida da música e no geral às vezes temos momentos mais down e mais difíceis e eu não sou uma pessoa nada religiosa mas dei por mim a pedir ao universo para me dar um sinal de que estou a avançar bem ou seja o que for e nesse preciso momento passa uma estrela cadente e eu fiquei parado, arrepiado a pensar nisso e a letra fala disso: que há biliões de anos para a evolução do universo e de tudo o que nós conhecemos e de repente uma sinapse no meu cérebro pede aquilo e o universo dá. Mas a conclusão é que não é nada, não quer dizer nada, não tem consequência absolutamente nenhuma, porque o momento de viver é o aqui e o agora e é aqui e agora que eu tenho de estar, não é nem no passado nem no futuro, é no aqui agora. Ao fim e ao cabo a minha experiência reflectiu isso mesmo – eu, aqui e agora pedi e tive logo – e a música fala mesmo disso, quando estou a tocá-la ao vivo tento passar exactamente essa ideia de que o sitio para estar é aqui e agora. É agora que vais curtir e qua vais viver, não é depois nem antes, se te estás a mentalizar que “eu devia ter feito”, já estás a pensar no passado e se pensares “eu devo fazer”, já estás a pensar no futuro quando o agora é a única coisa que tens. Eu sei que é cliché, mas a música fala disso e tentei transmitir essa ideia.
MDX – E quais são os sonhos que persegues (“Chasing Dreams”)?
HA – Lá está, eu gosto de por ironia também, a letra fala da perseguição dos sonhos ou tentar ir à procura dos sonhos. Toda a gente o faz, toda a gente tenta, toda a gente sonha ou acordado ou a dormir, neste caso eu falo dos sonhos acordado e que muitas vezes são falsos também, ou seja, da experiência de vida que tenho, eu tenho sonhos e vou a procura deles e levo comigo pessoas atrás e essas pessoas têm de desistir dos sonhos delas muitas vezes, mesmo sendo uma escolha, para ir atrás de um sonho e se esse sonho falhar? As outras pessoas vão atrás comigo, falham também? Ou seja, o sonho é sempre descrito duma forma muito positiva, mas às vezes acho que não, às vezes pode ser um grande engano, exactamente porque os sonhos não garantem nada, são apenas sonhos. Então no refrão refiro essa parte irónica: “Acorda! Acorda desse sonho que estás a ter e parte para outra, faz outra coisa ou não faças nada”. É inevitável nós não seguirmos os sonhos mas também temos de ter consciência de que temos de acordar às vezes, não insistir, não é desistir, é partir para outro sonho também.
MDX – Na capa do EP, qual é o simbolismo do homem em frente ao ecrã?
Ricardo Motta (RM) – Quando estava a conceptualizar a imagem que iria ficar na capa, parei durante algum tempo para considerar o que é que estávamos a propor com este EP e com trabalhos anteriores e posteriores. A mensagem da banda é relativamente uniforme. Tens um facto no artwork que representa a formação, ou seja, na sociedade em que vivemos temos uma ideia muito especifica de como funciona a formação, é tudo especializado, muito orientado para uma só área e então quando tens um fato que é pensado e criado a pensar na economia, na politica e todos esses detalhes, tudo o que gere as nossas vidas, essencialmente, e o pões perante algo com o qual não está preparado para confrontar, a ideia normalmente é passar para o lado; quando não há alternativa, o sistema pára todo. Então na imagem tens um fatinho a contemplar um computador, uma máquina que abre uma porta e estás perante um edifício espelhado que reflecte o que está por trás, a sociedade onde a acção se encontra e a máquina abre uma porta que dá lugar para uma idealização de um mundo melhor, essencialmente. Com todo o conhecimento, formação e especialização nós somos incapazes de utilizar esse sistema para abrir essa porta e passarmos para o lado de la. Então, o artwork é feito na capa e na contra capa de forma invertida, ou seja, do lado de cá tu vês a porta aberta e a outra pessoa a olhar para o computador sem fazer nada, do outro lado tens uma máquina que não percebes como é que funciona, foi feito de propósito para isso, não percebes como funciona mas sabes que aquilo é a resposta para alguma coisa e aquela porta está ali à frente para provocar, para irritar como um impasse. O conceito é basicamente esse, a inactividade.
HA – Existe ainda um conceito enorme por detrás, para além do que ele descreveu que é um pouco mais pormenorizado. Para além da tal ideia da crítica social ou desmistificação dos mitos, algures nos anos 70 a sociedade socialmente parou, evoluiu tecnologicamente mas socialmente ficámos um pouco há 200 anos atrás, ainda temos as mesmas instituições, as mesmas leis, da economia à política. Há todo um conjunto de regras sociais que nós seguimos que são obsoletas, a meu ver, e eu identifico +/- os anos 70 com os anos em que isso parou. Entrou a grande finança, a grande banca em peso e abafou-nos para os nossos trabalhinhos tipo escravo moderno.
RM – Basicamente a nível estilístico o artwork vai buscar ideias que se prendem com o futurismo dos anos 50 e 60 e que reporta um futuro positivo, um futuro onde a tecnologia é livre, tens carros voadores e montes de avanços tecnológicos que hoje em dia vão surgindo a conta-gotas mas que na altura a visão desse futuro era completamente diferente daquela que temos hoje. Hoje em dia, em termos de futurismo é tudo sujo ou estragado ou inútil ou perigoso, é tudo distópico. No futurismo antigo era tudo bem mais positivo, mais integrado na sociedade e nota-se a diferença, parte da razão pela qual fomos usar a tecnologia e mesmo a forma como só edifícios estão desenhados na contra capa vem dai.
HA – A re-evolução. Nós evoluímos de qualquer maneira mas estagnámos e então a ideia é voltar a esse ponto e começar a re-evoluir. Estávamos encaminhados, estamos a falar duma sociedade que falava da diminuição das horas de trabalho, havia anúncios a dizer “o computador vai despedir 10 pessoas, mas essas 10 pessoas vão ter férias sempre que quiserem e vão fazer o que quiserem” e hoje estamos a falar exactamente disso, parece que parámos. Precisamos de pegar nesse ponto e voltar a usar a tecnologia que temos ao nosso dispor, isto é tudo o que representa a estrutura da capa: a tecnologia existe, nós é que estamos parados como um burro a olhar para um palácio e agora o que é que vamos fazer? E o EP tem por base essa ideia. Além disso cada música tem uma própria ilustração, porque há mais historia para contar.
MDX – Isso tem algo a ver com a alegoria da caverna?
RM – Sim. É tirado um bocado daí. Eu pessoalmente e desde muito cedo sempre me associei um pouco ao existencialismo no geral e há todos esses pequenos detalhes sobre a existência e sobre as coisas que nós fazemos que se reflectem um bocado no meu trabalho a nível gráfico, de desenho, pintura. Aqui o objectivo é ser um pouco mais funcional, servir um pouco melhor o propósito da mensagem e fiquei satisfeito com o resultado final.
MDX – Em relação ao excesso de cor, à quantidade de informação visual que existe? É um pouco um contra-senso, não?
RM – Sim, aí talvez deva ceder um pouco mais às minhas próprias limitações como artista. Eu queria mesmo que houvesse um contraste muito forte entre as cores e para isso acontecer eu realcei as cores todas. Na visão da cidade as cores são muito fortes mas muito pálidas ao mesmo tempo e do lado de lá é tudo muito mais vivo, muito mais intenso e isso reflecte a diferença entre os dois ambientes: um lado é cheio de vida e cor e o outro um pouco mais mortiço mas cheio de cor também, porque nós vivemos as nossas vidas intensamente à mesma, simplesmente estão muito amortecidas pelo rescaldo do dia-a-dia e isso reflecte-se depois na imagem que eu criei.
MDX – Enquanto banda, quais são os vossos desejos para 2016?
RM – Imensos concertos, um festival ou outro era uma experiência interessante. Eu pessoalmente nunca toquei num festival e era bom de se fazer e enquanto banda era importante tentar encontrar alguns pontos em que tenhamos um pouco mais de exposição. Nós tentamos mas é muito difícil de quebrar essa barreira e quando se quebra dura pouco tempo até cair no esquecimento mas isso também depende de muitos factores. Gravar mais músicas, mais concertos, tentar ir a norte a sul e isso, por agora, são objectivos um pouco mais realistas.
HA – Sim, é exactamente isso: mais concertos, mais exposição da banda, a música a passar nas rádios, a chegar a mais pessoas que não nos conhecem e ter algum reconhecimento, ter esse feedback e pôr em formato físico mais músicas, não paramos de compor, para poder passar às próximas. Um festival era fixe, sim, e não parar.
Os Inmyths esperam-vos no Popular Alvalade, no próximo dia 18 de Fevereiro pelas 22h e de certeza que não se vão arrepender de ir.
Entrevista – Eliana Berto
Fotografia – Luis Sousa