Opinião Reviews

Tormenta, de Filho da Mãe & Ricardo Martins

Quem, desde maio do ano passado, teve a oportunidade de ouvir o single Tormenta, que inaugurou a colaboração musical entre Filho da Mãe e Ricardo Martins, saberá o que esperar do LP homónimo que está prestes a receber a sua apresentação oficial: a sonoridade é essencialmente a mesma.

O fonograma consiste em seis temas instrumentais em que a guitarra de Filho da Mãe e a bateria de Ricardo Martins são os protagonistas, bem se pode dizer, em partes iguais, pois o ritmo, explorado com recurso a diversos tipos de compassos, tem um papel preponderante na identidade destas músicas: fornece um certo sentido de urgência e inquietação, mas também de obsessão. E é neste ponto que, aliado a um predominante sentimento de angústia veiculado pelas paisagens inóspitas descritas pela guitarra, o nome do LP encontra óbvia justificação.

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O álbum abre com o tema Estrela e Acabada, que se inicia com um trabalho de guitarra característico de Filho da Mãe: uma espécie de tapeçaria sonora construída com recurso a “hammers” e toques nervosos, lembrando aranhas caminhando, e trazendo ligeiramente à memória o prelúdio de Handy, dos Wishbone Ash, com a textura metálica das cordas bem presente. A chegar aos três minutos, entra a bateria e a faixa instala-se num formato indie, estabelecendo de certa forma a tónica do LP.

Apresentação do tema – frequentemente construído de forma progressiva; reforço com efeitos sonoros – que por vezes roçam a saturação (no sugestivo e descritivo Pessoal Beto em Sítios Chungas, por exemplo); pausas e repetições. São estes os recursos básicos que estruturam os temas apresentados. Os temperos são vários e vão desde ecos de surf guitar (Estrela e Acabada), reminiscências da forma de tocar guitarra portuguesa, um certo sabor nipónico (A Tia Dela), ou momentos desconcertantes causados por uma tendência para a exploração sonora. Aqui e ali, as abordagens ritmícas sugerem familiaridades, como a adotada em Tartaruga, que lembra um Tomorrow Never Knows (The Beatles), ou a espécie de riff/ritmo – demonstrando o empenho gémeo dos dois instrumentos e ilustrando a lição do progressivo – de Truta Salmonada, fazendo lembrar um tipo de abordagem rock que teve a sua fortuna a meio da primeira década deste século.

https://www.youtube.com/watch?v=H0qIn-l61GU

Se Tormenta cumpre, ao nível ilustrativo, o requisito de oferecer uma paisagem condicente com o nome do LP, o mesmo não se pode dizer ao nível da consistência entre as faixas. A Tia Dela, por exemplo, sugere não ser mais que o registo de uma ideia que agradou aos músicos mas que não foi desenvolvida; Tritão, em compasso ternário, é mais uma faixa concordante com o ambiente geral do fonograma mas musicalmente inconsequente…

A qualidade dos músicos, patente ao longo das faixas, certifica que a duração das mesmas é ocupada de forma competente. Mas no geral, estamos perante uma digna banda sonora dos tempos desinspirados que musicalmente se vivem: que direção tomar no meio da tormenta?

A expectativa para ouvir este trabalho ao vivo é grande, e por isto lá estaremos no Musicbox Lisboa na próxima 6ªfeira dia 19 de Fevereiro para assistir in loco à apresentação de “Tormenta” aguardando uma noite inspirada deste duo.

Mais informação em https://www.musicaemdx.pt/events/filho-da-mae-ricardo-martins-apresentam-tormenta/

Texto – Pedro Raimundo