Backstage

Entrevista aos Shape, “Tens que gostar um bocado da dor para chegares onde queres”

Os Shape são um grupo de cinco amigos de meios diferentes que tocam Hardcore, mas com uma sonoridade que lhes permite alargar horizontes. Lançaram o seu primeiro álbum, “Crossing Roads”, no ano passado e 2016 promete ser um de ano de algumas mudanças e novos desafios.

O Música em Dx esteve à conversa com João Quadros e Rúben Nobre, vocalista e baixista respectivamente.

Música em DX (MDX) – No ano passado lançaram o vosso primeiro álbum, “Crossing Roads”. Como foi a recepção?

João Quadros: A recepção tem correspondido às nossas expectativas, melhor até do que aquilo de que estávamos à espera. Tivemos alguns problemas até lançarmos o álbum, mas conseguimos lancá-lo pela Hell Xis, que nos ajudou bastante. Temos tido boas reviews e temos dado concertos fixes.

MDX – Quais foram as principais dificuldades que encontraram ao longo do processo de gravação?

J.Q: Optámos sempre por lançar o nosso trabalho pelas nossas próprias mãos. Por isso é que antes deste álbum gravámos Eps, em CD-r e casseste. Desde que gravámos a nossa primeira compilação estivemos um ano a preparar as músicas e um ano para lançá-las. O maior problema foi mesmo a falta de dinheiro. Não conseguimos sequer pagar o álbum, tivemos que andar a tocar ao vivo e a cravar dinheiro a pessoas [risos]. Depois para editá-lo foi outra complicação. Tivemos a ajuda preciosa do Emanuel da Hell Xis.

MDX – Ao longo do tempo, a banda tem passado por várias mudanças na formação. Tem sido fácil o processo de adaptação?

J.Q: Sempre optámos por ter pessoal amigo ou próximo a tocar connosco. O Rúben foi o último a entrar na banda, mas antes disso já era nosso amigo. Mesmo antes dele entrar, outros membros antigos da banda sempre foram nossos amigos, só que acabaram por sair por razões exteriores à banda.

Rúben Nobre: Quando vens a Lisboa sem querer e acabas por ver um concerto de Shape, que era uma banda que eu já conhecia mas que ainda não tinha visto ao vivo, e acabas a tocar com a banda… Aconteceu naturalmente, e posso dizer que foi das melhores cenas que me aconteceu desde que estou em Lisboa.

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MDX – Achas que a tua entrada na banda introduziu novos elementos na sonoridade dos Shape?

R.N: Quando cheguei à banda a maior parte dos sons já estavam praticamente feitos. Tive uma colaboração “suficiente” para o resultado final do álbum. Ter participado nesse processo foi muito bacano.

MDX – O vosso som, dentro da cena Hardcore em Portugal, acaba por ser um bocado distinto, na medida em que incorporam uma vertente mais melódica. Qual é o espaço que ocupam dentro da cena Hardcore em Portugal?

J.Q: Nós às vezes pensamos sobre isso. Não sei se é um problema ou se é uma benesse, porque ao sermos catalogados como uma banda de Hardcore…lá está, temos um som bocado diferente. Isso deve-se ao facto de o Bagaitas ser guitarrista de Jazz, ou o Diogo curtir mais de Hip-Hop, ou o Morelli tocar piano praticamente desde que nasceu. Nós próprios sempre tentamos fugir um bocado ao que é a ideia do Hardcore, tentamos fazer coisas um bocado diferentes, a puxar para aquilo que realmente gostamos. Não sei que lugar ocupamos, mas acho que até agora conseguimos marcar o nosso nome.

MDX – Acham que o Hardcore é um género que se fecha muito sobre si próprio?

J.Q: Sinceramante, eu acho que sim. Cada vez menos se calhar, porque o pessoal já abriu um bocado mais os horizontes. Mas o que eu vejo mesmo é que o pessoal mais velho, que nunca foi a um concerto de Hardcore, se vai ao primeiro agora, não é fácil ficar a gostar e a continar a ir.

R.N: Mas foi curioso que pessoas que não costumavam ir a concertos de Hardcore passaram a ir depois do lançamento do nosso disco.

J.Q: Lá está, acho que também foi isso que sempre atraiu a malta para os Shape. Porque não é só pessoal do Hardcore que vai aos nossos concertos. Tenho vários amigos que não sabem o que é o Hardcore, mas que vão e que acham que é uma cena diferente.

R.N: E isso também vai ao encontro da ideia de nós querermos tocar noutros sítios, fora dos típicos concertos  de Hardcore.

MDX – Qual é o próximo passo dos Shape para chegarem a um público fora do Hardcore?

J.Q: Nós não tentamos, as coisas saiem naturalmente. Para abrir horizontes, sinceramente não sei o que nos falta. Já temos tocado em sítios diferentes, com bandas diferentes. Desde o princípio que temos tentado fazer isso, porque acho que faz falta em Portugal, e no Hardcore em particular, puxar bandas diferentes para os concertos.

MDX – O facto de serem uma banda de Hardcore pode ser um factor que leva a que promotoras não vos convidem para outro tipo de concertos?

J.Q: Acho que já sentimos mais isso. Já temos tocado em festivais como o Moita Metal Fest ou o Casainhos, por exemplo. São festivais que incorporam várias sonoridades e que acabam por correr bem. Acho que isso é uma boa motivação.

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MDX – Voltando ao “Crossing Roads”. Quais foram as vossas principais influências, e qual é o conceito do álbum? 

J.Q: Essa é uma pergunta díficil, tem rasteira [risos].

MDX – Podemos começar pelo nome…

J.Q: Acho que foi um bocado a ideia de quebrar barreiras, de nos superarmos a nós próprios. Não vou dizer que nos reinventámos, foi mais a procura daquilo que realmente gostamos, entre o peso e a melodia. Temos várias influências, cada um de nós gosta de géneros de música diferentes. Acho que é isso que faz os Shape.

MDX – Para além do peso e da melodia, que mensagem pretendem transmitir através da vossa música?

J.Q: Sempre tivemos a intenção de transmitir uma mensagem positiva, de força interior. Acho que isso é muito característico das nossas letras, e é essa a mensagem que nós tentamos passar. Às vezes um pouco mais política, outras vezes menos. É o mundo que nos rodeia. Vivemos todos em Lisboa, e estes tempos de crise deram-nos força para superar as adversidades. Hoje em dia, não consegues estar satisfeito por si só, e isso caracteriza um bocado uns Shape, porque sempre tivemos que lutar  para estar onde estamos, quer estejamos bem ou não, nada nos foi entregue.

MDX – Um facto curioso é que o álbum começa com a “Enjoy Life” e acaba com a “Enjoy the Pain”. Tentaram transmitir com isso a ideia de que a vida é uma dor, mas que apesar disso é preciso saber aproveitá-la?  

R.N: É isso, tens que gostar um bocado da dor para chegares onde queres.

J.Q: Nunca tivemos uma altura em que disséssemos “agora está tudo bem”. Na “Enjoy Life” falamos um bocado sobre isso. Pode estar tudo a correr muito mal, mas temos que gostar disto. Temos que ser fortes, que se foda. Temos que mandar as merdas para trás e seguir o nosso caminho. E depois a “Enjoy the Pain”: por muito mal que isto esteja, vamos ter que aproveitar o pouco de bom que vem daí.

MDX – No facebook, quando anunciaram o concerto deste domingo, disseram que tinham novidades agridoces e algumas supresas.

J.Q: Em relação às surpresas tentamos convidar todo o pessoal que já tocou connosco até agora para irem lá tocar as músicas connosco, o que até agora ainda não aconteceu, tirando o concerto de apresentação do álbum [em Maio do ano passado], onde os convidados que tocaram no álbum apareceram. Sempre foi uma coisa que tentámos fazer, ter participações de pessoal amigo ou pessoal que tocou na banda e que entretanto saiu. Neste concerto acho que vamos conseguir reunir pelo menos a maior parte do pessoal.

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MDX – E em relação às novidades agridoces?

J.Q: Vamos ter a saída de um elemento da banda, o Diogo, que vai emigrar. Ele faz parte da primeira formação, iniciou a banda comigo e com o Morelli. O Diogo é o chefe desta merda [risos]. Foi com ele que toquei na minha primeira banda e tem sido com ele que tenho tocado até hoje. Para nós vai ser um bocado complicado esta partida dele. É ele que edita os nossos vídeos, é ele que organiza a maior parte das músicas. Ele é um bocado o cérebro disto. E lá está, as adversidades da vida levam-no a abandonar o país durante uns tempos. Mas ele não vai sair da banda, sempre que possível vai continaur a tocar connosco.

MDX – Não se trata, portanto, de uma saída oficial da banda.

J.Q: Não, não. No dia em que ele sair da banda isto acaba. Mas vai-se ausentar durante uns tempos.

MDX – Como pensam resolver a situação?

J.Q: Até agora não pensamos em pôr outra pessoa. A única possibilidade seria colocar alguém que já tenha tocado connosco, porque como disse no início, somos uma banda de amigos. Não somos uma banda de fazer castings. Por enquanto, nestes concertos que temos marcados, vamos tocar só com um guitarrista.

MDX – No domingo tocam no Sabotage com Backflip e Linebacker. É a vossa primeira vez naquela sala?

R.N: Sim, e isso vai ao encontro daquilo que falávamos há bocado. Queremos tocar em spots diferentes dos habituais e já tinha surgido essa oportunidade, e decidimos aproveitar, juntando o útil ao agradável. Acho que vai ser bacano.

J.Q: Sim, vai ser um concerto de amigos. Os Backflip já tocaram connosco imensas vezes, os Linebacker são recentes, mas também são malta amiga, com membros de antigas bandas com as quais já tocámos no passado. Achamos que são as bandas indicadas para fazer esta festa.

MDX – Para além desta data, têm mais concertos marcados?

J.Q: Temos alguns concertos em vista, alguns já marcados. Vamos tocar em Março com os Take Offense e com os Reality Slap. Estamos a planear mais alguns concertos com os Somber Rites, não está nada marcado, mas está na calha.

MDX – E fora de Portugal, nunca surgiu a oportunidade de tocarem?

J.Q: Já tocámos fora de Portugal, em Vigo. A verdade é que para ir tocar ao estrangeiro é preciso dinheiro e tempo. E acho que são coisas de que os Shape carenciam um bocado. Somos todos trabalhadores ou trabalhadores-estudantes e é sempre complicado conciliar o tempo de todos para fazer tours, e isso até agora tem sido o factor que condicionou a nossa ida ao estrangeiro.

MDX – Mas sentem que, quando lançaram o álbum, o som dos Shape chegou lá fora?

J.Q: Sinto que chegou, o álbum foi bem aceite lá fora. Pessoal de Londres, pessoal do resto da Europa ou da Alemanha fizeram várias reviews e gostaram do disco. Surgiram também alguns convites, mais por parte de pessoal amigo, que já nos tinha visto em Portugal e que diziam que os nossos concertos iriam bater lá fora. Mas lá está, por falta de tempo, tal não foi possível.

MDX – A vossa essência vem muito dos concertos.

J.Q: Desde o início que quisemos que Shape fosse melhor ao vivo do que em cd. Até termos gravado o “Crossing Roads” nunca tínhamos feito uma gravação tão boa, todos as gravações anteriores tinham sido em contra-relógio ou com material de qualidade inferior. Achamos que a essência das bandas como a nossa vai ser sempre tocar ao vivo, devido à mensagem que transmitimos.

R.N: Acho que para quem gosta de música e de ver concertos, uma banda tem que ser sempre melhor [ao vivo] do que em cd. Acho que a esse nível, quando estás a sentir as merdas se calhar nem tens noção de como é a tua prestação, mas pelo feedback que temos tido das pessoas, acho que estamos lá.

J.Q: Eu gosto muito de ir a concertos e a mim decepciona-me um bocado aquelas bandas que têm grandes álbuns e grandes produções e depois chegam ao concerto e não dão tanto quanto estavas à espera, parece que estás a ouvir o cd. Isso deixa-me um bocado desanimado.

MDX – Os Shape já têm vários videoclips, mas são quase todos baseados em filmes. Procuram associar a música ao cinema, ou fazem-no por não terem meios para gravar um videoclip dito convencional?

J.Q: É um bocado das duas coisas. Quem faz os vídeos é o Diogo, e desde o princípio que o fazemos e queremos continuar a fazer, por muito que também possamos gravar videoclips convencinais. Temos vídeos com cenas nossas ao vivo, e temos por exemplo o video da “Sky will Fall”, com um rapaz a cortar o cabelo [risos]. Esse clip tem um valor especial. Pouca gente sabe, mas ele nunca tinha cortado o cabelo na vida, tinha um cabelo gigante. Toda a gente lhe dizia para cortar o cabelo, e ele nunca o cortou. Fê-lo para o videoclip dos Shape, o que para nós teve algum impacto e transmitiu o que queríamos. Mas também sempre procuramos associar o cinema à música, porque é um hobbie que todos partilhamos.

R.N: E os próprios filmes vão de encontro à mensagem que procuramos transmitir através das músicas.

Entrevista – Pedro Reis
Fotografia – Valentina Ernö (Silvana Delgado)