Apesar do derby mais quente do ano decorrer sensivelmente à mesma hora do concerto, o ópio futebolístico não conseguiu impedir o RCA de quase encher para assistir ao regresso dos Blues Pills. Depois das celebradas passagens pelo norte do país no Milhões de Festa e no Sonic Blast e já com estatuto de banda crescida, o quarteto sueco voltou a Portugal, mas desta vez em nome próprio, para proporcionar mais um excelente espectáculo.
Já não é surpresa para ninguém, o psych/stoner/retro rock continua na berra e são infindáveis as bandas que vão explorando o filão. Como sempre, os movimentos que se debruçam numa arqueologia às fundações de um género musical acabam por criar cisões. Uns criticam o refúgio no retro como preguiçoso ou, pior ainda, desonesto e oportunista. Outros saúdam a nova vaga de popularidade, considerando-a um retorno refrescante ao passado glorioso do Rock. A discussão dá pano para mangas e é necessário separar o trigo do jóio, mas a verdade é que, mesmo não reinventando a roda, ambas as bandas presentes mostraram como se dão concertos rock, com performances fantásticas que atiraram as respectivas versões de estúdio para um canto.
O facto de também ser uma banda de rock escandinava encabeçada por uma cantora pode ter levado alguns a temer que iam assistir ao mesmo concerto duas vezes, mas a verdade é que os Pristine apresentaram argumentos suficientes para ficarem na memória dos presentes. Aliás, indo mais longe, os noruegueses, apesar de provirem dum país mais conhecido pelo Black Metal frostbitten do que Rock & Roll, pelo que demonstraram no RCA, nada ficam a dever a nomes mais populares da cena escandinava.
Encabeçados pela energética Heidi Solheim, os Pristine lançaram-se com o rock sulista de Carry Your Own Weight para um concerto bastante variado, desde a toada Arena Rock de Tell Me até ao Blues despido de Don’t Save My Soul, passando ainda por Bootie Call, que mais valia chamar-se Boogie Call. Alicerçados numa secção rítmica competente, os destaques da banda foram mesmo o guitarrista Christoffer, que sacou uma data de solos à antiga (com direito a caretas e tudo) e Heidi que mostrou ter carisma para dar e vender a par de uma voz talentosa, em particular na baladona All I Want is You. Foi com este tema que a banda terminou o concerto, levando muitos presentes a admirarem-se com a boa surpresa que foi o concerto do quarteto norueguês.
Já os Blues Pills não trouxeram grandes surpresas, estando ainda a promover o seu álbum de estreia auto-intitulado. É, contudo, notória a evolução que a banda sofreu desde que este escriba os viu em Barcelos há uns anos atrás. O conjunto é quase o mesmo (trocou-se o baterista), mas o que realmente mudou foi um incremento da confiança e o entrosamento dos membros, consequências naturais para um grupo de rock que andou a ganhar estaleca pelo mundo fora nos últimos anos. Não é que a banda o demonstre, já que Zack Anderson continua a despejar linhas de baixo timidamente por entre as cortinas de cabelo que o cobrem e Dorian Sorriaux toca guitarra e saca solos com uma naturalidade impávida e descontraída, mas sentimo-nos perante um conjunto cada vez mais dono de si mesmo.
Black Smoke escancarou as portas e deu-nos a regressar à rouquidão quente da voz de Elin Larsson, alegremente acompanhando a banda de pandeireta na mão. É evidente que os méritos dos Blues Pills também recaem na capacidade do conjunto em escrever temas, mas é a qualidade de Larsson enquanto vocalista e o seu alcance vocal que elevam a banda a um patamar superior. Bliss (cantada na língua mãe), Astralplane e Ain’t No Change foram algumas das malhas de blues rock algures entre a sujidade psych e a acessibilidade mais orelhuda com Larsson em total controlo das operações. Contudo, sendo uma banda precoce ainda com pouco material lançado, os Blues Pills tocaram também duas covers, destacando-se a performance xamânica de Elements and Things, com Sorriaux a equilibrar na perfeição o virtuosismo com o bom gosto (tarefa por vezes árdua).
À medida que o concerto chegava ao fim, High Class Woman voltou a puxar pelo pedal com um dos melhores refrões que a banda já escreveu, para pouco depois Little Sun solenemente declarar o fim da fase regulamentar. No prolongamento, Yet to Come mostrou uma faceta diferente do conjunto, sendo um tema folk resultante do par entre a guitarra acústica e o lamento sentido de Larsson, tão simples quando eficaz. Sendo a faixa mais memorável, e provavelmente aquela que atraiu maior atenção do público generalizado, os Blues Pills guardaram Devil Man para o fim. Com a fúria vindicativa que a canção merece, Larsson mostrou a força da natureza que é e, puxando pelo público, acabou o concerto da única forma que poderia fazer jus à hora em que estiveram em palco.
Texto – António Moura dos Santos
Fotografia – Jorge Buco
Promotor – Prime Artists