Depois de dois dias recheados de conferências, apresentações, seminários, documentários e ainda a inauguração dos Iberian Festival Awards, eis que o Talkfest’16, na sua maior edição de sempre, terminou com uma noite especial em que três dos grandes nomes da música portuguesa actuaram.
A noite começou com Tó Trips na guitarra e João Doce na percussão, mas descrevê-los assim é redutor. Assistir a um concerto de Tó Trips e João Doce é o mesmo que entrar numa viagem que desperta os instintos de locomoção mais primitivos. As várias sonoridades criadas através dos diferentes instrumentos e objectos usados relembram-nos uma riqueza sonora ancestral, que muitas vezes parece esquecida, mas de que o corpo parece ter memória – movendo-se naturalmente, livre de métricas ou de estilos. Não é em vão que o último trabalho de Tó Trips tenha como título “Guitarra Makaka: Danças a um Deus Desconhecido”. Se o artista português já se tinha inspirado num imaginário baseado em pequenas ilhas do pacífico, com danças tribais e mulheres a dançarem a deuses, em concerto existe uma espécie de invocação a esses tempos perdidos que ganham vida pelas mãos e pés de Tó Trips e João Doce. Durante o espectáculo houve espaço a músicas novas da colaboração entre ambos – é já em Abril que sai “Sumba”, trabalho discográfico em que ambos partilham a criatividade do mesmo. Foi um concerto muito bonito, até o público mais tímido acabou por se render e fico sempre fascinada com a capacidade que João Doce tem de exaltar o público e de o tornar parte do ritual musical. Uma última nota para as projecções que ocorreram ao longo do concerto. Para além das fotografias bonitas a que deram origem, ajudaram a aquecer o palco do Musicbox que poderia parecer um pouco mais frio para este tipo de música. Foi muito, muito bonito!
Seguiu-se Benjamim, com o seu Auto-Rádio e a sua boa disposição sempre presente. Em formato duo, Luís Nunes na voz, guitarra e teclas, e António Vasconcelos Dias na bateria e back vocals, confesso que senti falta da completude sonora que se sente quando está presente a banda completa. O disco apresentado é sem dúvida o trabalho mais pessoal do artista português e isso faz-se notar na sua entrega às canções. Depois de mais 50 concertos dados pelo país fora, não foi com grande surpresa que reparei que parte do público sabia as letras de cor e fazia a festa de forma entusiasta. Outro pormenor, e muitas vezes os concertos destacam-se pelas pequenas coisas e simplicidades, foi o facto de Benjamim admitir, após ter de parar “Os teus passos” pouco depois de ter começado, que esta ainda era a música que mais enganos ao vivo provocava. Risos partilhados e desculpas dadas e mais que aceites, reiniciou-se a canção e a dança até ao fim do concerto. Não foi o melhor concerto de Benjamim que vi, mas valem sempre a pena. As histórias que cada música partilha, são tão íntimas e verdadeiras que dificilmente nos cansamos delas. Mais, estas ficam na nossa cabeça e exactamente com aquele tom meio rouco e arrastado que caracteriza agora o lirismo em português de Benjamim. Bem bonita foi também a dedicatória de uma música aos Pista, cujo disco foi produzido pelo próprio Benjamim, e que se seguiram como reis da festa.
A noite terminou então com os Pista, banda que ainda há pouco tempo vi e comentei aqui no Música em DX. Estava com algum receio de não ter algo de muito novo para depois relatar, mas se houve lição que a banda me deu é que cada concerto seu é diferente e que há sempre que contar com surpresas e entrega até mais não. O concerto abriu com o já clássico Bamboleio e foi logo a partir daí que agarraram o público. E se ao início podia parecer apenas mais um concerto de Pista, a presença de Alex D’Alva Teixeira no meio do público já fazia adivinhar uma participação prestes a acontecer. Dito e feito, não tarda o Alex estava no palco e a grande surpresa foi a evolução da sua postura em palco. Se ao início tínhamos um Alex dançante, ao estilo do que faz nos D’Alva, o final do concerto, com Queráute trouxe-nos um Alex bem mais roqueiro, onde não faltou sequer a subida a um dos bombos da bateria ou o atirar ao chão. Foram dez minutos frenéticos que quando acabaram só puxavam por mais, mas disco fechado concerto teminado. Foi muito bonito sentir e testemunhar o carinho e respeito que os músicos em palco demonstraram uns pelos outros, ajudando a criar uma maior ligação até mesmo com quem está de fora. Existe uma alegria e uma energia entre os membros de Pista que parece inesgotável. Está-lhes no sangue fazer ferver o sangue dos outros, incitar quem os houve a libertar qualquer amarra, a deixarem-se ser, a cantarem e a dançarem. E que melhor pista de dança pode alguém desejar?
Resumindo, foi uma noite bastante bonita com três projectos muito diferentes, mas que partilham o inevitável – a derradeira paixão pela música e por aquilo que fazem. O palco é já uma segunda pele para estes três projectos e já só perde quem opta por não testemunhar tamanha comunhão.
Texto – Sofia Teixeira
Fotografia – Ana Pereira
Promotor – Talkfest’16 | APORFEST