Menosprezar hábitos quotidianos não é só sinal de soberba, como consequentemente de profunda ignorância. Constitui, também, exercício de saudável adivinhação. Quando se encontra amigo e se sabe que te interpelará com – então estás bonzinho? Ou aquela amiga que tem o porta-moedas mais roto que calças da malta do grunge e antes de dizer o que comeu, sai sempre com a mesma tirada – fui àquele restaurante, é caríssimo. Às tantas dás por ti e Pauh. Pauh aí vem ele. Pauh aí vem ela. É divertido, é como pegar na chumbeira, derrubar todas as latas e puder oferecer o peluche à gaja com o maior par da secundária. Mas a malta cresce, o que era divertido acaba no mais que esperado – oh, não outra vez. Verbalizas interiormente – sim já sei estou bonzinho, sim foi caríssimo. Na arte dos concertos há exercício idêntico – adivinhar qual a palavra que rima com latir (inserir outra que mais aprouver), ver em que momento nos presenteiam com – Thanks Portugal you are great! ou o pior deles todos quando a sequência guitarra – voz é infinitamente repetida. A crer na última edição de Paredes de Coura os The Soft Moon constituíram a melhor opção para encerramento do Festival. As árvores e a paisagem nocturna, o fim de festa e sobretudo temas dançáveis, entre o post-punk, darkwave e eletrónica são combinação segura e entusiasmante. A juntar três álbuns a merecer críticas favoráveis – Deeper (2015), Zeros (2012) e o mais entusiasmante deles todos o álbum homónimo e de estreia. Temas como Black, Dead Love e Machines ajudam a embalar os corpos e estimulam os movimentos sincopados: esquerda – direita, frente – atrás ou, em alternativa, a ligeiro menear de cabeça. A plateia do Musicbox agradece e entrega-se, afinal estavam lá por eles. O que antes seria surpresa transforma-se em rotina e monotonia. Ora procurando nos buracos da alma oura tentando, numa versão mais dançável, fazer uso por exemplo da percussão de Ninos du Brasil tudo acaba na mesma estrutura rítmica, com mais do que previsíveis combinações na bateria, na guitarra e sobretudo na voz, não sendo raro o tema que não termine com o audível auuuhhhh de Luis Vasquez. Nem mesmo um inesperado stage diving de um dos elementos de Ninos du Brasil constitui sobressalto.
Sobressalto sonoro, variedade rítmica e de criação de texturas tinham-nos servido os Älforjs uma hora antes. Trio de Bernardo Álvares (contrabaixo), Mestre André (eletrónicas e saxofone), Raphael Soares (bateria) que se movimenta entre as linguagens do jazz, da improvisação e de uma boa dose de ritmos tribais, sobretudo na vocalizações do Bernardo capazes de acrescentar diferentes camadas sonoras, mas longe de ser discurso contínuo e monótono, revela-se suficientemente coerente, coeso e sobretudo estimulante – seja via a introdução de diferentes instrumentos, pelo diálogo que estabelecem entre eles e pela acentuada maturidade que revelam para um projeto relativamente recente. Se já tinha sido assim na edição deste ano do Outfest, façamos então agora uso de citação Maoista (“A prática é o critério da verdade”), em homenagem à t-shirt do Bernardo, para acreditar que a revelação estará para breve. Aguardamos o álbum.
A terminar Ninos du Brasil. Trinta minutos para exorcizar espírito e corpo ao ritmo de percussões endiabradas, numa apropriação interessante deste duo italiano. Não sendo o exercício mais inovador, pelo menos tiveram a perspicácia suficiente de entender que uma atuação destas não deve exceder a meia hora. É que exercícios de adivinhação nem sempre são os mais agradáveis.
Texto – João Castro
Fotografia – Daniel Jesus