Não se parecem fartar de nós, os Ringo Deathstarr, e, para todos os efeitos, nem nós deles. Somando-se uma mão cheia de concertos nos últimos anos, a banda texana voltou a uma casa já sua conhecida para mais um, desta feita em antecipação à terceira edição do Reverence Valada, festival também responsável pelas suas duas vindas em 2014. O público lisboeta não acusou desgaste ou sobre-exposição, surpreendendo, aliás, pela positiva a boa casa que o Sabotage teve a uma fria segunda-feira à noite, sendo que o esforço compensou para ver o trio a dar um belo concerto.
Quando se vai escrever sobre um concerto, tenta-se que essa experiência seja insular, distinta de tudo o resto, que se avalie a performance per se. Contudo, como os jornalistas/críticos/repórteres são criaturas falíveis, é inevitável que um concerto seja contaminado pelo seu contexto, ainda para mais se esse contexto for um festival com dezenas de propostas. Por essa razão, o primeiro contacto deste repórter com os Ringo Deathstarr resultou em desilusão, foi uma performance à deriva no mar de distorção enleante que é o Reverence por natureza, destinada ao esquecimento. Mas no Sabotage tudo mudou. Se em Valada o noise pop shoegazy do trio se perdeu numa acústica ao ar livre sob o tórpido calor, na diminuta sala do Cais de Sodré cada tema soou exacerbadamente pesado, compensando a falta de originalidade com puro prazer sónico.
O que mais surpreende nesta comparação é que, no fundo, pouco ou nada mudou na entrega dos Ringo Deathstarr. A base continua a ser a mesma: riffs pegajosos sob camadas e camadas de efeitos, capazes de passar da leveza fugaz de uma neblina para uma tempestuosa cacofonia, enquanto Alex Gehring e Elliott Frazier indolentemente entrelaçam as vozes sonhadoras em coros. Só que nesta noite houve contundência e as canções soaram a canções, desde a longínqua Starrsha a abrir, agarrando de imediato o público, até ao final caótico de Tambourine Girl. Pelo meio deu-se atenção principalmente a Pure Mood, lançado no ano passado, beneficiando temas como Guilt, Frisbee e Heavy Metal Suicide de uma performance absolutamente demolidora de Daniel Coborn na bateria. A despedida foi feita sem encores nem artifícios, até porque a banda se tinha de fazer à estrada para o concerto no dia seguinte em Lyon. Dezasseis horas de viagem, senhoras e senhores, é dedicação.
A assumir as despesas de abertura, Acid Acid, diga-se Tiago Castro, tratou de preparar os presentes com uma “séance” de psicadelismo. Desta vez acompanhado pelo convidado João Paulo Daniel, dos Beautify Junkyards, o radialista voltou a presentear-nos com um fascinante jogo de texturas semi-improvisado. Guitarras presas num devir, batidas algures entre o maquinal e o tribal, tons que surgem da névoa para logo a seguir desaparecer, tudo isto é uma panóplia de sons conspurcados pelo altar de efeitos sobre o qual Tiago se prostra. Na despedida, a entropia cessa e as melodias soam outra vez mais claras, é um piano que se ouve, devolvendo-nos a normalidade. Sentimos de novo os pés no chão.
Texto – António Moura dos Santos
Fotografia – Daniel Jesus