De copo na mão, afasto o sofá, a mesinha, herança familiar, e ligo a aparelhagem. Um charro também ajuda. A rodar New Boys. Os dois desenhamos figura circular e irregular. Os dois. Naquele mundo desenho. Seguindo a letra – Feels like you’re falling | but it passes in time | into a better day | our hearts | our heads. Quebras. Ao meio, em quadrados múltiplos. Não há forma absoluta para a quebra. É felicidade e caminho sem saída, andam sempre de mão dada. Não pensar. Encolher o corpo, contorcer-se e sobre o estômago dar-lhe um nó bem apertado. Podia ter sido ontem, como há vinte anos. O som de Lust for Youth para esses tempos remete – as paixões infinitas, os passeios sem tempo, o universo que se torna incompreensivelmente simples. A idade dos Pet Shop Boys, The Human League, Depeche Mode.
Vais ao bar, aquele longo e negro do Musicbox, pedes um copo e não te aproximas do palco. Qual a necessidade? Sim estão lá – Hannes Norrvide, Loke Rahbek, Malthe Fischer. Estão lá os três, alinhados, sem mais nenhum artifício cénico que a própria música. Não será a música o maior de todos os artifícios? Para quê acrescentar? Dançar, dançar e dançar. Exercício catártico de Sábado à noite, de todos os dias. Imaginas Soho Rezanejad, Kim Bassinger e a Natasha Kinski de One from the Heart. São hologramas. Tal como ela. O holograma que não te abandona. Uma Viscontiana que te consome, sem pedir autorização. Seria preciso? Que te esfrangalha, que te deleita. A imaginação, a impossibilidade.
Hannes Norrvide e seu ar blasé debitando Epoetin Alfa, Armida, temas de International ou qualquer outro do mais recente trabalho (Compassion) não interessa quais. O efeito será forçosamente o mesmo, estejas no meio da sala ou nesta sala – dançar, fugir. O projeto mais assumidamente pop, dark pop, dançável e escuro da Sacred Bones (Pharmakon, Jenny Hval, Blanck Mass e mesmo Carpenter)
No fim, procuras o centro, a mira e tudo continua desfocado. A saída e Copenhaga, não o bar uns metros ao lado, mas literalmente a cidade a norte. O novo sul onde possas conviver com Marching Church, Vår, Puce Mary, Damien Dubrovnik (outro projeto de Loke Rahbeck). Lungomare de mãos nos bolsos, no casaco afundado e de gola ainda levantada. Em frente, porque se a saudade a cantamos como ninguém, a melancolia e a insanidade são património dos nórdicos. De mão dada com ela, talvez.
Na primeira parte, First Hate.
Texto – João Castro
Fotografia – Valentina Ernö (Silvana Delgado)