Com alguma ansiedade por parte dos conhecedores e fãs da primeira edição do festival, começavam a amontoar-se pessoas à porta do Teatro do Bairro naquela sexta-feira, dia 15 de Abril.
Por entre paredes escuras e luzes introvertidas, o público ia chegando aos poucos e muito lentamente. A comandar as hostes, os portugueses Ganso e o seu psicadelismo tropical e monossilábico. Com uma consistência a cheirar a rock’n’roll com ondas psicadélicas, os riffs traziam energia e olhos esbulhados. A voz, em português, com um ligeiro exagero no arrastamento, aquecia o ambiente e tentava soltar o público ainda perdido por entre alguma timidez. Em cerca de meia hora trouxeram à plateia o seu EP – Costela Ofendida e saíram contentes com o resultado.
Ainda em português, seguia-se Sun Blossoms, guiado por Alexandre Fernandes e acompanhado por músicos amigos com quem partilhou o palco. Num registo mais sensual e arrastado, versando o indie pop com contornos de psicadelismo, ondas de alegria e cores abrigavam o palco. A plateia, ainda a compor-se, soltava já movimentos mais extrovertidos e deixava-se guiar pela sensualidade e suavidade. A viagem fez-se por entre “Tonight”, “Summertime”, “Like I Do”, entre outras, tendo terminado sabiamente com “Happy”.
A bordo de uma carruagem, a viagem, desta feita, fazia-se por caminhos de ferro que iam atravessando cidades, rios, mares e paisagens, assim como a música que este quarteto chinês produzia. O palco parecia pequeno para a quantidade de instrumentos existentes e os ouvidos também. Com faixas longas a transbordar experimentalismo, os elementos da banda iam cruzando e trocando de instrumentos sempre com o propósito de criar algo complexo e bem constituído, sem nunca se afastarem das raízes orientais. A verdade é que resulta na perfeição e a mistura de sons que produzem arrasta-nos para uma espécie de viagem espiritual. Os Chui Wan foram uma bela surpresa que nos trouxe o festival.
Era tempo para atravessarmos desertos ao som dos Chicos de Nazca. A música que tocavam penetrava por cada poro livre do nosso corpo. Só precisávamos de fechar os olhos e a magia acontecia. Com um ritmo desconcertante, riffs inquietantes e uma voz penetrante e distorcida, a vontade de levitar e sobrevoar sonhos cruzados era gigante. Uma mistura de estilos que compreendia o psicadelismo, traços leves de algumas facetas de stoner e post rock remetia-nos para uma proximidade com Black Rebel Motorcycle Club, ainda que subtil. A linha estava a ascender e o line up não poderia ter sido melhor organizado.
Regressando ao que de melhor a música portuguesa tem, os 10 000 Russos subiram ao palco e introduziram a sua música com a frase “we all gonna die” em repeat, tal como terminariam depois o concerto. Poder e complexidade pairavam sobre todo o palco. Ouviam-se distorções e ruídos vindos de mundos paralelos acompanhados por gritos ofegantes e angustiantes. O rock que tocam transforma-se em tudo e em nada de concreto, misturando energias e ansiedades. Assistimos a uma mistura de psicadélico com fuzz e kraut, com distorções robóticas e alucinantes que nos conduziriam a universos irreais e transcendentes. O trabalho em live act de Ana Jorge, representado por brincadeiras e mesclas de líquidos projectadas atrás dos rapazes, contribuiu em muito para o transporte. Quase uma hora de viagem por onde o público se perdeu e rendeu.
Para finalizar a noite e já com um longo atraso sobem ao palco os preformers The Underground Youth. A imagem e as poses eram o seu principal propósito. A acompanhar, uma saborosa mescla entre post punk, shoegaze e rock psicadélico. Ao longe sentia-se a influência demarcada de Joy Division. Típicamente oriundos do meio underground londrino, a sua música dava primazia ao baixo e a uma linha contínua e coesa que nem extravasava nem decaia. O clima era pesado e intenso, quase que proporcionava um transe bonito e profundo que também se poderia tornar um tanto aborrecido por vezes. No entanto, tudo se conjecturou de maneira a criar um bom término ao primeiro dia de festival, criando vontade e sede por mais.
Já passava das 4 horas quando as luzes se apagavam e o corpo pedia descanso. O dia a seguir prometia completar a harmonia do festival.
Texto – Eliana Berto
Fotografia – Nuno Cruz
Evento – Lisbon Psych Fest 2016
Promotor – Killer Mathilda