A última semana de Abril e a primeira de Maio deixou de ser somente sinónimo de dias de luta e liberdade ou de fim-de-semana alargado quando as coincidências do calendário assim o determinam, como nos últimos anos, doze para ser mais exactos, é também romaria entre o São Jorge e a Culturgest e resgatar da pré-reforma a caneta fluorescente que desde os tempos de faculdade tinha ficado esquecida para sublinhar toda e mais alguma proposta do IndieLisboa. Das secções que mais se destacam encontra-se a dedicada aos documentários sobre música – Indiemusic – e a sua extensão em versão concerto e festa – o Indiebynight.
Independentemente dos argumentos apresentados, seja via da quantidade e qualidade da oferta, seja de cariz mais biográfico de músicos/bandas, produtores ou sobre estúdios, editoras, festivais, movimentos musicais, seja em formato série, mencionemos a título meramente exemplificativo Vynil de Rich Cohen, Mick Jagger e Martin Scorsese ou através do prestígio alcançado via Óscares, duas nomeações em cinco, sendo que Amy de Asif Kapadia ganha o prémio para melhor documentário da edição deste ano, o facto é que este tipo de objecto suscita cada vez mais interesse tendo como resultado mais imediato sessões se não esgotadas pelo menos com salas bem compostas. A sessão escolhida, até por remeter para a realidade portuguesa, mais próxima, mas também muitas vezes desconhecida foi A Long Way to Nowhere de Caroline Richards.
A Long Way to Nowhere traça o percurso da banda conimbricense/londrina The Parkinsons. Aliás é na cidade portuguesa que se começa a desenhar o retrato – a origem dos seus membros, a ligação a bandas como os Tédio Boys, a urgência em sair, a escolha de Londres e as agruras da adaptação. O crescimento e o fim. Durante os 99’ de duração – os primeiros concertos, a pancadaria e a falta de condições, o reconhecimento internacional em Londres, dos grandes festivais em Inglaterra e da Tour de 25 datas no Japão e sobretudo o séquito de fãs incondicionais que vai granjeando em Portugal. Algo longo e por vezes repetitivo ganha espessura quando assume uma componente mais humana – a crónica falta de dinheiro, as expectativas não correspondidas, as pressões de um mercado repleto de milhentas de bandas como é o inglês, as mudanças na formação sobretudo de bateristas, a fobia do Pedro Chau em relação ao palco, a separação mais que inevitável. No fundo, a síntese de rock n’ roll way of life. Percurso comum a tantas outras bandas. Enferma em querer passar uma imagem de The Parkinsons como percursores de um movimento, talvez o tenham sido, talvez tenham estado no momento certo na cidade certa. Teria sido interessante entrevistar bandas que entretanto singraram para dar maior validade ao argumento apresentado. O documentário deve também e muito ser um ponto de partida para discussões mais aprofundadas. Há uma visão demasiado unilateral, digamos. A procura de um contraponto enriqueceria o resultado final, não desmerecendo o trabalho da banda e da realizadora, que foi imenso, mas sobretudo para o enquadrar. Teriam existido os The Parkinsons sem a experiência anterior dos Tédio Boys? Foi somente a falta de uma boa edição em disco que levou ao fim da banda? O que mudou para que não seguissem o caminho trilhado por outras bandas que surgiram nessa altura? Foi somente a falta de cobertura mediática de um dos concertos?
Foram muitas as perguntas, e ainda bem quando tal acontece, durante a subida até ao Liceu Camões para o concerto que se seguiu. A mesma energia que transbordava do ecrã agora ao vivo e a atitude de confronto também. As longas interpelações do Afonso Pinto, a energia do Victor Torpedo, mesmo sem correr o risco de partir novamente os dois joelhos e a timidez do Pedro Chau, expressa na nega que dá ao Victor quando, já no final, todos tiram a t-shirt. Está lá tudo. Não aparece o homem nu, ou pelo menos não se despe, eles não se despem, os The Fat White Familly serão os seus novos herdeiros neste aspeto, e o pessoal continua a fazer stage diving, muitos a medo, como quem experimenta água fria, no fundo há que ter cuidado com o i-phone para não se perder o Uber.
O concerto de Parkinsons é uma encruzilhada no tempo. A nostalgia de momentos pelos quais todos passámos seja através dos primeiros concertos de punk, mais tarde de hardcore ou a geração mais nova através de bandas como as Pega Monstro, por exemplo. Havia sangue, havia vontade de mudança, de criar, mesmo sem se saber como. Os Parkinsons são os fiéis herdeiros de uma época, mas quererão eles só isso? Queremos que eles sejam só isso?
Texto – João Castro
Fotografia – Jorge Buco
Evento – IndieMusic / IndieByNight / IndieLisboa 2016