Luís F. de Sousa é um amante da música. Para ela transporta uma parte de si e de todos e tenta ganhar conforto e alento para seguir o caminho certo da tranquilidade que o faz feliz. Membro dos MAU e com composições próprias a querer ganhar vida, Luís decide mostrar ao mundo as suas composições. No próximo dia 20 de Maio vai revelar o seu primeiro trabalho editado pela Tapete Records – Heart Beats Slow – e mostrar que mesmo que as batidas da música tenham um ritmo mais acelerado, o coração pode continuar a bater serenamente.
Trata-se de um álbum composto por 10 faixas e um total de 45 minutos e está feito com o sentido de o ouvinte se deixar levar. Traz consigo uma atmosfera de fumos de cores pastel e camadas de sintetizadores suaves, sóbrios e conscientes. Por vezes o guião passa por loops mais negros e espessos, não deixando de se tratar sempre de uma composição bonita que nos faz lembrar a nostalgia de olharmos para fotografias de rolo onde estão momentos de férias de verão com amigos e fins de tarde na praia. A electrónica é suave, complexa e envolvente, criando o desejo de planar sobre uma nuvem de ar quente. Encontram-se influências de Radiohead, M83 e Fever Ray.
O Música em DX aproveitou a aproximação do lançamento do álbum para conhecer a história do lobo e do que está por detrás dele.
Música em DX (MDX) – Queres falar da relação existente entre o teu despedimento e a criação de Mira, Un Lobo! ?
Luís –Não teve uma ligação imediata, mas coincidiu. Foi em 2011. Eu trabalhava há cerca de 7 anos numa produtora de televisão e acabei por ser afectado pela crise e, como muita gente, fui dispensado. Isso obrigou-me a estar em casa e a dedicar-me à música a full time. Apesar de adorar música, naquele momento, se me dessem a escolher entre uma coisa e outra, se calhar preferia ter continuado a trabalhar… De certa forma, a música ajudou-me a ultrapassar esse momento e foi o meu equilíbrio durante cerca de 2 anos. Acabou por me ajudar, deu-me colo de alguma forma e foi uma espécie de diário musical daquilo que se estava a passar na minha cabeça, as minhas emoções e tudo o que estava a sentir naquele momento.
MDX – Porque decidiste criar o álbum sozinho? Não sentes necessidade de ter mais alguém?
Luís – Coincidiu com a altura em que eu estava a compor o último disco dos MAU (a minha última banda). Houve algumas composições que não se enquadravam, no meu entender, naquilo que eu estava a fazer para MAU e que estavam a criar um espaço só delas. De certa forma estava a descobrir-me de outra maneira a nível musical e comecei a gostar tanto das músicas que estava a fazer, paralelamente ao disco que estava a terminar, que achei que fazia todo o sentido mostrá-las ao público. E claro, já não faria sentido ser como banda porque fiz o disco sozinho e era uma coisa muito biográfica, muito minha, muito pessoal. Foi assim que surgiu Mira, un Lobo!.
MDX – O que aconteceu com MAU?
Luís – O autor e compositor não pára de fazer música. Os MAU são um nome, tal como Mira, Un Lobo!. Todos os temas de MAU têm a minha composição, nem todos têm as minhas letras, mas está ali a minha mão presente nas falhas e nos sucessos, no que eu acho que é competente e no que eu acho horrível e do qual tenho alguma vergonha. Só muda o nome. Eu acho que as bandas fazem sentido enquanto tu tens pessoas que te queiram ouvir. Quando começas a perceber que o interesse não é muito e quando te esforças em concertos para meia dúzia de pessoas que se calhar nunca ouviram falar de ti, por mais que tu te esforces com a promoção do teu próprio bolso, começas a perceber que o esforço que tu emprestas à música e à banda não é proporcional à receptividade que tens por parte do público. Começas a achar que não vale a pena e eu acho que foi isso que aconteceu com os MAU. Sentimos que era de alguma forma injusto, principalmente quando havíamos criado as nossas melhores composições e o nosso melhor disco. Ou seja, no nosso melhor, foi quando tivemos menor sucesso e menos atenção por parte da imprensa. Há varias razões que podem justificar isto, mas para nós foi extremamente desgastante e eu acho que esse cansaço e frustração, esse sentir que estamos a batalhar contra uma parede demasiado dura, é que nos fez parar. Parámos no momento certo, no nosso entender, porque o último disco, na minha opinião e na opinião dos outros elementos dos MAU, foi o melhor disco. Sentimos que, pelo menos ao nível da composição, saímos com nota positiva.
MDX – E porque Mira, Un Lobo! ?
Luís – Porque soa bem. Gosto da sonoridade do nome e gosto da mensagem que transmite, no sentido de apontares o dedo os teus medos. O lobo tem um bocadinho esse simbolismo de medo, de perigo. É engraçado nós apontarmos os nossos medos, quando, na realidade, o medo está dentro de nós próprios. O problema somos nós, não é um bicho lindíssimo e incrível, que provavelmente tem mais medo de ti do que tu dele. Achei que tinha graça essa analogia.
MDX – Mas ligas o nome à música?
Luís – Esse período serviu, de certa forma, para me ajudar a superar também esses medos, esses receios. Tu seres despedido é extremamente violento, às vezes nem é tanto por uma questão financeira, é o facto de estares a ser dispensado. De repente não és importante para a empresa onde estás e lidar com isso é complicado. Serviu para te reassegurares que, como toda a gente, tens o teu valor e que se calhar não és assim tão mau como esse acontecimento te fez sentir. É uma forma de exorcizares esses teus medos, receios e inseguranças, portanto acaba por estar um pouco ligado dessa forma, mas não foi uma coisa pensada, isto sou eu a pensar à posteriori.
MDX – Qual é a mensagem que pretendes transmitir com este projecto?
Luís – Não há propriamente uma mensagem. Primeiro porque não é um disco conceptual, não houve um pré – conceito. Quando comecei a trabalhar, ele surgiu naturalmente. Eu raramente faço as coisas de uma forma pensada, tanto que as letras nunca me surgem primeiro… saem sempre em consequência da melodia que eu criei. Era o que te dizia há pouco. Não é propriamente uma mensagem…eu sinto o disco como uma espécie de colo musical. Acho que te faz sentir bem… é aquela melancolia que, apesar de ser triste, não te deprime, acaba por te fazer umas “festinhas” na alma e no ego, pelo menos é assim que eu sinto as músicas e foi isso que elas me deram durante esse período. Quando as ouço hoje em dia é isso que sinto. É quase um disco de catarse em que exorcizas as coisas todas más que te acontecem na vida e que celebras a tristeza mas não de uma forma depressiva, porque a tristeza também tem o seu lado belo, também tem a sua beleza. Com este disco foi isso que eu consegui perceber, adaptei-me bem a essa beleza e não a vi como um perigo mas sim como uma coisa natural, que faz parte da vida, que também é bonita e que eu também gosto de observar de vez em quando.
MDX – Quais são as tuas influências?
Luís – As minhas influências são muitas. Ouço muita coisa diferente. Gosto de ouvir várias bandas e vários géneros musicais. A minha principal característica é que eu não sou nada saudosista na música. O que eu gostei muito nos anos 90 não ouço agora, por exemplo. É muito raro recuperar esses discos. Por acaso, ultimamente tenho recuperado o Sufjan Stevens, porque é um artista que me faz bem relembrar de vez em quando, mas na maioria das vezes gosto de estar sempre a ouvir coisas novas, a pesquisar, a ver os blogues, testar novas sonoridades. Tudo acaba por me influenciar. Não te sei dizer nomes específicos que me tenham influenciado aqui, mas posso dizer aquilo que algumas pessoas identificaram na minha sonoridade. Houve um blogue inglês que disse que o som de Mira, Un Lobo! se encontrava a meio caminho entre M83 e Fever Ray, ou seja, entre o lado sombrio e se calhar mais depressivo e perverso de Fever Ray, e o lado mais explosivo e mais épico de M83. Eu gostei dessa descrição.
MDX – E Radiohead?
Luís – Radiohead foi durante muitos anos a minha banda favorita, está-me no corpo. Foi provavelmente a banda que acompanhei durante mais tempo. O disco que me marcou primeiro foi o The Bends, depois o OK Computer. É um álbum incrível! Mas o que realmente mudou a minha forma de ver a música e a começar a perceber que a electrónica não tinha de ser uma coisa repetitiva e cíclica, que não te leva a lado nenhum, aborrecida, que não tem mensagem nenhuma, que não tem melodia, foi o Kid A. É um disco que mudou, de certa forma, a minha vida e eu acho que essas influências continuam comigo. Daí se calhar teres sentido isso no disco.
MDX – Também pela imagem…
Luís – Talvez, agora que falas nisso… o ilustrador que fez o desenho, o Carlos Alexandre, tem um traço que realmente se assemelha. Eu percebo a associação e ele se calhar também tem essa influência…tenho ideia que também gosta de Radiohead.
MDX – O que é para ti a música?
Luís – A música é o meu equilíbrio. A música ajuda-me imenso. Só não é a minha vida porque é muito difícil viver-se da música em Portugal ou pelo menos viver-se da música que nós gostamos realmente de fazer em Portugal e eu tenho dificuldade em fazer coisas que não gosto. Seria difícil estar a fazer coisas meramente pelo valor comercial. Mas é o meu dia-a-dia. Não sou capaz de passar um dia sem ouvir música, não sou capaz de passar 2 horas sem ouvir música. A composição é o meu momento de confissão… uma coisa quase religiosa, quase exotérica, não se explica, é uma necessidade que eu tenho permanente, e por mais ocupado que eu esteja, por mais complicada que esteja a minha vida, ou por mais feliz que esteja a ser a minha vida nesse momento, preciso sempre de recorrer à música, preciso sempre de despejar para ali qualquer coisa.
MDX – Já me respondeste mais ou menos a isto, mas se tivesses de escolher a banda da tua vida, qual seria?
Luís – Provavelmente Radiohead, sim. Mas escolhia mais que uma: Radiohead na génese da minha aprendizagem enquanto compositor, porque eu nunca soube tocar nenhum instrumento, portanto fui aprendendo mais com o que ouvia do que propriamente com aulas de música. Nunca tive aulas. Depois gosto muito de The Books, com quem comecei a perceber o sentido do sampling, que não era uma arte que eu valorizasse muito, mas eles ensinaram-me a samplar coisas orgânicas, sons de caixas a bater no chão, misturado com violoncelo e dar um sentido melódico ao sampling que eu até aí desconhecia e que é incrivelmente bonito. Depois gosto muito de bandas como Arcade Fire, The Knife…São vários os nomes.
MDX – O que significou para ti o teu CD ser editado por uma editora internacional?
Luís – Uma lufada de ar fresco, uma réstia de esperança, porque a visão que eu tenho do mercado da música, não só nacional, mas principalmente o nacional que é aquele que tenho mais perto de mim, é muito negativa. Eu percebo perfeitamente que as pessoas tenham receio de apostar em coisas diferentes porque, efectivamente, não se vendem discos. Percebo que as editoras em Portugal tenham de ter uma cláusula em que recebem uma percentagem dos concertos dos artistas, porque é a única forma de conseguirem algum dinheiro, mas também percebo que foi a própria indústria discográfica que criou este problema ou que ajudou a criar e isso é extremamente injusto para os artistas que não têm culpa nenhuma. Obviamente que estas coisas não aparecem do céu, tens de trabalhar, tens de investigar, pesquisar, descobrir editoras lá fora, dares-te ao trabalho de mostrar, insistir, e eu tive a sorte de ter resposta de algumas, e todas lá de fora. Nem uma portuguesa, o que também é algo triste, mas que percebo. Acontece… e ainda bem. Tive resposta de editoras da Bélgica, Dinamarca, Alemanha e acabei por optar pela Tapete Records porque me pareceu a mais sólida, a que tinha mais nome no mercado e que conseguia distribuição no mundo inteiro. Depois a oportunidade de também fazer a edição em vinil (eu nunca tive um disco editado em vinil e foi algo que me entusiasmou) e, claro, gostei muito do lado honesto e cru do dono da editora, sem prometer o impossível. Mas até agora tudo aquilo a que ele se comprometeu, tem cumprido e está a ser uma experiência completamente diferente de todas aquelas que eu tive no passado. Não se compara o tratamento, a honestidade e o respeito que têm pelos artistas.
MDX – Já tens algumas reacções às faixas que já saíram?
Luís – Do público português ainda tenho uma noção muito pouco exacta do que é que se está a passar. Noto por pessoas que conheço do meio que reagem muito bem, noto de alguns radialistas que conheço que se calhar não se entusiasmavam tanto com coisas que fiz para MAU e que estão entusiasmados com este novo projecto. Mesmo antes disto tudo acontecer e da editora ter aparecido, já tinha lançado algumas coisas lá para fora e a blogosfera internacional tinha dado um feedback muito positivo. Logo aí tive um input importante e um boost de confiança de que, se calhar, o que estava a fazer funcionava, se calhar tem alguma qualidade. Começo a ver isso agora cá, de uma forma algo diferente, porque nós somos muito reservados e temos alguma dificuldade em gritar as nossas emoções e gostos ao mundo. Eu em Portugal tenho história e lá fora não tenho e isso às vezes também ajuda, acho eu. Mas a reacção tem sido francamente positiva, estou muito satisfeito.
MDX – E o que é que estás a programar para Mira, Un Lobo! ?
Luís – O meu plano é não programar nada. Tem sido assim com Mira, Un Lobo! desde o início e tem resultado. Mesmo ao nível de concertos ao vivo, que à partida seriam uma consequência lógica, eu ainda não tenho a certeza se é isso que quero fazer. Eu queria acima de tudo mostrar estas músicas, que são muito importantes para mim, e perceber se as pessoas sentem o mesmo que eu, ou se sentem alguma coisa parecida com aquilo que eu sinto quando as ouço. Esse era o principal objectivo. Têm-me estado a tentar convencer para tocar ao vivo e vamos começar a marcar ensaios para ver como é que a coisa funciona, porque isto foi um projecto feito no meu quarto. É electrónica feita no quarto com computador, teclados e pouco mais, por isso vamos ver como resulta como banda. Eu acho que pode funcionar bem mas ainda não tenho a certeza qual vai ser o próximo passo. Para já é falar com vocês, dar algumas entrevistas, falar sobre o disco… Eu gosto de falar sobre o disco e tenho muito orgulho nele. O que aí vem logo se vê.
MDX – E quem é que vai tocar contigo?
Luís – Hão-de ser elementos dos MAU, seguramente. Eu gosto de me rodear das pessoas de quem gosto e os elementos dos MAU são, e sempre foram, meus amigos. São sempre músicos que eu admiro e que gostam muito daquilo que eu estou a fazer. Isso também é importante. Foram as primeiras pessoas a encorajar-me a mostrar as músicas ao público e é a eles que vou recorrer, certamente.
O álbum Heart Beats Slow de Mira, Un Lobo! sai na próxima sexta-feira, dia 20 e o Música em DX aconselha a todos a sua audição. É garantida uma viagem bonita.
Entrevista – Eliana Berto
Ilustração – Carlos Alexandre
Artwork – Marco Silva
Fotografias – Manuel Manso