Diplomacia será certamente a derradeira palavra que associamos ao Carlos, Carlos Costa que nestas questões de altos cargos públicos convém não esquecer colar apelido ao nome. Depois de ter passado os três degraus da escada em tijoleira e olhar com mais atenção não há dia em que o homem que comanda o Sabotage não nos receba sem aquele sorriso de olhos semicerrados, copo de cerveja na mão ou pronto a servir uma imperial e sempre com o tabaco de enrolar perdido entre o bolso das calças e a agenda das antigas que parece ter sido gamada a qualquer taxista do Intendente. Falar do Sabotage Rock Clube, e aqui não é meramente apelido, é mesmo nome, é falar de resistência, de uma vida dedicada à música, na vontade de criar espaços que constituam uma verdadeira alternativa aos que existem na cidade, seja através de editoras de referência, mencionar a Clean Feed é hoje descrever centenas de títulos do que mais estimulante se edita na área do jazz, da música improvisada e experimental, e da casa do Cais do Sodré é recuperar à parte alta da memória os concertos de vendaval máximo, das bandas que se passa a adorar como se se tratasse da última bootleg editada pelos Sonic Youth. São todas as noites em que o fumo e o teu casaco são a mesma peça.
Entranha-se não há volta a dar. Impregna-se esta vontade de descobrir. A segunda noite de celebração teve muito de passeio nocturno, com bebedeira incluída, seria de esperar menos?, de destapar o que nos últimos meses, e meses não é inexactidão cronológica, se tem feito por estas bandas. De Birds Are Indie, a Evols a Ricardo Martins + Filho da Mãe.
O Trio de Coimbra Birds Are Indie, constituído por Ricardo Jerónimo, Joana Corker e Henrique Toscano, que acabam de editar Let’s pretend the world has stopped e que se auto define como happy/sad pop demonstrou uma desenvoltura bem característica de quem anda por estas e outras bandas há já largos anos. Mais happy pop que sad arriscaríamos dizer conseguiram, através de sucessivos diálogos com o público, criar o clima propício e desejado de festa – afinal são três anos e muito bem passados, atrevemo-nos novamente a dizê-lo. Entre temas novos e de EP’s anteriores, sempre numa linha melódica bem conseguida, privilegiando e dignificando as letras, e por consequência a mensagem que as mesmas devem transmitir, e a construção de canções.
Descontração, boa disposição e desta forma criando o mote para o que viria a seguir – Evols. Quinteto a e do norte, entre a terra dos caxineiros e o Porto, entre o rock de melodias e a (em) construção de camadas vocais, três guitarras, baixo e bateria, num crescendo rítmico à prova de naifadas muito bem esgalhado, a denotar que a interligação entre os diferentes instrumentos não tem por que ser martelada, nada contra o vinho do Cartaxo, e é trama engendrada com delicado saber a remeter para vinho maturado em pipas de carvalho e um pouco de 7up, que isto de cruzar épocas não é privilégio de milleniuns, mas de todas as gerações. A banda sonora exigida para os pores, sim dizemos sandes, do sol à beira Cávado, e se não no Palco Taina, pelo menos com o verde tinto de Barcelos e disco na mão – II (Wasser Bassin). Haverá poiso mais perto do paraíso do que este? (A estação de serviço da Apúlia não vale como resposta).
Por fim Filho da Mãe + Ricardo Martins. Ambos dispensam apresentações. E ambos fazem dupla demoníaca. Os cornos com que Rui (Filho da Mãe) costuma terminar os seus concertos não é só sinal de agradecimento, é manifestação primitiva de energia pura, de ambos, mas que ganha outra expressão com a bateria musculada do Ricardo. Vai-nos permitir o Rui, mas onde entra o Ricardo é outro nível que se atinge, foram os ecos de Jiboia + Ricardo Martins, na última edição de Mucho Flow e é assim com Papaya. É altura para shot duplo, e assim o fizemos.
O diplomata atrás do balcão aí está de copo na mão e sorriso de olhos cerrados. Sair do Sabotage de gatas não é só celebração é condição. Rock n’ roll motherfuckers!!!
Texto – João Castro e Nuno Cruz
Fotografia – Nuno Cruz