Palco na penumbra de um holofote. Foco nos dedos esguios e longos, que germinam nas teclas pretas e brancas do piano. Perfil que sobressai no cinzento aparado de uma cauda que acompanha a do piano, a de um casaco subido no prolongamento do pescoço alto. Timidez na solidão de abrir um concerto numa sala imponente e muito acima do vulgo “composto”.
Excepção à regra da pontualidade britânica, ansiámos longos 20 minutos para o ter ali, ligeiramente acima do piano mas na simplicidade assustadora que o caracteriza. Benjamin Saint-Clementine 27 anos, dois álbuns de sonorização de uma poesia visceral. De cabeça voltada para o público em perfil, movimenta a perna direita subindo-a deixando perceber que está descalço (como já é hábito). “More you love me, more you hurt me” (I Won´t complain), num olhar fixo para a sala que já o aclamava apenas no segundo tema de aquecimento d’alma.
O inesperado “Condolence” (por ser no início do concerto) em que se junta a bateria (percussão), tranquilizando-o por não continuar sozinho. O quinteto de cordas sobressai no terceiro rasgo de luz no palco. Pancadas certeiras e rápidas nas teclas que fogem dos violinos que entram na pressa de acompanhar a voz determinada e seca “The decision is mine” (Adios). O silêncio da sala que se projecta no prolongar do soprano de Benjamim e que desce, apenas numa nota, aos graves do violoncelo. Dedos que dançam nas estrofes e que ditam os últimos compassos da melodia. As cordas continuam no respirar impulsivo da voz, “Don’t you ever forget to treat others the way you want to be treated” (Nemesis) e terminam nos toques conjuntos da bateria e do piano.
Pausa para conversa, do tempo quente que sabe bem, do Dia da Criança em resposta a uma voz que se ouve numa frase desenquadrada (“euromilhões”?) no meio do público. Alguém lhe grita “Puto” e ele repete (na tradução portuguesa de “Kid”). Risos descontraídos, vindos do palco e do público, como em preparação para mais hora intensa de concerto. Mais dois temas arrebatadores “London” e “Cornerstone”, numa cumplicidade com o piano, onde os dedos se movimentam a uma velocidade incrível como se exorcizassem os fantasmas do passado (“I´m lonely, lonely in a box of my own”). Depois de um cover de Jimi Hendrix (“Voodoo Child”), Benjamin Clementine despede-se agradecendo e, em jeito de conselho diz: “let tomorrow be tomorrow”. Os músicos saem do palco, as 5 meninas das cordas e o baterista que curiosamente tocou também descalço!
Primeiro encore com “Winston Churchill´s Boy”, o violoncelo surge no final da primeira estrofe a deixar que o piano respire na melancolia das suas próprias notas. Nesta altura Benjamim tinha o público na ponta dos seus delicados dedos e manejava-o como marionetas. Já nos tinha dito que não sabia português, mas mesmo assim “atirou-se para fora de pé” e cantou Seu Jorge (“Tive Razão”). Só o consegui confirmar no trautear do refrão! Chamou as meninas e o menino (grande músico!) e num agradecimento de banda despediram-se. Algumas pessoas já estavam a sair da sala, mas as palmas estridentes e o bater clássico dos calcanhares no soalho do Coliseu não pararam. Benjamim regressou sozinho ao palco e ao piano para um único tema, “St-Clementine-On-Tea-And-Croissants”. Um Adíos cantado, intercalado entre graves e agudos, entre ele e nós numa sintonia arrepiante. E foi finalmente um “obrigado” prolongado que deu o final a uma noite magnifica, de uma poesia honesta e melodias perfeitas.
Texto – Carla Sancho
Fotografia – Luis Sousa
Promotor – Sons em Trânsito