A semana estava a começar e com ela o último concerto da digressão de Mark Lanegan. Aconteceu na passada segunda-feira, dia 30, na Sala Manoel de Oliveira do Cinema São Jorge.
Após uma passagem pelo anfiteatro natural de Paredes de Coura no verão passado que, apesar da sua beleza e envolvência naturais, não trouxe uma sintonia ou química perfeitas, Mark Lanegan regressa a solos lusos. Desta feita, num cenário mais apropriado a ele e à sua música.
Para abrir o espectáculo, cerca de 20 minutos de Lyenn, o baixista da banda que acompanha Mark. Sem o baixo e apenas na companhia de uma guitarra, este cantautor deixou muito a desejar. A voz tremia e ele também. Por trás dum pano de timidez e insegurança, tocava acordes suaves e fáceis com os dedos enquanto acompanhava com a voz gélida a melodia. A voz da qual era dono era bonita, apenas precisava de ser melhor colocada e usada. O auge do concerto atinge-se no momento em que decidiu dar um grito prolongado e acordar alguns adormecidos com a faixa “Seeds and Semen”.
Logo de seguida, sem tempo para pausas, entra em palco Duke Garwood, um dos guitarristas que acompanha Mark na estrada e com quem partilhou o álbum Black Pudding em 2013. Com ele, apenas uma guitarra e um microfone, num registo muito similar ao do seu antecedente. No entanto, do similar destacava-se a diferença e podíamos saborear um concerto menos amargo que o anterior. Com uma voz mais madura e grave traz folk experimental com traços de country e subtilezas de blues. Os acordes são mais trabalhados e ritmados e a voz consegue roçar no estilo americana.
Estávamos, sem a menor dúvida, preparados para ouvir Mark Lanegan.
Luzes avermelhadas, os quatro elementos vestidos de preto, ambiência profunda, serena e intimidante. Seria este o cenário do grande mestre durante a 1 hora e meia em que nos encantava e rodeada com a sua poética densa e pesada. Uma aura triste, coberta de beleza e harmonia, num fundo misterioso duma sombra que já passou por muito e tem muitas histórias para contar. Um corpo cheio de vivências musicais e partilhas de palcos e uma mente coberta de sabedoria e carisma encontravam-se diante de nós, à meia-luz, prontos para nos encher a alma e guiar ao mais profundo e escondido sentimento.
A jornada começava com “One Way Street” e indicava-nos o percurso e rumo que o concerto iria tomar. A voz seca e rouca entra suave e calorosamente pelos ouvidos e conforta o coração mais frio. A temperatura sobe de imediato e o aconchego que se sente é de tal maneira saboroso que apetece parar o tempo e ficar ali. Aquele homem, sábio nas suas artes e pouco dado à comunicação, tem em eu poder um encantamento magnético e forte. Quase que se nota o cheiro a Bourbon pelo ar e se ouve o rugir da madeira das portas dum pequeno clube americano.
O instrumental que o acompanha é consistente e corpulento. Não há bateria, mas também não faz falta. A intensidade cria-se com as cordas e é acompanhada pela majestosa voz em tons aveludados.
Durante o concerto, por entre as covers habituais, os originais “Mirrored”, “The Gravediggers Song”, “Judgement Time”, “Torn Red Heart” e “One Hundred Days”. Para o encore que iniciou com um profundo e sentido agradecimento ao público, “Driver”, “Mescalino”, “I Am The Wolf”, “Bombed” e “Halo Of Ashes”. Nesta última, o grande guitarrista Jeff Fielder brinda-nos com um solo brilhante, tocado como se o mundo fosse acabar naquele instante. É com esta luminosidade idílica que se retiram a passos lentos Mark e Jeff, já sozinhos no palco para as últimas duas músicas, e nos deixam com uma sensação de completude e nostalgia que nos acompanharia nos dias seguintes.
Após o concerto, num toque melancólico de quem já não precisa de ser tão sério, Mark vai para a porta da sala dar autógrafos e cumprimentar os fãs.
Texto – Eliana Berto
Fotografia – Jorge Buco
Promotor – Everything is New