Tínhamos prometido e eles cumpriram. Foi com uma curta mas altamente recompensante prestação que os Vircator se apresentaram na passada quinta-feira no Lounge, dando sinais de que o conjunto está preparado para voos mais elevados. Tocando sem palco e perante uma parca audiência, podemos arriscar dizer que o concerto se revestiu de um certo intimismo, quiçá um sentimento partilhado de que se estava a apreciar um segredo (ainda) bem guardado.
Ignorando todo o manancial de referências cosmológicas que acompanham a estética da banda, o que os Vircator oferecem é rock instrumental construído com classe, tendo como naturais referências as intermitências embutidas no ADN do pós-rock, intercalando a calmaria melódica com os crescendos de peso, mas também com um certo gostinho pela distorção carnuda mais próxima do rock desértico. Isto faz deles uma daquelas bandas versáteis, que tanto podem tocar num auditório para gente sentada, num festival onde o calor e aroma a chamon reinem ou numa pequena sala fumarenta, sempre com o mesmo grau de convicção.
Já passava mais de meia hora do tempo previsto (o síndrome Cais-do-Sodré a atacar novamente), quando o quarteto descolou, ironicamente, com The Clock, tema que patenteia o cerne daquilo que os Vircator têm para oferecer: um início de aparente tranquilidade, estabelecendo uma bela melodia central, que paulatinamente cresce para resultar em assomos de intensidade, rematando a música com um gélido lead de guitarra a irromper pela propulsão rítmica. A fórmula mantém-se mais ou menos esta, e pode parecer repetitiva, mas a verdade é que os Vircator apresentam destreza suficiente para refrescá-la de música para música, sendo um complemento perfeito para aqueles fantasmagóricos filmes de exploração espacial cheios de grão, ou, pelo menos, para as eventuais experiências que Roy Batty teve no Ombro de Órion ou junto às Portas de Tannhäuser.
Ao longo dos 8 temas tocados, o quarteto apresentou-se altamente coeso, o que não surpreende. Afinal de contas, o seu At the Void’s Edge foi gravado ao vivo em estúdio e também aí a banda se mostrou extremamente compacta, mas ainda assim mostraram no Lounge como ao vivo têm um incremento de potência na forma como atacam as suas músicas. Assim foi em Warp Speed, que no caos sonoro encontra a tranquilidade avassaladora de quem entra no hiperespaço, nas voltas e reviravoltas de Analog (que conta, provavelmente com o melhor riff do álbum) e em Tunguska, cujo melancólico pendor representa fidedignamente o que deve ter sido estar no cenário desse misteroso evento nos nenhures siberianos. Depois de revelarem uma promissora música nova, Bismuth marcou o fim da viagem com uma explosão orgástica de wah-wah a transportar para outra dimensão. O rótulo de segredo bem guardado não lhes fica mal, mas decerto que os Vircator preferirão continuar a quebrar barreiras.
Texto – António Moura dos Santos
Fotografia – Nuno Cruz