Thee Oh Sees, Ty Segall, White Fence. 27 de Maio 2010, 25 de Outubro 2014, 29 de Maio 2016. Passo a passo, constância, persistência tanta e encerra-se, se nos circunscrevermos à forma geométrica por excelência, um triângulo que mais do que simbolizar a união entre a cidade de Lisboa e a comunidade de rockeiros hiperactivos de São Francisco, representa um sentido de lógica programática que não só não é despicienda, como deve ser enobrecida numa altura que Lisboa vive uma idade dourada no que concerne à música ao vivo, nem sempre nas melhores condições técnicas, ressalve-se.
Perscrutando por trás deste labirinto não é descabido adensarmo-nos por entre os muros e começar por elogiar o trabalho de Cristiano Nunes, o técnico de som da ZDB. Trabalho que se vem forjando ao longo dos anos, com a mansidão das serranias do sul, e que é indissociável para a celebração a que se assistiu nessa noite de Domingo com a banda de Tim Presley. Um palco quase inexistente, o ar condicionado que dependia do grau de abertura da porta do aquário fazem parte de um património comum e que converge para um sempre saudável sentimento de nostalgia, mas a diferença na qualidade de som é lembrança bem presente e que temos a certeza será recordada em conversas futuras sobre concertos memoráveis. Sobretudo, quando nos deparamos com um intricado de guitarra e vozes em toada garage –rock, psicadelismo, lo-fi onde as cambiantes melódicas são bem mais importantes que a construção de uma densidade sonora, tanto no que respeita a White Fence como a Alek Rein, a banda de abertura.
Mantenhamo-nos lineares. Perdemo-nos já nesse dia. Alek Rein, em banda, que significa não só mais instrumentos mas variantes que acrescentam mestria ao que de muito e bom, o também ele algarvio, vem fazendo. Um boss à nossa escala. Um boss, não o que enamora multidões somente com guitarra e harmónica, mas porque, tal como o rapaz de New Jersey é de um sobrevivente que falamos. Sobrevivência pela mudança de músicos que o acompanha, pelo disco tão ansiado e que tarda em sair, pelas condições em que já tocou e a elas soube resistir (exemplo 20.20.20). Um trio que se vai encaixando e sedimentado organicamente. A bateria presente e a marcar as guias para as vocalizações e guitarras etéreas e inspiradas, não certamente por Trotsky como alguém atirou da plateia, de Alek. Cada vez mais sólido, a carecer de uma voz feminina quem sabe à la Polly Jean, e que permitiriam ao mesmo tempo, não só um diálogo estimulante como ainda abririam um campo de possibilidades harmónicas com que vem trabalhando. O caminho estava aberto para entrega cerimonial.
Com a entrada de Tim Presley e o seu séquito a dança dos minotauros teve início. Uma plateia ansiosa, devota e entregada que particamente esgotou a sala. Não são necessários os ecos da actuação nas margens do Tabuão o ano passado ou caucionar com o trabalho hercúleo enquanto produtor e músico de obras magistrais como Is Growing Faith (2011), Cyclops Reap (2013) ou For The Recently Found Innocent (2014). As doses são servidas na exacta proporção entre o respeito pelo passado psicadélico da costa oeste, a voz arrastada e as guitarras cujas cordas parecem ser puxadas uma a uma na exacerbação de um lado atmosférico que casa na perfeição com uma noite primaveril de Domingo. Longe da criação de afectos, palavra tão em voga desde a nova vaga marcelista ou do amor propalado através de emojis. Sem concessões, os temas são destilados a bom ritmo, de que destacamos And by Always, tema de abertura , I’ll Follow You, Long White Curtain ou os de encerramento Sterr e Sandra (When the Earth Dies). Sem palavras de ocasião, simplesmente música.
Domingos, dia de eucaristia, e que para o casarão na esquina da Rua da Barroca se transformou, este ano, em dia santo – Marching Church e White Fence aí estão para nos converter aos novos rituais.
Texto – João Castro
Fotografia – Daniel Jesus
Promotor – Galeria Zé dos Bois