No passado dia 07 de Junho o Sabotage Rock Club recebia mais uma noite Reverence Underground Sessions com Os Mutantes como convidados. Tivemos o privilégio de assistir ao soundcheck da banda, sem Sérgio, ausente por motivos de descanso.
Após o concerto, cheios de curiosidade, conseguimos trocar umas palavras com o pai do movimento tropicalista e único membro da formação original que se mantém n’Os Mutantes, Sérgio Dias.
Música em DX (MDX) – Depois de uma longa pausa (78 – 06) o que vos fez voltar?
Sérgio – Foram as próprias músicas que fizemos de 1968 até 70 e tantos que começaram a ser ouvidas pelos formadores de opinião do mundo inteiro. Houve uma pessoa que foi muito importante: o Bill Bartel, que apresentou uma K7 ao Kurt Cobain e o Kurt ficou maluco com as músicas e mandou-nos uma carta. O David Burns entrou em contacto comigo também a pedir autorização para fazer uma colectânea e eu dei-lhe a sugestão das músicas e depois disso começou imensa gente (Belle and Sebastian, Sean Lennon, etc) a pedir para voltarmos. Então no Barbican Hall, ia acontecer uma mostra sobre a tropicália e alguém falou com o curador que aquilo não tinha sentido sem Os Mutantes. Ele respondeu que não podia fazer nada porque nós já não existíamos mas isto saiu ao contrário para imprensa e começaram a dizer que nos estávamos a reunir para tocar no Barbican. A partir daí começámos a receber telefonemas de tudo o que era sitio, a rádio começou a dizer que já andávamos a ensaiar e nós começámos a ligar uns para os outros. O Dinho não tocava há uns 27 anos e ele disse-me que se eu quisesse ele tocava. Quando ele disse isto a ficha caiu e eu pensei que era mesmo algo sério. Então decidimos juntar-nos e ver o que acontecia. Fomos todos para o meu estúdio, tocámos e a magia estava lá. O desafio era muito grande porque tínhamos 3 meses para fazer um espectáculo inteiro digno do que somos. O Arnaldo tinha diversos problemas, o Dinho não tocava, havia muitas coisas complexas para acertar. A Liminha pensava que só devíamos tocar 3 músicas e ir embora e eu recusei-me a isso, se íamos tocar juntos tocávamos 20 músicas! E depois tínhamos de fazer um disco novo. Então ensaiamos e no Barbican demos o nosso primeiro concerto depois da pausa e foi fantástico. Quando entrei no Barbican esperava encontrar pessoas da minha idade e só tinha garotos e isso deu-me um senso de responsabilidade para com eles enorme. Eu não podia simplesmente abandonar aquelas pessoas! Então comecei a trabalhar, o Arnaldo saiu de novo, para variar, por causa da mulher, mas eu resolvi fazer o Haih que foi o primeiro disco depois do intervalo. E continuámos a fazer isso e depois veio o Fool Metal Jack e não sei o que vem pela frente. Mas basicamente a razão foram vocês, até hoje ainda é.
MDX – O que é que o Kurt Cobain vos disse na carta?
Sérgio – Pediu para nos reunirmos, para voltarmos a tocar. Isso está na internet. Infelizmente nunca viu nenhum concerto nosso, morreu muito antes mas foi uma ferramenta importante. E dediquei o Haih ao Bill Bartel, que teve muita importância no nosso reaparecimento.
MDX – Como conseguem manter este sucesso ao longo de tantos anos?
Sérgio – Honestamente, a fazer o que gostamos. Se não nos apetecer não fazemos. Ninguém n’Os Mutantes faz música por causa de dinheiro, sucesso ou fama. Não temos nenhum disco de ouro e isso é genial. Nós temos o coração das pessoas e não existe prémio maior que esse. A realidade disto é a honestidade, ser sempre honesto e fazer sempre música porque nos apetece se não, não dá.
MDX – O que é que prefere, anos 60 ou actualidade?
Sérgio – Actualidade, lógico! Não sou saudosista nem penso no passado. Por exemplo, os discos novos que fizemos não têm absolutamente nada a ver com o passado d’Os Mutantes, são discos completamente novos que reflectem o que somos agora e não uma tentativa de fazer outra “A Minha Menina” ou algo parecido. Muitas pessoas diziam para não fazermos discos novos porque íamos estragar o nosso legado, mas se és uma banda tens de ser uma banda viva e arriscar, se for mau, será! Mas Graças a Deus tivemos uma excelente aceitação e foi maravilhoso! Estamos com 5 estrelas em todo o lado e tivemos mais uma nomeação para os Grammys. Não há nada que esteja a dar errado, eu olho para trás e vejo o yellow brick road, é mais ou menos isso.
MDX – E sobre o movimento tropicalista?
Sérgio – É o resultado de Caetano, Gil e nós. Nós somos a tropicalia e estamos muito orgulhosos, é algo muito bonito. Foi a nossa resposta ao Flower Power americano, aos motes que aconteciam. Eu estive aqui em 68, quando Salazar estava no poder e não havia Coca-Cola, só schweppes e eu não conseguia perceber porquê, era porque era americano! Nós passávamos pelas ruas com o cabelo comprido e vestidos de maneira estranha e as mães iam fechar as janelas porque supostamente éramos perigosos. Aqui não podia haver homossexuais e nós fingíamos que éramos no táxi para assustar o motorista. Divertimo-nos muito.
MDX – Qual foi a maior loucura que cometeram?
Sérgio – “É Proibido Proibir” com Caetano Veloso. Foi algo muito sério para o Brasil e para o Mundo. Foi um momento muito especial.
MDX – Quais são as suas bandas preferidas?
Sérgio – Eu oiço tudo!! Ou melhor, ouvia! Porque há 9 anos que ando na estrada e não tenho tempo para ouvir nada. As duas últimas coisas que gostei muito foi o último CD do David Bowie, o Black Star, que é um escândalo! Aquilo é morrer e trazer de volta o que é a morte, ele é muito mais que um génio, é dotado de uma iluminação absurda. Outra pessoa que respeito muito e adoro é a Anoushka Shankar, que é a filha do Ravi, que foi meu mestre. Adorei o que ela fez com a música indiana e com o flamenco no disco Travelers, é maravilhoso!
MDX – Gostava de saber a vossa opinião sobre estas Underground Sessions.
Sérgio – Nada acontece no mundo sem o underground. Imaginas por exemplo o Cristóvão Colombo no início a querer provar a todos que a terra era redonda e que ele podia chegar a qualquer lugar? Mais underground que isto não há! Todos os movimentos que foram acontecendo no mundo vieram do underground. Sem o underground não há possibilidade de crescimento!
MDX – E qual é a sensação de tocar num palco pequeno?
Sérgio – É igual. Quando a música toma conta de ti tu não sabes onde estás. A maior parte do tempo estava de olhos fechados.
MDX – E como acha que correu o concerto?
Sérgio – Foi maravilhoso. O contacto com o público é uma delícia.
MDX – Estão a preparar algum trabalho novo?
Sérgio – Estamos a pensar em gravar um disco novo ainda este ano, não sei quando sai mas talvez gravemos este ano.
Esperamos ansiosamente por esse disco Sérgio! E esperamos também que continuem a percorrer o mundo a espalhar o calor da tropicália. Obrigada aos Mutantes por esta noite e obrigada ao Reverence Valada e ao Sabotage Club por nos fazerem felizes.
Entrevista – Eliana Berto
Fotografia – Luis Sousa