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Arigatô, amigos, voltem sempre!

Como já está bem assente no folclore futebolístico português, não se devem fazer prognósticos senão no fim. Um domingo quente, abafado até, de Verão podia ser um mau augúrio para receber uma banda que cá esteve há um ano na mesma casa, até porque o calor convida á preguiça, mas a história foi outra. De regresso à Galeria Zé dos Bois, os Kikagaku Moyo tiveram a honra, esse conceito tão nipónico, de serem recebidos com casa cheia, fazendo o calor da exígua sala subir consideravelmente pela calidez do seu rock psicadélico, não obstante algumas derivações mais delicadas.

É um pouco ingrato falarmos da primeira parte encabeçada pelos Asimov, isto porque já tivemos o prazer de os ver encerrar o Sabotage há algumas semanas atrás. Sem querer cair nos lugares comuns da escrita, podemos dizer que Carlos Ferreira e João Arsénio foram uma bela escolha para preparar o palco para os japoneses, servindo o seu característico rock saído de um caldeirão que junta javardice proto-punk Hendrixiana à sensibilidade psicadélica em construir temas envolventes. The Major’s Ship, She’s Heading West, Nothing in Return e On Through The Night foram alguns dos temas que deixaram o público em brasa e mostrando que, apesar da vitória desta noite ser nipónica, o contingente português não lhe ficou nada atrás.

 

Tímidos, os Kikagaku Moyo subiram ao palco insuspeitos, apenas apelando ao público para se deixar levar em transe, pedido perfeitamente escusado, já que daí partiriam para a primeira de várias jornadas hipnotizantes. Devendo tanto ao krautrock quanto à fórmula psych nascida no seio da contracultura americana, o que realmente distingue este quinteto de Tóquio das demais propostas é a refrescante mistura que fazem desta base com a música tradicional do seu país, criando um registo que lhes permite explorar mais possibilidades. Sim, é verdade que a sitar não é propriamente um instrumento autóctone do Japão, mas o conjunto incorpora-a sem espinhas na sua sonoridade, conferindo-lhe um exotismo muy desejável e uma capacidade ímpar de criar melodias tão alienígenas quanto belas.

Essa influência folk sentiu-se particularmente no último LP da banda, House in the Tall Grass, privilegiando a beleza melancólica em detrimento da veia mais rock que tinha caracterizado os trabalhos anteriores, o que se notou em concerto. Independentemente da qualidade de temas como Green Sugar ou Kogarashi (esta última podia ser banda sonora de uma cena na neve de um filme indie), a sua placidez introspectiva foi eclipsada pelo poder de temas como Smoke & Mirrors ou Streets of Calcutta, composições labirínticas de riffs carnudos, passagens de sitar por competindo ou juntando-se a solos de guitarra e inquietantes e grooves que tornam a comum actividade de estar quieto numa demanda impossível.

Como é costume nestas coisas do rock psicadélico, poucas músicas bastam para que o fim chegue inesperado, e aqui não foi diferente, tratando Dawn, do seu primeiro álbum, de assinalar o fim. Contudo, perante um público sedento por mais, à medida que iam saindo do palco, os Kikagaku Moyo denunciavam um ar de contentamento tal que um encore teria de ser inevitável, e assim foi. Kodama, tema simples, devendo novamente mais à folk que ao rock, tratou de encerrar gentilmente uma noite perfeita para entrar na semana de trabalho com a cabeça nas nuvens.

 

Texto – António Moura dos Santos
Fotografia – Luis Sousa