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Sean Riley & The Slowriders, A viagem aquecida pelo sentimento

Após uma pausa de cerca de 5 anos, os Sean Riley & The Slowriders voltaram a dar sinais de vida e o resultado foi o quarto álbum da banda, homónimo e um regresso que, garante uma nuvem leve e coberta de emoções e sentimentos à flor da pele.

Lançado no dia 8 de Abril, o álbum compõe-se de 10 faixas e traduz-se numa viagem coberta de sentimento. Com uma maior maturidade tanto na construção como na maneira sábia de usar as palavras e acordes, este álbum é o reflexo de experiências, pensamentos e direcções. A melancolia que contém encobre-se numa beleza e genuinidade puras, tornando-se um vício e entranhando-se nos ouvidos e no corpo. Algo indispensável de se ter e se ouvir. Será, garantidamente, um dos discos do ano.

O Música em DX não conseguiu ficar indiferente a esta viagem e aproveitou o lançamento do álbum e a época veraneia de concertos e festivais que se aproximam para, no início de Maio, trocar umas palavras com Afonso Rodrigues, o frontman da banda e saber mais sobre o álbum e este regresso.

Música em DX (MDX) – O que aconteceu entre 2011 e 2016?

Afonso – Aconteceu tanta coisa. Quase todos nós mudámos radicalmente de vida: toda a gente mudou de cidade, toda a gente teve novos projectos profissionais e toda a gente teve mudanças drásticas a nível pessoal. Desde logo uma coisa tão simples como tanto eu como o Filipe neste momento vivermos em Lisboa, que na altura era algo que não acontecia. Depois envolvemo-nos em projectos bastante diferentes: o Bruno esteve 1 ano em Timor, eu entrei para os Keep Razors Sharp, mas o mais engraçado é que, apesar de todas essas coisas que aconteceram, que podiam ter-nos enviado em direcções muito diferentes, continuámos e, mal as coisas estabilizaram, voltámos todos a querer estar juntos e a fazer música juntos. Assim que passaram todas essas mudanças, alterações e necessidade de experimentar, todos quisemos voltar aquele conforto de fazermos as coisas juntos e isso é muito bom.

MDX – Estavam à espera duma aceitação tão boa como esta?

Afonso – Nós não quisemos pensar nisso, honestamente, porque isso podia ser um bocadinho limitador no sentido daquilo que nós queríamos fazer. Não queríamos pensar nisso e não pensámos nisso. Só começámos a ter alguma noção de algo próximo disso quando o disco estava feito, gravado e começámos a mistura-lo, ai é que começámos a perceber que íamos ter um lado de lá com o qual tínhamos de lidar. Este disco foi o nosso disco mais fechado a nível de criação de sempre, foi um núcleo duro, se houver 3 ou 4 pessoas que ouviram as músicas antes foi muito. Não houve muita permeabilidade, não ouvimos a opinião de ninguém, criámos as nossas coisas no nosso mundinho e só mais tarde nos apercebemos que ia haver um lado de lá, que do outro lado do telefone ia estar outra pessoa que podia não dizer aquilo que nós queríamos ouvir. Nós estamos num sítio que é: nós quisemos muito fazer isto e teríamos voltado a fazer tudo igual só pela experiência que tivemos e pelo que tirámos disto e pelo prazer que nos deu. Também não tínhamos muito receio, se não corresse bem não corria. Claro que seria desonesto da minha parte dizer que não é melhor ter uma reacção positiva, claro que é! Até porque em última análise fazes as coisas em primeiro lugar para ti, mas também porque esperas que haja alguém que se identifique com o que tu fazes e claro que é óptimo.

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MDX – Como é sentirem este carinho todo?

Afonso – É reconfortante. Colocas tanto naquilo que fazes, trabalhas imenso e esforças-te. Queres chegar a algo que seja para ti interessante do ponto de vista criativo e depois quando vês que realmente há pessoas que valorizam, que se revêm e que de alguma forma se identificam, isso é o melhor retorno que podes ter. Sentires que tudo o que tu fazes acaba por ecoar em alguém, sentires que do outro lado há pessoas que sentem exactamente aquilo que estás a fazer e se identificam com isso é bastante gratificante e acaba por te dar vontade de continuar a fazer coisas.

MDX – Sentem-se mais maduros neste momento?

Afonso – Sim, passaram quase 10 anos desde a nossa formação e é normal que sim. É uma altura crucial em que estás a passar dos meios 20’s para os meios 30’s, onde dás alguns saltos na maturidade. Mas por outro lado, costuma-se dizer que somos eternas crianças, ou seja, há sempre uma parte de nós que nunca vai crescer. Portanto acho que há aqui um balanço e, normalmente, as coisas boas estão no meio. Há aqui alguma maturidade, algum tipo de disposição para com o mundo que reflecte aquilo que é a nossa idade, mas por outro lado também há uma adolescência eterna. A música reflecte precisamente isso, esse encontro entre esses 2 universos de formas de estar tão distintas que são as coisas mais sérias e as coisas mais ingénuas onde nos levamos menos a sério a nós próprios.

MDX – Quem escreve as vossas letras?

Afonso – Sou eu.

MDX – São autobiográficas?

Afonso – Parte sim. Eu não escrevo ficção pura, eu escrevo realidade ficcionada. Ou seja, eu parto sempre de um sítio qualquer que eu conheço, algo que tenha sido experienciado por mim ou por alguém que me é próximo e depois a partir dai posso contar uma história ou construir uma história; depende da ideia que me interessa passar, porque às vezes a realidade não é assim tão interessante, às vezes, para tornares uma história real interessante é preciso ficcionar alguns factos. Portanto tende a ser sempre um bocadinho de mistura, nunca escrevi nada de pura ficção, vem sempre de um fundo de verdade que eu conheça.

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MDX – Quem escolheu o artwork do álbum?

Afonso – Fui eu. Normalmente quando tenho um disco feito ou quando estou a fazer um disco tenho sempre uma ideia do que é que quero na capa e normalmente depois trabalho sempre com os fotógrafos na tentativa de obtermos essa imagem que eu tenho em mente e foi o que aconteceu neste caso. Eu tinha encontrado uma imagem na net de uma pessoa que por acaso depois vim a saber que conhece pessoas que me são próximas, mas que eu não conhecia. Essa fotografia que eu tinha encontrado era mais ou menos aquilo que eu pretendia para a capa. Falei com o fotógrafo, com quem já trabalhei várias vezes, e fizemos uma recriação da outra imagem com uma modelo, um sítio, os objectos. Foi uma imagem totalmente composta, não há ali nada fora do sítio, foi uma imagem criada de raiz para ser capa do disco com essa finalidade e com esse propósito.

MDX – Porquê preto e branco? Tem a ver com a aura existente à volta do álbum?

Afonso – Sim. Eu acho que o disco é muito a preto e branco. Eu sempre vi isso desde o início, eu ainda não sabia que músicas exactamente iam estar no disco e já sabia que o disco ia ser a preto e branco. Eu acho que as canções e as palavras já têm tanta informação que era interessante ter um layout que fosse minimal e que fosse despido, se não teríamos uma overdose de informação.

MDX – Qual é o segredo da “Dili”?

Afonso – É tu teres alguém que te é próximo e que está a viver do outro lado do mundo e falares com essa pessoa e perceberes pela experiencia dele lá que há problemáticas que têm a ver com a distância e que se reflectem em relacionamentos interpessoais. A “Dili” nasce de eu estar a falar com o Bruno e perceber melhor quais são as dificuldades que nós temos quando estamos a viver num mundo distante, noutro continente, com um fuso horário diferente, a 24h de distância de avião. Estás efectivamente isolado e essa distância cria-nos alguns problemas ou questões que nos fazem reflectir. Essa canção nasce dessa reflexão de algumas situações que encontras na vida quando estás sozinho a muitos milhares de km de distância.

MDX – Como é que se tornou tão viciante?

Afonso – A essa parte não sei responder, eu fiz a minha parte que foi escreve-la. Foi uma canção a que eles reagiram logo todos muito bem na banda e, quando assim é, deixo ir, confio neles e o resto pronto, aconteceu! É o tal retorno das pessoas e a forma como as pessoas se relacionam com a canção… Mas aí já é algo que nos é externo e não controlas.

MDX – Sean Riley é a tua alma e Keep Razors Sharp o teu lado selvagem?

Afonso – Acho que a alma também tem lados selvagens. Aqui é tudo uma grande família, somos todos bastante amigos e bastante próximos, fazemos todos música juntos em projectos separados e alguns de nós vamo-nos juntando aqui e acolá. Portanto é uma grande família que temos aqui e é fantástico pertencer a ela e acho que sim, musicalmente são coisas bastante diferentes mas têm também a ver com os inputs que cada um dá em determinados contextos. Quando nós chegámos a Razors, cada um de nós vinha de coisas diferentes e estávamos todos a fazer algo que nos interessasse e naquele momento foi aquilo, da mesma forma que com os elementos de Sean Riley. Portanto, é explorar coisas diferentes com as pessoas certas e acho que é mais por ai. Identifico-me com tudo o que vem dos 2 lados porque eu sou parte integrante e criativa nos 2 processos, portanto é obvio que eu tenho de me identificar com tudo aquilo fazemos dos 2 lados, eu acho é que é um privilegio poder ter 2 canais de expressão em vez de 1 único porque, naturalmente, há coisas que quero fazer que não cabem Slowriders e que posso fazer em Razors e ao contrário igual e isso, para mim, é óptimo.

MDX – Quando é que sentiste que a música te fazia feliz?

Afonso – Do ponto de vista do ouvinte em muito pequenino, talvez com os meus 8 ou 9 anos já tinha muito aquela coisa de agarrar nas k7’s que queria ouvir e por no walkman e ir andar de bicicleta e lembro-me de fazer isso no bairro enquanto andava na escola primária, portanto do ponto de vista do ouvinte descobri muito cedo que a música me podia fazer bem, melhor. Do ponto de vista da criação fui fazendo algumas coisas quando era miúdo, aos 12, 13 anos tive a minha primeira banda e ia fazendo algumas coisas para brincar. Depois deixei-me disso durante alguns tempos e só aos 20 e tal é que acertei com a escrita das canções. Aos 22 ou 23 é que percebi que a música era algo que eu queria mesmo fazer e percebi o impacto que tinha1 sobre mim fazer música e tocar música. Para mim, é capaz de ser a única coisa no mundo que me faz verdadeiramente desligar e onde me consigo abstrair de tudo e mais alguma coisa. Não é quando estou no mar nem a correr, é quando estou a fazer música que encontro aquele momento da minha vida em que verdadeiramente desligo. Quando percebes isso torna-se meio viciante, uma droga que te traz sempre um bem estar.

MDX – E essa banda aos 12 anos?

Afonso – Era uma banda com o Pisco, que hoje em dia é o baterista de Slowriders, mas ele era o vocalista e guitarrista, ele é que era a estrela, eu só tocava um bocadinho de guitarra lá atrás, mas era uma coisa de miúdos de liceu, era tipo rock dos anos 90 ou parecido.

MDX – E próximas datas?

Afonso – Estamos ainda a marcar coisas. Vamos a um sítio muito querido que é o Festival Aleste na Madeira, feito numa praia artificial virada para o Atlântico e vamos depois a mais uns festivais (Alive e mais) e ainda temos umas quantas datas que em breve serão anunciadas. Acho que vai ser um bom verão e um bom ano.

MDX – Gostas de tocar em festivais?

Afonso – Adoro! Gosto muito de auditórios. Com Slowriders não gosto de clubes, prefiro fazer auditórios, mas tocar em festivais é sempre fantástico! Eu sou muito festivaleiro, sempre fui a festivais desde miúdo, vários por ano, normalmente. Já fui a centenas de edições de Paredes de Coura, Alive, mais como público que a tocar, mas é uma energia que eu gosto, gosto daquela coisa de estar lá toda a gente a ouvir música e de ser verão e estar tudo descontraído, beber umas cervejas e ver concertos, para mim isso é o ambiente perfeito! Então tocar nesses ambientes, para mim, é ouro sobre azul.

Sean Riley & The Slowriders vão estar já amanhã no Palco Heineken do NOS Alive e, anunciaram na semana passada que fazem parte do cartaz da próxima edição do Vodafone Paredes de Coura e o Música em DX aconselha todos a não perder estes concertos e, muito menos, o álbum.

Entrevista – Eliana Berto
Fotografia (Corpo) – Mike Ghost
Artwork (Capa) – KID