Por alturas em que sair este artigo já será tarde demais, Portugal já terá sido coroado campeão europeu, pelo que o restante lead pouco valor de notícia trará ao leitor, mas tentemos à mesma. Calhou Denzel Curry estrear-se em Portugal no mesmo dia em que a Selecção se apurou para as finais do Campeonato Europeu de Futebol, resultando do feliz acaso do destino um casamento de sonho. A performance do rapper da Flórida já se avizinhava intensa, mas a sua junção ao gaudio celebrativo resultou num cocktail explosivo de energia que apenas pecou por curto.
Este tem sido um bom ano para Denzel Curry: novo álbum, Imperial, que tem sido aclamado e bem promovido sem apoios de editoras, recente indução para a Freshman Class da publicação norte-americana XXL e tours por esse mundo fora têm sido alguns dos pontos altos em 2016 para o jovem que só este ano é que teve autorização legal para tirar a carta de condução. O falatório tem sido muito e o hype também, restando apenas tentar perceber como é que isto se traduziria ao vivo. Muito bem, felizmente.
Quem se apresentasse no Musicbox antes da hora do concerto poderia cair no erro de assumir que este teria começado precocemente dado o ajuntamento de corpos aos saltos em frente ao palco, mas não. Os cânticos e urros em uníssono deveram-se à mestria com que Mike El Nite, ele próprio um rapper de respeito, preparou um set de bangers escolhidos a dedo para deixar o ambiente a fervilhar. Tarefa cumprida, suadouro incrível instalado ainda nem Curry tinha metido os pés no palco.
Quando o rapper finalmente se apresentou, a atmosfera atingiu o ponto de rebuçado. Bastou falar da vitória lusa para fazer irromper um coro selvagem, e ele nem precisava de o fazer, já que a antémica ULT trataria de fazer incutir o mesmo sentimento, seguida da frântica Gook e da biográfica Story: No Title. Aqui confirmámos as nossas suspeitas, Denzel Curry possui tanta destreza na língua em CD quanto ao vivo. Apesar de se imiscuir no meio Trap, Curry tem um estilo mais ortodoxo e lírico, fazendo passar mensagens fortes e jogos de palavras inteligentes transmitidos numa entrega rápida e tecnicamente exemplar, sem nunca esquecer a noção de canção.
Contudo, há algo mais no jovem nascido no febril estado da Florida, algo de mais extremo a influenciar o rapper que disse em 2013 estar a misturar “Slayer with that 2Pac shit”. Não é coincidência a apropriação dos “devil horns”, tornando o conhecido símbolo no “U” de ULT, assim como parece pouco provável que alguém que nunca tenha estado num concerto pesadote pedir ao público para fazer um Wall of Death, momento em que a intensidade atingiu o apogeu da noite. Curry possui um certo ethos “Punk”, que se traduz em urgência e agressividade dificilmente controladas e que fazem dos seus shows catarse colectivas em torno de temas como Zone 3 ou Knotty Head.
Assim se passou uma hora a correr e, especialmente, a saltar. O set girou muito à volta dos seus temas mais intensos, mas como a vida não pode ser só luta, houve tempo para o hedonismo de Ice Age e Flying Nimbus e deixar o braggadocio soar no Musicbox. No entanto, na memória fica o fim com dois dos mais memoráveis temas de Curry: Threatz, posse track feroz e sério aviso à concorrência, e Ultimate, banger absoluto finalizado por Curry em acapella numa demonstração de virtuosismo e palavra de ordem que rege toda a persona de Curry – confiante, contestatário, vigoroso e dotado daquela raiva juvenil de quem sente que tudo é possível. Depois deste concerto, ficámos com a sensação que sim.
Texto – António Moura dos Santos
Fotografia – Daniel Jesus
Promotor – Cultural Trend Lisbon| Gin & Juice