Que canseira. Ainda não refeita da festa rija que tomou conta do país vencido o Europeu, a horda metaleira deste pequeno rectângulo encheu o MEO Arena para receber os lendários Iron Maiden. O corpo ressentiu-se, a cabeça ainda latejava, mas foram sacrifícios justificados perante uma das mais dedicadas bandas que, com mais de quarenta anos de idade, continua a dar um tremendo espectáculo. Volvidos 3 anos desde a passagem nesta mesma casa, a banda britânica voltou com Book of Souls para nos brindar com novas canções e velhos clássicos que temos na ponta da língua.
Nota de intenções: avisa-se aos leitores e leitoras de que a passagem dos Iron Maiden no Super Bock Super Rock de 2008 foi, sucintamente, o melhor concerto que este repórter experienciou na vida. Este espectáculo não o conseguiu igualar, o que não tem mal nenhum. Não existem maus concertos dos Maiden, é uma impossibilidade singular tal como tentar dividir um número por 0. Confesso ser algo ingrato fazer uma reportagem de um concerto de Iron Maiden porque, pelo menos para mim, é tentar analisar aquilo apenas se deve sentir. É uma experiência íntima dissecada e espraiada em trechos de texto insuficientes, em que as partes nunca correspondem ao todo.
Ainda antes de recebermos os Maiden de braços abertos, tivemos de gramar com os The Raven Age. Não iremos perder muito tempo a falar deles, já que nada mudou desde que o quarteto abriu para Gojira na sala ao lado há precisamente um ano atrás.
Continuam a brindar-nos com a mesmice faux-épica, indecisa se quer ser Melodeath ou Groove Metal, não aquecendo nem arrefecendo. Nada contra os rapazes, que parecem ser simpáticos e, medindo a reacção do público, até entretiveram bem o MEO Arena, mas já estava na hora de arranjarem outros predicados para embarcarem nestas grandes tours que não o facto do guitarrista ser filho de Steve Harris. Nepotismo é uma coisa muito feia, como se sabe.
Chega finalmente a hora. O público cessa de fazer ondas, a Doctor Doctor (dos míticos UFO) deixa de ecoar e os anúncios nos ecrãs dão lugar a um vídeo num CGI charmosamente trapalhão, onde um Eddie estilo espírito da natureza lança o Ed Force One dos confins da selva para uma viagem mística. A banda sobe ao palco decorado de motivos maias e a saudade dá lugar à euforia. If Eternity Should Fail, tema épico a abrir o Book of Souls, lança o público num frenesim e toda a gente solta uma pinguinha quando Bruce Dickinson profere as sempiternas palavras “Scream for me, Portugal”.
Book of Souls, o seu décimo-sexto álbum, não é apenas um pretexto para continuarem a tocar ao vivo, apesar de, naturalmente, a malta preferir ouvir aqueles tomos de Heavy Metal. Há aqui real empenho e a continuação de uma visão artística por parte de uma banda a envelhecer com graciosidade. Speed of Light e Death or Glory cumpriram com distinção a sua função de malhas aceleradas, já The Red and the Black e Book of Souls foram dois épicos repletos de tudo o que adoramos nesta banda: linhas vocais memoráveis, aquele baixo galopante, o triplete de guitarras em contantes variações melódicas, apesar de nem sempre ser os pormenores que fazem da música dos Iron Maiden um banquete auditivo de Heavy Metal.
Nem tudo foram rosas é certo. O facto deste concerto se realizar no MEO Arena praticamente sabotou “A priori” a possibilidade deste estar ao mesmo nível de certames anteriores. A infame sala e a sua acústica tenebrosa fizeram do som normalmente cristalino dos Iron Maiden uma confusa mixórdia, sendo por vezes difícil discernir solos e passagens que só sabemos estarem lá porque conhecemos estas músicas de coração. Ninguém sofreu mais com isto do que Bruce Dickinson. Custa dizê-lo, ainda mais sabendo que o homem acabou de recuperar de um cancro na garganta, mas a voz do vocalista já não tem o fulgor de outros tempos, o que, aliado à cacofonia instrumental, o fez cantar com mais esforço que mestria.
No entanto, para uma banda com malhões como The Trooper e Powerslave, o som deficitário é um mero contratempo. Os Iron Maiden são daquelas bandas que em cima do palco são maiores que a vida, escapismo no seu melhor expoente, espectáculo bombástico com a dose exacta de teatro e substância. Poucas bandas podem dar-se ao luxo de ter um figurante vestido de zombie em cima do palco ao qual o vocalista arranca um coração a fingir para depois sacrificá-lo numa pira cerimonial ou ter uma versão gigante da sua mascote içada no cenário e mesmo assim não serem consideradas patetas ou a tentar compensar a falta de substância. São contadores de histórias por excelência, com contos de invejável qualidade como Hallowed be Thy Name, Fear of the Dark ou Children of the Damned.
O encore foi proporcionado com toda a pompa e circunstância que se espera dos Iron Maiden. Chamas subindo, um boneco demoníaco a fazer-lhes companhia e Number of the Beast a atirar-nos a todos para o lado negro da vida. Com Steve Harris vestido com uma camisola de Portugal e Bruce Dickinson fazendo um apelo ao metal como espécie de unificador dos povos, Blood Brothers, excelente tema da fase neo-Maiden, provocou algumas lagrimitas másculas e por fim, Wasted Years foi o hino saudoso que não poderia ter encerrado a noite de melhor forma. Quando as notas deixaram de soar, o que se viu foi o que sempre se vê num concerto de Maiden – alegria despudorada, reflectida na cara de todos, os novos com tshirts do Killers e os velhotes que já cá andavam quando esse álbum foi criado por uma banda que, na verdade, é de todos nós.
Texto – António Moura dos Santos
Fotografia – Luis Sousa
Promotor – Everything Is New