Apesar do calor infernal que se fez sentir até mesmo de madrugada, foi morno o primeiro dia desta edição do Super Bock Super Rock. Com a capacidade do recinto longe de ser testada e os concertos de Kurt Vile, Jamie XX e Disclosure a não fazerem jus às expectativas desejadas, só mesmo as boas vibrações de Benjamin, a relação apaixonada do público português com os The National e o virtuosismo dançável de DJ Shadow retiraram o dia da mediania.
Falhada a hipótese de vermos Alek Rein estrear o palco Antena 3 com o seu folk rock autoral, chegámos mesmo assim a tempo de ver outro adepto do cançonetismo tomar o púlpito. Falamos de Benjamim, Luís Nunes de seu nome, que usa a nobre língua de Camões para trovar ensolaradas canções pop. Mesmo com alguns soluços no início, o alvitense e sua banda proporcionaram um fim de tarde deliciosamente lânguido com Auto-Rádio, Volkswagen e Os Teus Passos como pérolas de uma coroa que teve como maior jóia a ternurenta colaboração com A.P Braga em Rosie.
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O enleio pela via das guitarras continuou, mas não como desejámos. No palco EDP e com bom público para o ver, Kurt Vile voltou a Portugal para assinar uma prestação competente mas não memorável. Bem sabemos que o seu carácter taciturno é essencial para criar álbuns do poder emocional de b’lieve I’m goin down…, mas é também responsável por criar uma cortina impenetrável entre ele e a audiência. Mesmo com temas da qualidade de I’m an Outlaw ou Waking on a Pretty Daze, o misto de introversão e indiferença que Vile apresenta autossabotam-no e, francamente, ele também não deve querer saber disso para nada. Até mesmo o seu último grande single, Pretty Pimpin, foi tocado com um comedimento desencorajador para quem esperava vibrar com Vile. Talvez as coisas tenham mudado quando começaram a soar os primeiros riffs de KV Crimes, mas não ficámos para comprovar, porque se seguiriam os The National.
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Nas relações à distância que realmente resultam, as duas partes aguentam-se à bronca uma sem a outra durante largos períodos, mas nunca demasiado tempo, e o retorno é sempre tão intenso como da primeira vez. A dos The National com Portugal já dura há mais de dez anos e, apesar do Meo Arena estar a meio gás, lá estavam eles, os seus tão dedicados fãs, mesmo tendo em conta que a banda não lança nada de novo desde que nos visitaram, neste mesmo espaço, há três anos. Mentira, o quinteto trouxe alguns temas novos, como The Day I Die e Find a Way, que não se desviam muito da fórmula de Indie Rock de arranjos luxuriantes e toada sorumbática aperfeiçoada em High Violet e Trouble Will Find Me, os álbuns que serviram de base para esta noite. Don’t Swallow the Cap e I Should Live in Salt deram início a uma actuação envolvente onde a empatia entre público e banda foram constantes. Matt Berninger, sempre corcovado sobre o microfone como se as palavras que cantava lhe doessem horrores para sair, nem precisava de tê-lo feito, já que as primeiras filas podiam ter assumido esse calvário por ele. No fundo, a grande crítica que podemos deixar é relativa a nós próprios, que nos dirigimos para o Palco EDP enquanto a arrepiante England se aproximava do fim. Erro crasso.
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A chegada ao Pavilhão de Portugal revelou exactamente aquilo que esperávamos, um melting pot de gentes dançando alegremente ao som de Jamie XX, estilo “All Under Siza Vieira’s Roof Raving”. É normal, o londrino entrou pelos ouvidos e só parou junto aos corações de muito boa gente com In Colour, tornando-se numa espécie de “poster child” para uma hipotética nova cena rave, não obstante toda a controvérsia que envolveu a sua meteórica popularidade. Seesaw, I’ll Take Care of U, Gosh e, claro, Loud Places foram hits que coexistiram com sonoridades mais pesadas de Garage e Bass Music, o que na teoria resultaria num concerto de sucesso. O grande problema é que este pareceu ser mais um DJ set do qualquer outra coisa, sem grande chama ou inventidade, podendo facilmente ser remetido para o Palco Carlsberg numa fase em que Jamie XX certamente teria sido coroado como o rei da noite. Assim foi só uma distração à hora de jantar.
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De volta ao Meo Arena, assistiríamos ao regresso dos Disclosure, outra das coqueluches da electrónica inglesa mais mainstream. Não retiramos mérito aos irmãos Lawrence pela forma sofisticada como trazem UK Garage ao grande público, e a sua performance ao vivo é irrepreensível, mas o cansaço é por demais evidente. Mesmo granjeando de um espaço indoor onde o seu som pôde vibrar com muito mais intensidade do que na imensidão ao ar livre que vimos no ano passado em Algés, com tão poucas novidades houve a sensação de que os Disclosure foram apenas picar o ponto a Portugal. A estrutura foi quase idêntica à do concerto no Alive, fora a chamada de alguns convidados para tentar apimentar as coisas, o que nem sempre resultou. Se Brendan Reilly fez jus a Moving Mountains com uma performance poderosa, Kwabs (que cantaria no dia seguinte) pegou em “Willing and Able” com o entusiasmo de quem é obrigado pelos amigos a ir para o palco numa sessão de Karaoke. E aonde andava Lion Babe para cantar Hourglass? Uma omissão que não se percebe.
Outro handicap para os ingleses, que perdurará até voltarem a lançar um álbum, é que Caracal não é Settle nem teve a mesmo impacto massivo que esse LP de 2013 provocou. Como resultado, foi um espectáculo demasiado inconsistente, entre momentos mais tépidos proporcionados pelos temas recentes e picos de euforia, como na introdução White Noise e F for You (cujo ímpeto foi abortado por falhas técnicas), na passagem de Bang That para When a Fire Starts to Burn ou no final esperado de Latch. Façam-nos apenas um favor, passem dois anos a escrever um álbum, deixem-nos respirar e depois voltem para vermos como a coisa corre.
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Por esta altura a hora já ia longa e o corpo vacilava, mas o esforço por ver DJ Shadow, nom de guerre de Josh Davis, foi recompensado. Chegados ao palco Carlsberg, os colombianos Bomba Estereo terminavam o seu concerto de forma frenética, mas a expectativa recaía toda no norte-americano, responsável por alguns dos mais influentes álbuns de electrónica fundida de hip-hop. No scratch, na percussão ou atrás da mesa, o DJ e produtor mostrou ser um mestre do seu ofício, percorrendo uma carreira repleta de malhões alterados a seu bel-prazer (contando com remixes de colegas seus como Hudson Mohawke e Clams Casino) e aproveitando também para promover alguns temas do seu novo The Mountain Will Fall. Verdade seja dita, dada a riqueza sónica e cénica do seu espectáculo, foi um desperdício Davis estar a tocar para malta à procura de Pokemons e claramente embriagada. “I’m not like other DJs. I actually do shit” disse Davis a data altura, uma frase que soaria presunçosa, não fosse uma verdade inquestionável. Quem se manteve atento pôde comprová-lo, numa hora que tanto serviu para dançar como para olhar embasbacado para as magníficas projecções que se iam sucedendo, um verdadeiro deleite para os sentidos. Finalmente satisfeitos, demos o primeiro dia por findado.
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Texto – António Moura dos Santos
Fotografia – Nuno Cruz
Evento – Super Bock Super Rock 2016
Promotor – Música no Coração