Assim está melhor. Ainda que não tenha sido uma enchente, o segundo dia do Super Bock Super Bock teve mais pessoas e, acima de tudo, mais concertos marcantes. Com as actuações que vimos niveladas por cima, foram os sons do passado que vingaram neste segundo dia, com dois concertos radicalmente diferentes que se complementaram: a libertação libidinosa proporcionada pela electrizante figura de um Iggy Pop ainda viçoso e o trip-hop cerebral de mensagem forte que os Massive Attack, acompanhados pelos Young Fathers, nos propuseram.
Com o Sol ainda a queimar-nos as cabeças e a água a fugir do nosso corpo, o certame do segundo dia teve início com os Pista. Nós bem avisámos que eles iam dar um concertaço e o trio não defraudou, juntando forças com Alex D’Alva Teixeira numa aliança barreirense de respeito. Debitando a energia do costume, entre chalaças sobre Pokemons e saudáveis provocações ao Iggy Pop, os Pista proporcionaram um caos constante de mosh e crowdsurfing com o seu refrescante rock hiperactivo de dar ao pedal, mesmo a calhar com a Volta a Portugal aí à porta. Não se fazendo rogado, D’Alva juntou-se à festa com o público no intenso final desse pequeno monumento que é Queraute.
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Ainda antes de nos dirigirmos para o Meo Arena, houve tempo para ver o que é que os Rhye andavam a fazer no Palco EDP. Parco no público, quase intimista, o pouco que vimos do duo composto por Milosh e Robin Hannibal, exemplarmente acompanhado por vários músicos de categoria, justificou o desvio. Ainda na senda de Woman, foram temas como 3 Days e The Fall, conduzidos pelo canto de sereia de Milosh sobre a riqueza sonora orquestrada por Hannibal, que nos encheram o coração, mesmo tendo em conta que a delicadeza dos detalhes teria beneficiado de um espaço fechado.
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Entrando numa era em que os heróis do Rock nos vão deixando com cada vez maior frequência, é reconfortante ver que há quem ainda carregue orgulhosamente a tocha, ainda para mais de tronco nu. Num Meo Arena claramente com gente a menos para o acontecimento, Iggy Pop mostrou que que a sua Post Pop Depression só existe em teoria, já que na prática o veteraníssimo artista mostrou uma vitalidade e entrega tais que suspeitamos serem obra de um pacto oculto. É a única razão possível para explicar como é que um homem de 69 anos possui tanta energia em palco, quer a cantar, a dançar, a pavonear-se em palco, a correr para junto do público ou gritar impropérios entre canções.
Numa noite em modo Greatest Hits (de Post Pop Depression apenas tivemos direito a Sunday), houve oportunidade para percorrer as várias fases artísticas do cantor, prevalecendo, todavia, mais Iggy Punk e Iggy Rock que Iggy Pop. Aliás, o sinal foi dado com dois clássicos dos The Stooges, No Fun e I Wanna Be Your Dog, seguidos dos “seus” mega êxitos The Passenger e Lust for Life, um quarteto de temas escolhido a dedo para a nostalgia se misturar com a adrenalina e colocar todos em desvario. “I should fuckin slowdown but i can’t fuckin slowdown. Im not like you, I’m a Real Wild Child” disse Pop para introduzir essa versão tão sua do tema de Johnny O’Keefe. Não obstante sabermos que Iggy terá de parar mais tarde ou mais cedo, a verdade é que, pela vontade do “world’s forgotten boy”, isso nunca aconteceria. Foi exactamente com Search and Destroy que Iggy nos deixou, êxtase apunkalhado para guardar no coração, já que não sabemos se o voltamos a ver.
De volta ao Pavilhão de Portugal por breves momentos, ouvimos uns patetas falar em lamber mamilos, só que o som não vinha de uma conversa alheia, era mesmo do palco e os intervenientes eram, pois claro, Mac deMarco e o seu gang de marotos comparsas. O pouco tempo que dispusemos para assistir ao canadiano foi uma amostra suficiente daquilo que ele tem para mostrar: cavaqueira em palco, melodias veranis e boa disposição a rodos. Tomemos Freaking out the Neighbourhood, acompanhada pela tentativa de recorde mundial de mais pessoas às cavalitas. É assim, é sempre assim e nós não nos importamos, desde que continue a compor músicas como Chamber of Reflection ou a apaixonada Together, que marcou o fim do concerto.
O final deste dia de Super Bock chegaria no Meo Arena, palco onde a folia deu lugar à reflexão com os Massive Attack. A histórica entidade de Bristol voltou a Portugal dois anos depois de participar neste mesmo festival, desta vez acompanhada pelos Young Fathers, grupo de hip-hop escocês que tem provocado ondas sempre que visita estes pousos e que foi considerado “a melhor banda do mundo neste momento” por 3D. Face a tanta expectativa, podemos desde já considerar que o todo não foi equivalente à soma das partes. Sim, os Young Fathers são do caraças e Voodoo in My Blood, faixa colaborativa que ambas as partes gravaram, é fantástica, mas a sua presença em palco foi uma nota de rodapé considerando todo o concerto. Com apenas 4 temas seguidos mas perdidos no meio do alinhamento e com uma entrega que pecou perante a urgência de outras ocasiões, esta colaboração não teve o impacto esperado.
O que foi realmente marcante nesta vinda dos Massive Attack foi a carga política do seu espectáculo cénico, simbiótica e inseparavelmente ligado à música que ia acompanhando. O grupo nunca se coibiu de politizar os seus concertos, mas esta actuação revestiu-se de especial premência dado o actual clima de instabilidade e as insondáveis tragédias do passado recente. He Needs Me, por exemplo, foi dedicada às vítimas de Nice e foi acompanhada por uma listagem infindável de grupos terroristas e por sobreposições de bandeiras de actores políticos antagónicos, como que denunciando a sua culpa conjunta pelo que se passa no mundo. Já Pray for Rain, cantada pelo convidado Azekel (que também registou uma emotiva participação em Ritual Spirit), trouxe mensagens surgindo vertiginosamente no ecrã, termos de pesquisa absurdos como que fazendo pouco da progressiva infantilização na dependência por respostas providenciadas pela Internet e Safe From Harm, que contou com os maravilhosos préstimos vocais de Deborah Miller, registou todos os monumentos destruídos pela acção humana ao longo da História, com particular destaque para o cataclismo que se deu no Iraque e na Síria nos últimos anos.
Contudo, não foi só de desgraça que se fez a noite. Com uma generosa dose de humanismo, Take it There promulgou uma série de ideias, aplaudidas com entusiasmo, a seguir para melhorar o futuro da humanidade e o tema do encore, o clássico Unfinished Sympathy, foi um acontecimento que ficou cicatrizado na memória. Por si mesma uma enormíssima canção, o seu poder seria magnificado com a projecção de fotografias de refugiados de guerra olhando fixamente para o público, com uma mensagem a letras garrafais dizendo “Estamos Juntos”. Não podia haver forma mais digna de encerrar este segundo dia.
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Texto – António Moura dos Santos
Fotografia – Nuno Cruz
Evento – Super Bock Super Rock 2016
Promotor – Música no Coração