É verdade que já não conseguimos viver sem as noites de Sabotage Rock Club. É verdade também que o Reverence Valada e o Sabotage fazem uma forte parceria. Mais verdade é, que a última Reverence Underground Session nos levou à loucura e nos indicou vários caminhos de dispersão mental.
Apesar de não ser boa ideia uma noite de concertos na mais consagrada cave do Cais do Sodré ter 3 bandas a um dia de semana, o prazer foi algo que existiu desde a primeira à última banda. Uma bela escolha que proporcionou harmonia e uma boa dose de alucinogénios!
Já perto das 23h30, os primeiros a subir ao palco são os Earth Drive. Em cerca de 40 minutos fomos conduzidos à volta da terra por entre paisagens quentes de toque alaranjado de pôr-do-sol. No horizonte, um astral opaco de ondas sonoras e deslumbramentos auditivos. A sensualidade rasga a terra do deserto e personifica-se na voz de Sara que, por sua vez, encarna diversos tipos de musculação vocal. Aos poucos, sentimos os pés a levantarem-se do chão e um formigueiro vai-se apoderando do cérebro. O instrumental, por detrás da voz, é pesado. Mas não é um peso negro, é um peso de maturidade e excelente coordenação e encaixe. Pelo ar, um aroma a stoner com travo a psicadelismo. Pelo palco, atitude e garra. Ouvimos a cover de “Angel” dos Massive Attack, com um resultado mais denso e intenso e “Planet Mantra”, “Zam Quarks”, “Western Spirit” e “Time Machine”, entre outras, tendo, ainda, direito a uma despedida poética por parte de Hermano que, na minha opinião, poderia usar mais vezes a voz para acompanhar Sara, uma vez que criam uma simbiose perfeita.
Os Earth Drive tocam no dia 10 de Setembro no Reverence Valada.
O palco preparava-se para três rapazes do norte que nos iam guiar por mais uma viagem. Eles são os Sun Mammuth e, desta vez, a viagem não seria à volta da terra, mas sim pelo universo. Pelo caminho, paisagens suaves com degraus de intensidade que nos transpunham para outras realidades. O transcendente e a metamorfose da submissão com a transposição desfigurada percorriam o nosso corpo. Em nada tínhamos poder, a composição sonora encarregava-se de nos guiar. As distorções e os efeitos criados pelo conjunto de pedais criavam um psicadelismo digno de teletransporte para desertos nocturnos com miragens de autocarros azuis com West nas placas. A sanidade mescla-se com a sua gémea falsa e tudo é um todo. Entre o psicadelismo, traços marcantes de stoner rock e da sua aura de poder. Existia apenas a voz dos instrumentos e, esta, era suficiente para nos perdermos. Da ementa constou o álbum de estreia lançado em Novembro do ano passado – Cosmo – da “Jamaame” à “Terlamonte”, faltando apenas a última faixa do álbum, aprovadíssimo, por sinal. O sorriso esteve sempre plasmado nos rostos. Nos deles e nos nossos.
Os Sun Mammuth tocam no dia 8 de Setembro no Reverence Valada.
Na biografia, lê-se que vêm da Noruega, eu diria que vieram directos do espaço, pegaram em nós e levaram-nos de volta com eles. Os Spectral Haze são rapazes de rituais. O fim de noite que nos trouxeram foi um daqueles poderosos! Algumas forças da natureza foram invocadas e fomos cercados de boas energias e transmutações várias. Com uma composição digna de mestres, a coordenação das duas guitarras com o baixo fazia-se desafogada e grandiosamente. O baixo era um verdadeiro rei, pesado na sua essência e digno de uma vénia até ao chão. Os riffs das guitarras, cujos dedos destruíam cordas, não ficavam atrás e penetravam nas nossas mentes, fazendo-nos gritar de prazer. A bateria, louca e voluptuosa, enchia-nos o peito de ar tão rápido como o arrancava de nós. A voz, com tonalidades opostas e inquietantes, aparecia por entre o instrumental como que a atear fogos. Misturar doom com stoner metal e psicadelismo só pode criar explosões! De olhos fechados, os caminhos a seguir eram vários e o transporte também. Normalmente apanhávamos bolhas de complexidade que nos levavam a ver constelações e a descer repentinamente para as paisagens de dunas com serpentes a acenar-nos. De I.E.V. Transmutated Nebula Remains trouxeram-nos “I.E.V. I – Circumambulating Mount Meru”, “Mercurian Mantra”, “Black Gandharvas”, “I.E.V. II – Observing The Centre Of Infinity” e “Triads And Trishulas;” tocaram ainda 5 músicas novas e, enquanto as cordas eram trocadas, fizeram uma jam como se tivessem nascido para a fazer aquilo. Após uma forte insistência voltam para um encore e terminam assim 1h20 de uma viagem da qual não queríamos regressar.
Apesar das poucas horas dormidas nessa noite, cada hora foi compensada da melhor maneira possível e cada segundo de viagem foi saboreado com a intensidade de quem tem sede. Nestes desertos havia água e a sede foi aniquilada.
Uma vez mais, parabéns ao Reverence Valada e ao Sabotage Rock Club. Venha Setembro e faremos uma romaria ao Cartaxo!
Texto – Eliana Berto
Fotografia – Daniel Jesus
Promotor – Reverence Valada