2016 Backstage Festivais Reportagens Vodafone Paredes de Coura

DJ A Boy Named Sue, em nome do rock!

É muito raro um DJ de rock ver o seu nome a ecoar nos ouvidos de Portugal. É raro um DJ de rock conseguir ter algum reconhecimento e credibilidade. Este rapaz veio abrir caminhos e mostrar que o rock faz parte de todos, ou quase todos. As pessoas precisam de rock e são felizes numa pista de dança a ouvi-lo. Tiago, cada vez mais conhecido em Portugal, que responde pelo nome de DJ A Boy Named Sue, é DJ há 15 anos e, para além de alegrar a noite das pessoas tem também uma crónica semanal na rubrica Indigente da Antena 3 – O Baú do Sue –, mantém o programa Cocktail Mariachi na RUC e é mentor das festas temáticas Kaleidoscope, Chills & Fever e Diabo no Corpo.

Este ano, para além de uma agenda lotada de noites em clubes e bares do norte a sul do país, ainda pudemos e podemos encontrá-lo em festivais, como NOS Alive, Mêda+, Rodellus Music Fest, Jameson Lazy Sessions, O Festival sobe à Vila (Paredes de Coura) e Reverence Valada Festival. Foi exactamente uma semana antes da sua actuação na Vila de Paredes de Coura que entrámos no mundo de Tiago e por entre prateiras e caixas sem fim de LP’s, flyers e bilhetes antigos, decorações criativas e audazes e fumo de cigarros e descobrimos um pouco mais sobre ele e a sua essência rock’n’roll.

20160809 - Entrevista DJ A Boy Named Sue

Música em DX (MDX) – Porquê uma música de Johnny Cash para nome artístico?

Tiago – Por várias razões! Inicialmente, quando comecei a descobrir uma série de coisas e descobri o Johnny Cash essa música tocou-me logo. Identifico-me bastante com a história da canção: o pai que baptiza o filho com um nome de rapariga e abandona-o; o filho fica danado e tem uma vida cheia de complicações porque tem um nome de rapariga e depois quer matar o pai e um dia encontram-se e o pai diz-lhe que foi esse nome que fez dele uma pessoa forte, capaz de enfrentar as dificuldades da vida, porque sabia que não ia estar ao lado dele para o educar; daí se tira a lição de que uma pessoa deve usar as adversidades para crescer e ficar mais forte. Depois porque eu também gostei da coisa do DJ com um nome complicado, toda a gente é sempre o DJ pipi, pápá, e eu era o nome complicado, o nome que ninguém sabia dizer, o nome que não cabe no flyer, isso se calhar também ajudou a criar uma certa personalidade diferente. Passado uns anos descobri, também, que tinha existido em Inglaterra uma editora chamada Sue Records e fiquei muito contente por ser uma editora muito importante em Inglaterra, apesar de pequenina, porque foi a primeira editora a editar rhythm’n’blues e soul nos anos 60 como James Brown, Chuck Berry, Little Richard, etc, e tinha os singles vermelhos e amarelos. Isto deixou-me contente porque assim o meu nome deixa de estar tão ligado ao universo rockabilly e crounty do Johnny Cash e podia ter uma referência um bocadinho maior.

MDX – Como é que começaste a aparecer nas cabines?

Tiago – Em Coimbra comecei a ficar um bocadinho farto e não me identificava com a música que passava à noite, então resolvi começar a organizar festas com um amigo meu, na altura tinha uns 20 LP’s e 20 CD’s. Lá nos deram um domingo, depois deram-nos uma segunda noutro bar e aos poucos a coisa foi crescendo e eu fui tentando com vários amigos em vários sítios, depois comecei a ter residências, a sair de Coimbra e foram aqueles percursos naturais. Descobri que tinha algum jeito para encarrilar músicas, para as partilhar… Isto já vem de muito novo, lembro-me de quando iam amigos meus a minha casa eu mostrava sempre músicas novas ou até gravava compilações em K7 para lhes oferecer.

MDX – Desde quando é que usas a televisão?

Tiago – Não sei bem, eu comecei a passar música em 2011 e acho que a ideia surgiu para ai em 2003 ou 2004. Nessa altura eu descobri que as primeiras gravações da Tina Turner dos 60 eram rhythm’n’blues e rock’n’roll e o imaginário das pessoas em relação a ela era o “Simply The Best”, o “Mad Max”, algo mais pop, então pensei que se as pessoas soubessem que estavam a dançar Tina Turner até se passavam! Então usei uma série de coisas: desde acrílicos de pôr os flyers nos hotéis a suportes dos pratos de parede das nossas avós… Depois a ideia foi evoluindo aos poucos de uma coisa para outra e um dia tive a ideia de usar uma das minhas televisões antigas (sempre tive paixão por televisões), abri-la, colocar a luz e colocar o meu nome como se fosse uma legenda de um filme, colocar os suportes e pronto. A ideia era partilhar com as pessoas aquilo que elas estavam a ouvir. Normalmente é o contrário da premissa dos DJ’s: no início, eles descobriam um break, uma música e punham labels brancas em cima dos vinis para ninguém lhes roubar a música, para serem os únicos a passar aquilo e ninguém saber o que era. Eu acho que é mais o contrário: é dar cultura às pessoas e mostrar as coisas estranhas que eu descubro. Costumo dizer que um bom DJ não depende das músicas que tem, pode ter a melhor colecção de discos do mundo e não conseguir fazer nada ou então das 20 discos a 20 DJ’s e cada um te faz uma coisa diferente, por isso eu não me importo que usem as minhas músicas porque as músicas são de toda a gente, elas foram feitas para toda a gente apreciar e saber o que são. Por um lado partilhas o que está a passar e quando tens certos LP’s é um prazer partilhar o artwork das capas dos discos e singles, é um lado visual que acrescento à música que estou a passar.

20160809 - Entrevista DJ A Boy Named Sue

MDX – Neste momento és consagrado um dos melhores DJ’s de rock em Portugal, era isso que ambiciavas?

Tiago – Mais do que o melhor DJ de rock, porque há muitos bons DJ’s de rock em Portugal e eu trabalho com muitos deles a toda a hora, o que eu sinto que posso estar a fazer é estar a escavar um buraquinho para os DJ’s de rock serem reconhecidos nos dias de hoje. Não é que seja a minha batalha mas é algo em que estou de certa maneira empenhado. Com todo o respeito pelos DJ’s de música electrónica, acho que há espaço para os DJ’s de rock em Portugal entreterem multidões e serem considerados como uma opção mais vezes e em mais eventos. De há uns anos para cá, o rock no seu sentido mais lato tem vindo a crescer muito, hoje em dia tens Paredes de Coura esgotado, não sei quantos mil festivais de rock em Portugal desde o mais pequeno ao maior, tens pessoas a pagar balúrdios para verem bandas e é simples: se há DJ’s a passarem as músicas dessas bandas que enchem e esgotam festivais é porque há público para esses DJ’s. Eu tenho-me apercebido de que se calhar durante muito tempo havia o estigma do DJ de rock ser um DJ de anos 80 ou 90 que só passa hits e clichês e não é assim. É possível passar-se rock actual e rock antigo sem ser uma coisa clichê e fácil, tornando-se uma coisa interessante que faz as pessoas dançar. Acho que talvez se esteja a conseguir quebrar esse estigma porque há músicas de rock a sair a toda a hora, porque os universos entre o rock e a musica de dança estão cada vez mais diluídos. Por isso, sinto mais que estou a tentar fazer algo pelo rock do que ser o melhor DJ, não quero ser o melhor porque isto não é nenhuma competição, simplesmente quero ser um bom DJ de rock e entreter as pessoas.

MDX – Lembras-te do teu primeiro disco?

Tiago – Lembro. Foi o À Queima Roupa do Sérgio Godinho, sei o disco de cor e salteado. Os meus pais compraram-mo quando eu tinha uns 6 ou 7 anos. Costumo dizer que a música “Liberdade” é uma música de rock incrível! Eu acho que se te conseguires abstrair da letra, se aquilo fosse cantado em inglês e te dissessem que era uma banda tipo Kinks ou Stones tu acreditavas, porque está na linha temporal de muita coisa feita na altura. À parte disso é um disco muito importante a nível político e social e identifico-me imenso com ele.

MDX – E o último que compraste?

Tiago – Acho que foram uma série deles que mandei vir de Paris, algumas novidades como o último single dos La Femme, do disco que ainda não saiu, o “Sphinx”, o dos The Kills, o de The Mistery Lights, uma das últimas bandas que eu descobri, um amigo mostrou-me, de garage.

20160809 - Entrevista DJ A Boy Named Sue

 

MDX – Há alguma música que passes sempre?

Tiago – Não há. Há músicas que eu passo praticamente quase sempre, há músicas que fazem parte do meu set quase sempre, desde a “Green Onions”, à “Baby Please Don’t Go”, etc. Há uma série de músicas que eu passo muito regularmente mas não são obrigatórias, porque eu às vezes esqueço-me de as passar, depende do tipo de noite, do tipo de público, do tipo de sítio. Há discos que eu levo sempre mas às vezes não os passo porque não existe nenhuma obrigatoriedade nem nenhuma sequência que tenha de acontecer. Se a noite tomar outra direcção eu posso passar ao lado de coisas que até costumo passar. Tenho 2 discos que levo sempre como amuleto que é o False in Prison do Johnny Cash e uma compilação que se chama This is Sue.

MDX – Se tivesses que escolher uma década musical para viver, qual escolherias?

Tiago – Escolhia agora. Havia uma altura em que tudo era novo mas se pensar um bocadinho, se vivesse nos anos 60 ou no início dos anos 70 no mundo do CBGB se calhar não ia prestar atenção nem conseguir dar-me com malta com uma série de culturas musicais que eu também gosto. Nós agora conseguimos olhar para essas décadas e dizer que estão ali uma série de estilos musicais, mas na altura tu não podias fazer parte do rhythm’n’blues negro e dar-te bem com a malta branca do surf ou folk, não dava! Na altura as mentes eram muito mais fechadas, havia lutas de gangues e a sociedade estava muito mais dividida, hoje me dia olhas para isso e achas que era muito giro e que havia estilos de vida maravilhosos mas se pensares bem nos contextos socioculturais e políticos, tu nunca ias apreciar aquele grupo, tinhas sempre que escolher uma série de coisas. Mesmo hoje em dia, às vezes, até te podes sentir um bocadinho o alien por seres uma pessoa que te dás com vários estilos de pessoas, que percebes de música de todos esses estilos, imagina naquelas décadas, além disso estamos só a falar de géneros musicais ainda há a quantidade de coisas sobre a geografia do mundo a acontecer de diferente que tu nunca poderias experienciar. Eu já tive uma banda e não vou deixar de ter o sonho de ter uma banda um dia e se eu tivesse uma banda não queria que soasse aos Sonics por exemplo, os Sonics são bons mas são eles, se tiver uma banda quero que soe ao século XXI com todas as possibilidades deste século. Apesar de me identificar com algumas épocas, acho que gosto do agora, de poder absorver tudo. Toda a gente gosta de blues mas ninguém queria estar num campo de algodão, tenho uma série de discos gravados em prisões e são lindíssimos, mas depois tu pensas nos contextos socioculturais e é um bocado mais complicado.

MDX – E se pudesses escolher um país?

Tiago – Também é complicado. Gostava, obviamente, de ter vivido em Londres numa certa altura, em Nova York nos anos 70, também, do punk do CBGB ao disco do Studio 54. Uma das cidades que eu mais gosto no mundo é Paris, no entanto talvez escolhesse a Nova York dos anos 70.

MDX – Este ano estás com uma tour extensa a nível de datas e até estás a ir a quase todos os festivais de Portugal. Como é que é a experiência de festival?

Tiago – É bastante diferente de uma noite num clube porque num clube tu tens uma evolução gradual desde o pista zero até um climax ou até vários climaxes. Tens tempo de ir crescendo, de ir seduzindo as pessoas e num festival tens de entrar as 3 da manhã, por exemplo, e tens uma multidão à tua espera! Tens de entrar com tudo e não há muito espaço para músicas ao lado, a coisa tem de ser bem pensada, tens de entrar a 300% e puxar pelas pessoas. É bom, mas é mais exigente, tens de estar mais focado, tens de saber bem os discos que tens e fazer as escolhas certas. Mas esta “tour” também dá uma certa confiança para eu ter a minha identidade, o meu set há-de ter um núcleo duro de escolhas e depois é só arranja-las conforme as pessoas estão a responder.

20160809 - Entrevista DJ A Boy Named Sue

MDX – Gostavas de passar som nalgum festival internacional?

Tiago – Gostava, obviamente. Ao contrário de como funciona a coisa em Portugal, no estrangeiro há muitos DJ’s de rock conhecidos mas em estilos específicos, não há muito o que eu faço. Depois há vários circuitos: o Euro Yeyé, o Festival Beat, Fantastic Drácula, que acabam por ser um bocado festivais de nichos. A nível daquilo que eu faço – ser um DJ de rock com um espectro grande – não há muito e mesmo no estrangeiro acho que não há mercado para o que eu faço. Já fui várias vezes ao estrangeiro e se a coisa correr sempre bem vou tentar marcar algumas datas em clubes em algumas capitais da Europa. À parte disso também gostava de começar a ir a alguns festivais específicos como o Euro Yeyé, há uma festa em Nova York que é o New York Night Train onde também gostava de ir, o Austin Psych Fest. O objectivo é ir aprendendo e crescendo! Este ano sou capaz de ir ao Oslo Psych Fest e depois também vais conhecendo pessoas e as coisas acontecem. Há dois anos passei música em cocktails numa feira de arte em Palácios do Séc. XVII em Marselha e foi uma inovação, estavam lá dois jornalistas alemães que me disseram que aquele tipo de eventos era sempre uma seca porque é sempre techno e house e aquilo tinha sido uma lufada de ar fresco e isso foi muito bom.

MDX – A tua ida ao Vodafone Paredes de Coura é um sonho realizado?

Tiago – Sonho sonho seria ir ao palco 2 mas obviamente que é um sonho porque é um festival emblemático onde eu vou há 20 anos, desde 96. No outro dia fui a Paredes de Coura e há um bar que tem os cartazes das edições todas e eu estive a ver qual teria sido a primeira a que fui e descobri que foi em 96 e depois disso continuei a ir. É uma honra poder ir lá passar música, mesmo que seja no palco da vila mas vai ser na noite exactamente antes de começar o festival e em principio já estará muita gente la e espero que funcione bem e acho que vai funcionar… Eu costumo dizer que se uma pessoa paga para ver NIN, Motorhead e até The Kills num festival, não vai querer levar com 2h de música electrónica no final. Com todo o respeito pelo techno, electro e o house, as pessoas precisam de refrões, precisam de músicas com que se identificar além da batida que puxa o corpo à dança e hoje em dia o rock consegue fazer essas duas coisas. Ainda agora em conversa com o Mário Lopes sobre LCD Soundsystem, falámos que eles têm essas duas vertentes: têm o lado da dança e o lado das canções e do refrão e é possível entreter e divertir as pessoas juntando os dois universos.

MDX – Podes enumerar 3 coisas que tenhas na tua lista de coisas para fazer antes de morrer que ainda não tenhas feito?

Tiago – Quero ter um filho, mas para isso é preciso encontrar a moça. Gostava muito de um dia conseguir fazer uma espécie de casa municipal da cultura underground, ou seja uma casa municipal da cultura nas mãos de uma pessoa como eu e não de um vereador que veio de um partido político. Funcionaria tipo uma associação, onde tens concertos, festas, tens um lado todo instrutivo e cultural de exposições, workshops, peças de teatro, salas de ensaios, quase um centro de artes onde podes ter concertos para 1000 pessoas como podes ter um concerto dos putos do bairro numa sala mais pequena. É um sonho grande que eu tenho: poder ter um polo cultural onde toda a gente pudesse fazer coisas nos tempos livres e onde tens tudo para além disso. Gostava de ir a Asia, ter contacto com a cultura tanto a loucura urbana como a parte mística e ancestral da cultura asiática. Mas um dos maiores sonhos de alguém é pensar que quando morrer deixa alguma coisa, acho que o terceiro seria mais isso, saber que com o que eu faço ajudo uma série de pessoas ou a começar uma banda, ou a acreditar nos seus sonhos. Saber que deixaste algum legado se algum dia morreres, que não passaste indiferente, que a tua paixão pela música fez bem à vida de uma série de pessoas, é brutal.

O DJ A Boy Named Sue vai subir ao palco da Rua Principal, na Vila, amanhã, às 00h00 e é seguro que trará uma viagem temporal saborosa pela cronologia musical das boas referências desde o passado ao futuro.

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Entrevista – Eliana Berto
Fotografia – Luis Sousa