Como é bom regressar a Valada. À terceira edição já se sente um conforto, uma familiaridade em retornar a esta pequena aldeia e fazer aquela recta ladeada de infindáveis plantações de tomates é sempre um regresso aonde já se foi feliz e se espera sê-lo novamente. Podemos dizer com confiança que este primeiro dia foi um prazenteiro começo de festival, possivelmente o melhor início que o Reverence já teve. O exótico stoner dos Blaak Heat, a irreverência javardona dos Sunflowers, a energia demente dos JC Satan ou o nervo frenético dos Thee Oh Sees ajudaram a suportar esta ideia.
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Para quem já estava habituado à disposição dos outros anos, a chegada ao festival causa estranheza quase de imediato. Aonde estava o palco Reverence encontram-se apenas as decrépitas bancadas do campo de futebol e à sua frente a tradicional feira que antes se encontrava no centro do recinto. Após uma mais completa inspecção, a sua ausência é compreendida: o palco Praia, no outro extremo, levou um upgrade e mudou de denominação para Sontronics, suprindo assim a necessidade de ter um palco central. Junto às mesas de pedra e à zona de imprensa, o que outrora fora apenas a banca dos DJs recebeu um palco, de seu nome Indiegente, montado para dar a conhecer alguns dos mais excitantes projetos nacionais. No fundo, apenas o palco Rio se manteve incólume e foi lá onde se deram todos os concertos deste primeiro dia.
Infelizmente para nós, não nos foi possível chegar a tempo de ver este primeiro dia de festival por completo. A nossa experiência de audição começou com o duo The Sunflowers. Poderiam ter uma luminosidade de girassol, mas a luz que transmitem é pesada e capaz de fazer com que esse girassol expluda. Tocaram um punk rock misturado com o que de mais cru há no rock de garagem. Apesar do excesso de “la la la” e “ah ah ah” a preencher espaços vazios que não necessitam de ser preenchidos, foi um bom início de festival com uma boa dose de rock. Foi anunciado o lançamento do primeiro álbum para o dia 19 deste mês, tocaram uma música nova que ainda não foi acariciada com nome, quase partiram o palco com “Charlie Don’t Surf” e “Mama Kim”, chamaram o companheiro Fred (800 Gondomar) para tocar baixo com eles na “Zombie” e Carol destruiu a guitarra fúcsia, que disse odiar, depois de trocarem de posições e tocarem “I Wanna Be Your Dog” dos The Stooges.
+fotos na galeria Reverence Valada’16 Dia 8 The Sunflowers
Depois de uma descarga bem suja, seguiu-se um momento de contemplação proporcionado pelos Blaak Heat. Os franceses mudaram-se fisicamente para Los Angeles, mas as suas almas andaram a vaguear pelo Médio Oriente quando chegou a hora de compor Shifting Mirrors, pois a sua mistura intoxicante de Stoner e Psych Rock tem especiarias polvilhadas a gosto. Foi com este álbum que se apresentaram em Valada, trazendo uma palete variada, ora cavalgando furiosamente estradas empoeiradas com os ritmos de Anatolia e Sword of Hakim, ora puxando pelo entrelaçamento de melodias exóticas, evocantes de mil e uma noites, da épica The Approach to Al-Mu’tasim ou de Mola Mamad Djan, canção tradicional afegã adaptada com bom gosto à sonoridade cheia de fuzz desta rapaziada. Com um baixo bem cheio e proeminente, como se quer nestas lides, os Blaak Heat apresentaram um som portentoso mas sofisticado, que certamente ganhou muitos fãs.
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Dos J.C Satàn já tínhamos dito que não sabíamos muito bem o que esperar, a sua discografia aponta em todas as direcções menos numa de continuidade lógica, pelo que seriam sempre um joker no que toca a expectativas. Bem, felizmente esta malta de Bordéus decidiu trazer o seu material mais imediato e explosivo, entre o noise, o punk e o psych, e, apesar de não serem tão risqué quanto o seu nome indicia, fizeram da sua passagem pelo Reverence uma boa surpresa. Nem tudo foi bom é certo, os préstimos vocais de Paula são, no mínimo, sofríveis quando isolados, apenas funcionando em conjunto com os do guitarrista Arthur, excêntrico líder da banda com propensão para dançar desengonçadamente e mandar tragos de whisky como de água se tratasse. Dragons e Satan II, riffalhada acompanhada de teclas tresloucadas, foram dois dos mais intensos momentos de uma actuação que também soube abrandar o ritmo e entrar num balanço propício para que, num pedido expresso por Arthur, os namorados e namoradas da audiência “fizessem coisas estranhas uns aos outros”. Não nos parece que tal tenha acontecido, mas fica-nos na memória a genica destes franceses.
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De seguida e a preparar os ouvintes para os cabeça de cartaz, os Riding Pânico vieram criar turbulência mental e desenhar esferas complexas com compassos distorcidos. As faixas, longas, densas e carismáticas seguem uma só linha que nos guia por vários caminhos. Apesar da inexistência de voz, estes rapazes conseguiram absorver-nos numa bolha de distorções e explosões e embalar todos os nossos sentidos fazendo-nos perder da realidade e ser empurrados para sítios desconhecidos. No entanto, nem só de boa música se faz um concerto. A química existente entre os elementos da banda não foi divida com o público e a determinada altura a grandeza das faixas desmembrava-se em monotonia e insipidez.
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Já esses dois adjectivos são absolutamente antitéticos para descrever aquela que foi a prestação dos Thee Oh Sees. Tendo passado por Portugal menos de um mês antes do Reverence (Paredes de Coura foi o seu pousio, como se pôde observar na toalha com o galo de Barcelos dizendo “I Love Portugal” que adornava a bateria de Ryan Moutinho), havia o risco da banda californiana parecer requentada, até porque o alinhamento seria muito semelhante ao desse espetáculo. Contudo, mal as primeiras notas de The Dream soaram, todas as inquietações se dissiparam e deram lugar à euforia exacerbada sob a forma de mosh contínuo, uma raridade por estas bandas, que levantou irrespiráveis nuvens de pó à medida que os corpos se amontoavam em frente ao palco.
Apesar de algo redundante, a particularidade dos Thee Oh Sees terem duas baterias dá-lhes um poderio maior ao vivo. A de Moutinho, mais segura de si, lidera o caminho e a de Dan Rincon, desengonçada, com mais coração que cabeça, acompanha. Ambas deram a propulsão para uma sessão de garage rock psicadélico rematado pelo baixo de Tim Hellman e a guitarra irrequieta do líder John Dwyer, empunhada como se de uma arma automática se tratasse, pronta a metralhar notas mais agudas que a voz do seu portador. De A Weird Exits, acabado de lançar, tivemos direito a Plastic Plants e Gelatinous Cube, mas de resto foi uma colectânea de velhos e recentes clássicos do conjunto, desde Toe Cutter / Thumb Buster até Contraption / Soul Desert, temas agradáveis de se ouvir com um par de headphones, mas aos quais apenas poderia ser feita justiça quando tocados com a máxima energia. Já extenuados, demos o primeiro dia por terminado, o fim-de-semana ainda seria longo.
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A equipa Música em DX ficou confortavelmente instalada no espaço glamping Sleep’em’All (+info em http://www.sleep-em-all.com/), a solução ideal para descansar após muitas horas de música.
Texto – Eliana Berto | António Moura dos Santos
Fotografia – Daniel Jesus | Nuno Cruz