Festivais Reportagens

Reverence Valada’16 Dia 9, A destruição e o caos no percurso para a lua

Pelas terras secas e empoeiradas de Valada, amanhecera mais um dia de calor e música. A maratona começava cedo e este segundo dia de festival prometia ser o melhor do cartaz.

ambiente-31_1024

+fotos na galeria Reverence Valada’16 Dia 9 Ambiente

A nossa primeira paragem foi no Palco Indiegente onde os Twin Transistors se preparavam para nos adoçar a boca e ofertar o melhor início de tarde possível. Num galope sensual de ritmos sabiamente delineados e bordados lentamente entrámos pela estrada fora a saborear a paisagem do oeste. As faixas longas com mil tonalidades dos mais variados estilos de rock desde o roll ao psicadélico, os riffs calorosos e a voz grave fizeram com que “Sun Of Wolves”, “All In”, “À Francesa” e “Shine. The Best Thing” soubessem a pouco.

1-twin-transistors-1024

+fotos na galeria Reverence Valada’16 Dia 9 Twin Transistors

A abrir as hostes do Palco Rio estavam os nortenhos The Black Wizards. Apesar do concerto ter um resultado cativante, notava-se uma aura de pouca entrega. Em cima do palco, os riffs trabalhados e de peso de Joana, misturavam-se com o poder da bateria sabiamente tocada por Helena, sendo estes os relevos em palco. Havia uma certa mescla de rock’n’roll com blues, stoner e um psicadélico repleto de acordes que primavam pela guitarra. Pedais consistentes, sujos e crus faziam com que a essência da banda rapidamente se entregasse às boas origens. Ainda que o concerto tenha sido bom, não preencheu almas, talvez porque as deles estivessem por preencher.

_mg_1697-1024

+fotos na galeria Reverence Valada’16 Dia 9 The Black Wizards

De volta ao Indiegente, tivemos um curto mas agradável momento para assistir aos Miss Lava. Sonic Debris, o seu terceiro LP, viu-os tentar quebrar os moldes mais rígidos do Stoner com algumas influências psicadélicas e foi nessa toada que a banda se apresentou, auxiliada por Tiago Jónatas no Theramin, esse que é o utensilio sagrado de tudo o que é psych. O som esteve desequilibrado, com a voz demasiado alta e a secção rítmica com falta de contundência, mas não serviu para beliscar a prestação daquela que é uma das mais trabalhadoras bandas cá do burgo. Houve tempo para ouvir Another Beast is Born e I’m the Asteroid, temas mais assentes na construção de atmosferas do que em seguir sempre a abrir, mas malhas como Silent Ghost of Doom e Black Rainbow serviram para contrabalançar com energia.

36-miss-lava-1024

+fotos na galeria Reverence Valada’16 Dia 9 Miss Lava

Mudámo-nos para o Sontronics para presenciar a insana performance de uma banda com um dos menos práticos nomes de sempre. Os Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs (doravante serão chamados de Pigs x7) são de Newcastle e a sua falta de melanina denuncia-o, assim como o ar meio chungoso que apenas um inglês deslavado consegue ter. Atenção, isto não deve ser lido como um insulto, é o complemento perfeito para a mistura emporcalhada de noise, sludge e rock psicadélico que estes senhores derramaram sobre os presentes. Sem vontade em fazer amigos e com misantropia à flor da pele, os Pigs x7 apresentaram martelada feroz, se bem que algo repetitiva, capaz de deixar marcas como aquelas que o vocalista Matt Baty tinha no corpo depois de 40 minutos de auto-abuso.

_mg_1789_1024

+ fotos na galeria Reverence Valada’16 Dia 9 Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs

Os LSD & The Search For God têm um nome entusiasmante que desperta a curiosidade para descobrir até onde podemos ir num concerto deles. Era uma mais-valia termos ficado com a curiosidade naquele dia. Os LSD & The Search For God são uma banda que se ouve melhor em estúdio que em cima de um palco. São uma banda de fim de tarde numa esplanada com amigos. Uma banda que devia estar em todos os sítios menos ali. A saliência era o indie pop com demasiados sonhos espalhados pelo ar. A voz feminina mal se percebia e foi completamente esmagada pela masculina, que tinha um encanto especial. Encanto esse que não foi suficiente para quebrar a linha ténue de aborrecimento que se gerou naquele espaço.

42-lsd-the-search-for-god-1024

+fotos na galeria Reverence Valada’16 Dia 9 LSD & The Search For God

Ainda no Rio, pudemos experienciar um momento muito especial, daqueles que quase nem vale a pena rotular com o binómio bom/mau porque se elevou acima de tão redutoras classificações e porque não é todos os dias que encontramos um quase-octogenário a proporcionar uma semi-rave pastoral durante a tarde. Falamos de Silver Apples, visionário projecto de electrónica psicadélica dos anos 60, mantido estoicamente apesar da avançada idade e debilitada saúde do seu único membro Simeon. Força de vontade é o que é, expressa aliás no título do seu novo álbum, Clinging to a Dream. Sem poder contar com o seu baterista de sempre (Danny Taylor morreu em 2005), Simeon serviu-se do seu sintetizador quitado para emitir linhas de baixo retorcidas e batidas maquinais, criando um ambiente festivo, dir-se-ia mesmo brincalhão, que se traduziu nalguns tímidos passos de dança entre os presentes.

_mg_1931-1024

+fotos na galeria Reverence Valada’16 Dia 9 Silver Apples

Era hora de arrebitar e de deixar entrar nas veias o melhor do rock’n’roll por quem melhor o sabe tocar. No Indiegente estava o mestre Fast Eddie Nelson com a sua família prestes a dar um concerto grande em intensidade e forte em sabedoria. Sangue de blues e alma de rock’n’roll, daquele puro que já poucos tocam, foi o suficiente para nos guiar para uma dança que seguia as cordas e um ritmo viciante e imparável. Volume ao máximo, para se ouvir bem e guitarras em punho fizeram com que se criasse a magia que precisávamos para continuar. Não há voz que transpire mais vontade nem corpo que espalhe mais rock’n’blues em Portugal. O palco foi partilhado com alguns convidados como os membros de Dirty Coal Train, João Alves e Poli Correia e o alinhamento compôs-se de “Come Home”, “That Moonshine”, “Dancing In The River” e “This Mountain”, entre outras.

58-fast-eddie-nelson-1024

+fotos na galeria Reverence Valada’16 Dia 9 Fast Eddie Nelson

De seguida no palco Sontronics, e porque o Reverence é pródigo neste tipo de casamentos, os Yawning Man (YM) tocaram à hora que mais se ajustava à sua música, com o lusco-fusco a servir perfeitamente o Rock cinemático, algures entre o psicadelismo e algum nervo stoner, pesado mas gentil, dos californianos. Banda essencial no espectro musical em que situa o festival pelas bandas que ajudou a parir, directa ou indirectamente, os YM mesmo assim não vivem dos louros e foi com a imersiva melancolia de The Wind Cries Edalyn do novo Historical Graffiti que iniciaram uma viagem de tonalidades agridoces. Quase sempre instrumental, fora raras vocalizações de Mario Lalli, o som dos YM cria paisagens mentais quase de imediato, de tal forma que suspeitamos que a banda não ficaria ofendida se a dada altura toda a gente tivesse a olhar para ontem em vez de para eles. Sendo evidente que toda a banda merece respeito pela classe que exibe, há que dar destaque à forma como Gary Arce, sem palheta, saca lamúrias da sua guitarra com a ponta dos dedos, criando um tom tão distinto quanto memorável. Relembrando que estiveram para vir cá o ano passado mas cancelaram, podemos dizer com confiança que valeu a pena a espera.

_mg_2100-1024

+fotos na galeria Reverence Valada’16 Dia 9 Yawning Man

A adrenalina estava disposta a manter-se e o concerto seguinte conseguiu ser uma das grandes surpresas do festival. A família Fat White (Fat White Family) é composta por 6 elementos que entraram no palco pelo meio de fumo e a intro algo xamânica da “Auto Neutron”. Enganaram-nos bem!! Pois a partir daqui Lias tirou a camisola e deixou-se possuir pelo demónio da música. A guitarra solo e a bateria fizeram o casamento perfeito partilhando a boda com a voz arrastada de Lias. Uma combinação estranha de post punk com rock’n’roll e passeios pelo Texas. A verdade é que o poder era sobrenatural e o frontman tanto era um Iggy Pop como um Bowie como um Morrison. Gritos e loucura invadiam o palco e as nossas mentes numa excentricidade audaz de quem sabe o que faz. Apresentaram-nos Songs For Our Mothers e deixaram-nos satisfeitos, mas com uma fome gigante, fazendo jus à “Satisfied”.

73-fat-white-family-1024

+fotos na galeria Reverence Valada’16 Dia 9 Fat White Family

Se o tempo já é um conceito fugidio, num festival como o Reverence torna-se especialmente difícil de controlar. Devido a uma proveitosa entrevista com os Yawning Man, que (felizmente por um lado) se estendeu acima do programado, perdemos grande parte do concerto dos Dead Meadow e apenas chegámos a tempo de assistir ao malhão que é Sleepy Silver Door e pouco mais. Com muito boa gente para os ver, o trio entrou em modo psych-out entre os riffs e solos viciantes de Jason Simon, o baixo pegajoso de Steve Kille e uma performance endiabrada de Juan Londono na bateria, tanto que lá para o fim o homem já estava a suar as estopinhas como se tivesse sido atirado ao rio. Pena não dar para mais, mas o pouco visto foi recompensador.

_mg_2224-1024

+fotos na galeria Reverence Valada’16 Dia 9 Dead Meadow

A encerrar o Palco Indiegente esperava-nos uma irmandade. A família CORREIA rapidamente consegue provar a prodigalidade no caminho da música e revelar o enrijecimento de palco para palco. Os riffs estão mais trabalhados, a sincronização em perfeita harmonia e a bateria com uma força deleitante. O espírito do rock na sua forma mais crua e densa segue a luz e encaminha-nos para a um estado mental de satisfação e prazer. Num concerto de CORREIA atravessamos extremos de melancolia e revolta, repousamos nas lições de vida e despertamos com narrativas de histórias que se tentam esconder. Para além da apresentação de uma faixa nova, Act One foi tocado na íntegra e contou com a participação delicada de João Alves na Cítara em “Mailman Blues”. Para sobremesa, o poder e a grandeza de “Deceivers Of The Sun” e a satisfação dos presentes, conquistados com facilidade.

_mg_2485-1024

+fotos na galeria Reverence Valada’16 Dia 9 CORREIA

Depois de tanta intensidade, o concerto de The Raveonettes acabou por ser um calmante forçado. A combinação da divagação do dream pop com o ritmo do indie e os arranhões do rock de garagem cria uma atmosfera de levitação pulsante e contrastes saborosos. A união de vozes condimenta a banda e cria bolhas lilases onde gostamos de pousar. Apesar de ter chegado a meio do concerto, apanhei os clássicos “Love In A Trashcan”, “Attack Of The Ghost Riders”, “The Great Love Sound” e “Aly, Walk With Me” e saí de coração cheio.

103-the-raveonettes-1024

+fotos na galeria Reverence Valada’16 Dia 9 The Raveonettes

Um dos mais aguardados momentos do festival, para muitos do ano mesmo, acercava-se, havendo um clima de tremenda antecipação perante a estreia dos The Brian Jonestown Massacre por estas terras. Bem sabemos que a sua vinda já andava a ser negociada há algum tempo, podendo-se afirmar que à terceira foi mesmo de vez, mas a nós deu-nos a impressão que tanto esforço não era necessário, pois a banda não pareceu estar tão interessada assim em estar no palco Sonitronics. Expliquemos: ninguém estava à espera ou a torcer (esperamos) para que Anton Newcombe armasse um chavascal com a restante banda, mas pedia-se um bocadinho mais de energia para uma prestação que durou uma hora e picos. Viu-se química entre os elementos da banda, ouviram-se rasgos de belas melodias e deu para auscultar algumas das suas mais célebres canções, mas no cômputo geral ficou a sensação de que os The Brian Jonestown Massacre podiam estar a tocar em Valada, em Wembley ou na fila do IMTT que o entusiasmo seria o mesmo, arrastando um concerto que se queria eterno para uma monotonia insuportável. Talvez tenha sido o caso clássico em que o repórter coça a cabeça confuso, incapaz de compreender se o problema está na cabeça dele, pois uma grande percentagem do público parecia estar a apreciar o espectáculo de sobremaneira, mas como toda a experiência de concerto é insular e intransmissível, o veredicto é que a montanha pariu um rato e que tal nascimento ficará perdido nas brumas do tempo.

_mg_2657-1024

+fotos na galeria Reverence Valada’16 Dia 9 The Brian Jonestown Massacre

A esta altura da noite era necessário algo que nos retirasse do marasmo e nos devolvesse vitalidade ao corpo, mas em vez de sermos acordados com gentileza, recebemos desfibrilação directamente no coração sob a forma de música. Já sabíamos que os A Place to Bury Strangers não são propriamente um bando de meninos de coro, como aliás o demonstraram há dois anos neste mesmo festival, mas o trio nova-iorquino fez questão de se exceder desta vez. Ao segundo tema Oliver Ackermann e Dion Lunadon já tinham destruído os seus respectivos instrumentos de cordas, e daí em diante foi sempre a piorar, com as vagas de Noise Rock a tornarem-se progressivamente mais violentas, o ambiente de descontrolo a adensar-se e mais guitarras a serem arremessadas para uma morte certa.

Todavia, se apenas registássemos o funeral de guitarras e a forma como o conjunto domina a nobre e difícil arte de fazer baralho, apenas estaríamos a reportar mais um bom concerto dos APTBS. O que o conjunto tinha na manga, no entanto, é que elevou a experiência para algo realmente especial. Sem que nada o previsse, Lunadon sai do palco e dirige-se para o público de baixo empunhado no ar, numa atitude que pareceu ser de mero show-off. Contudo, logo depois seguir-lhe-iam os restantes colegas, levando timbalão, tarola e microfone para um concerto improvisado em frente à régie, circundados por um público entre o choque e a excitação. Convenhamos, o som estava uma bela bodega, mas o carácter de proximidade ritualista foi surreal e ficou gravado na história do Reverence. Quando a banda voltou para o palco, já todos estavam rendidos, mas os APTBS ainda continuariam a soltar descargas de post-punk injectado de esteroides para vergastar os nossos ouvidos até ao ponto da submissão. Nunca a exaustão soube tão bem.

120-a-place-to-bury-strangers-1024

+fotos na galeria Reverence Valada’16 Dia 9 A Place To Bury Strangers

Para terminar um dia imenso e intenso de concertos, para um público já disperso, cansado e alterado, vieram os The Japanese Girl e o seu rock mal explicado. A falha na explicação assenta no facto de a voz de Bruno soar melhor em estúdio que em cima daquele palco. O ambiente psych acompanhado por loops hipnóticos e ecos distorcidos abraçavam o público ao mesmo tempo que levavam à dança corporal e mental. No entanto, estes pequenos momentos eram desfigurados pela voz que aparecia em forma de peça de outro puzzle que não aquele, nem outro qualquer que me apetecesse fazer.

146-the-japanese-girl-1024

+fotos na galeria Reverence Valada’16 Dia 9 The Japanese Girl

Após 12h de música e o coração cheio terminou, para nós, este segundo dia de Reverence. O melhor! A qualidade e a surpresa venceram e quase que podíamos ter ficado por aqui, mas a satisfação é algo difícil de alcançar e o corpo tem de descansar o esforço de a tentar alcançar. Umas horas de repouso se seguiam, ainda havia muito que ver, ouvir e sentir no dia seguinte.

Todas as fotografias estão disponíveis em:

DIA 8

+ Reverence Valada’16 Dia 8 Ambiente
+ Reverence Valada’16 Dia 8 The Sunflowers
+ Reverence Valada’16 Dia 8 Blaak Heat
+ Reverence Valada’16 Dia 8 J.C. Sàtan
+ Reverence Valada’16 Dia 8 Riding Pânico
+ Reverence Valada’16 Dia 8 Thee Oh Sees

DIA 9

+ Reverence Valada’16 Dia 9 Ambiente
+ Reverence Valada’16 Dia 9 Twin Transistors
+ Reverence Valada’16 Dia 9 The Black Wizards
+ Reverence Valada’16 Dia 9 Miss Lava
+ Reverence Valada’16 Dia 9 Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs
+ Reverence Valada’16 Dia 9 LSD & The Search For God
+ Reverence Valada’16 Dia 9 Silver Apples
+ Reverence Valada’16 Dia 9 Fast Eddie Nelson
+ Reverence Valada’16 Dia 9 Yawning Man
+ Reverence Valada’16 Dia 9 Fat White Family
+ Reverence Valada’16 Dia 9 Dead Meadow
+ Reverence Valada’16 Dia 9 CORREIA
+ Reverence Valada’16 Dia 9 The Raveonettes
+ Reverence Valada’16 Dia 9 The Brian Jonestown Massacre
+ Reverence Valada’16 Dia 9 A Place To Bury Strangers
+ Reverence Valada’16 Dia 9 The Japanese Girl

logo-sleep-em-all-2016

A equipa Música em DX ficou confortavelmente instalada no espaço glamping Sleep’em’All (+info em http://www.sleep-em-all.com/), a solução ideal para descansar após muitas horas de música.

Texto – Eliana Berto | António Moura dos Santos
Fotografia – Daniel Jesus | Nuno Cruz