Apesar de o corpo já se ressentir do pó e das noites mal dormidas, havia ainda um pouco de fôlego para aproveitar o último dia de festival. Afinal, ainda nos esperavam surpresas e uma boa dose de malhas sendo que a maior parte delas aconteciam no Palco Sontronics.
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O primeiro concerto a que assistimos foi talvez aquele com mais misticismo e viagens espaciais do festival. Os Oresund Space Collective existem há 12 anos, têm já 15 álbuns e 12 compilações e são o resultado da união de talentos, amor pelo espaço e versatilidade instrumental. A sua base é o improviso e a inexistência de limites. Não têm setlist nem membros fixos. Gostam de experimentar com um único objectivo: uma viagem colorida e complexa pelo universo da música que pode ir desde o funk, ao psicadélico passando pelo stoner, jazz e space rock. Dedicaram a primeira jam de cerca de 20 minutos ao Nick Allport e toda a organização do Reverence e ofereceram um concerto complexo banhado pelo sol que se fazia sentir.
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No palco Rio, os comensais reuniram-se em torno dos Steak esperando um posta saborosa de Stoner Rock, mas o que os ingleses trouxeram para a mesa foi uma confecção tão competente quanto insonsa. Apesar do seu nome indiciar o contrário, o quarteto londrino apresentou um conjunto de canções aceitáveis mas sem suculência, demasiado bem passadas para o seu próprio bem. Quase sempre em meio-tempo, com a ocasional arrancada, os Steak entretiveram mas não deixaram marca, foram o tipo de refeição que se consome por necessidade nutricional e não pelo sabor em si.
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Estreantes no velho continente, os The Veldt foram ao Rio tentar cativar-nos com o seu rock alternativo, infusão de shoegaze e dream pop nas guitarras e na entrega vocal de Daniel Chavis com algumas texturas de música electrónica e R&B (se acham estranho, basta referir que o novo EP se chama The Shocking Fuzz of Your Electric Fur: The Drake Equation Mixtape EP). Falamos em tentar pois o conjunto teve de combater contra um som desequilibrado, particularmente na voz de Daniel, que ia e vinha como as ondas do mar. Sem deixar grande marca, a banda ainda assim proporcionou alguns momentos de beleza, sobretudo quando as guitarras de 12 cordas se entrelaçavam em passagens vertiginosas de tremolo acompanhadas pelas letras emocionadas de Daniel.
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Poderia ser um culto ao bispo brasileiro António Keller, se calhar até é, de alguma forma. A verdade é que a religião tornar-se-ia mais interessante ou apelativa se fizesse constar este tipo de culto nos seus ensinamentos. Os The Cult Of Dom Keller são intromissivos e pegajosos. Tocam com a intensidade e vontade necessárias para fazer com que o corpo ganhe espaço e queira ficar defronte deles. Há uma supremacia do baixo que, quando revelada, serve de guia às formigas que se vão espalhando pelo corpo. A sopa de estilos que encontramos acaba por se resumir a um shoegaze espacial e hipnotizante com uma voz arrastada, grave no tom e meio espacial. Com excepção de uma batida de péssimo gosto introduzida já o concerto ia a meio, o concerto resumiu-se a satisfação. No final, benzemo-nos e seguimos caminho.
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Desde que o alinhamento sofreu as alterações provocadas pelo cancelamento dos Killing Joke que pairava no ar a curiosidade em perceber como é que os Névoa, repescados à última hora, se safariam neste que era um meio algo alienígena ao seu Black Metal altamente atmosférico e experimental qb. Um atraso algo prolongado serviu de prenúncio para aquela que seria uma actuação malignada pois Nuno Craveiro, guitarrista e vocalista, subiria para o palco com uma hemorragia no nariz, factor altamente metal mas também incapacitante para quem está a tentar dar um concerto em condições. Os Névoa ainda deram um ar da sua graça tendo nas canções de Re Un uma mistura salutar de gelidez Black Metal com as inflexões, os silêncios e os crescendos pós da escola Neurosis, mas Nuno não seria capaz de continuar por muito mais tempo e o concerto acabaria mais cedo que o previsto. Contudo, há que registar o momento incrível que foi ver o frontman voltar para o palco já na recta final, quando os Névoa estavam reduzidos a um trio instrumental, e berrar as letras genuína raiva à medida que o sangue lhe escorria profusamente, naquele que ficará registado como o momento mais metal de 2016.
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Imaginem a força, intensidade e desespero de estarmos à procura de alguma gota de água que nos tire a desidratação. É com esta sede de rock que vemos os The Quartet Of Woah sempre em palco. Após algumas trocas, foram parar ao palco que mereciam, o Rio, e deram um concerto como só eles sabem, cheio de força, prazer e intensidade. Aquelas quatro almas, unidas pelo talento e pela música transformam qualquer música numa ode ao rock. Apresentaram duas músicas novas que foram bem absorvidas e degustadas – “Forth By Light” e “Days Of Wrath” – que vão compor o segundo álbum a sair ainda este ano; tocaram ainda “Master Level Had A Dream”, “The Announcer” e “The Ultrabomb”, entre várias malhas e deixaram-nos com a sede saciada.
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De seguida fomos atraídos como íman para o palco Sontronics. Lá, esperava-nos Mécanosphère e alguma dose de perturbação. Ao longe via-se Adolfo Luxúria Canibal com a cara iluminada a recitar poesia negra, sarcástica e com o peso suficiente para se entranhar na mente. De perto, via-se o peso da construção musical e a sabedoria que sobrevoava o palco. Durante 50 minutos não houve uma única paragem, houve uma faixa que se foi repetindo em loop e em agonia. As atmosferas opacas iam-se sobrepondo em sons espaciais, experimentais e perturbadores. O contrabaixo eléctrico era o capitão e destacava-se de tudo e de todos fazendo o chão tremer. O convite fora feito a todos, mas muitos não ficaram, é preciso estar preparado para o eterno retorno na sua forma mais pura.
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De uma viagem mística para outra, Nik Turner, que na noite anterior já tinha tapado um buraco causado pelo cancelamento dos Zone Six, apresentou-se com o seu New Space Ritual para levar os presentes no palco Rio para o espaço profundo. Outrora comandante dessa nave de Space Rock cósmico que são/eram os Hawkwind, foi em temas míticos da banda inglesa como Master of the Universe e Brainstorm que o seu espectáculo assentou. Apesar de alguma falta de entrosamento, a banda fez um bom trabalho em replicar estes clássicos e, talvez querendo recuperar algum kitsch saudosista, Turner foi também acompanhado por uma bailarina que ia dançando dramaticamente entre os membros do grupo e mudando de fatiota entre músicas. Todavia, a real razão que nos prendeu àquele concerto foi mesmo a presença de Turner, lendário xamã do Cosmos recitando palavras de sabedoria (aquilo já nem é cantar) e puxando-nos para um mais elevado estado de consciência via solos de saxofone e flauta transversal, seus instrumentos de hipnose sónica.
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As almas elevaram-se e tremíamos. O que estava prestes a acontecer seria algo histórico, inédito e emocionante. Os majestosos The Damned pisavam um palco português após 4 décadas de existência e foi assim que deram início ao seu concerto “passaram-se 40 anos, mas aqui estamos!”. A verdade é que valeu a pena a espera, o que vimos ali foi o concerto da noite! O peso da idade não se lhes chega perto. Já mais maduros sim! Mas ainda com uma energia e garra em palco de fazer inveja a muitas bandas de adolescentes. A presença é de louvar e o espírito punk rock de fazer estremecer. Os riffs que os dedos de Captain constroem denotam a experiência e o prazer com que toca, poderíamos perder-nos neles e não precisaríamos de encontrar o caminho de regresso. Voltámos diversas vezes à década de 70 com “Disco Man”, “The History Of The World” e “New Rose” e outras mais, ouvimos “Alone Again Or” dos Love e “Eloise” de Paul Ryan. Alimentámo-nos de punk rock verdadeiro (aquele cru que nasceu nas caves húmidas de um beco de Londres), dançámos ao som da magia do rock’n’roll e sorrimos com a vontade de os ter de volta em breve.
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Depois de uma fonte de boas energias passámos para algo que até hoje ainda não consigo descrever bem. O concerto de Sisters Of Mercy era um dos mais aguardados da noite e percebe-se porquê. Só não percebi o porquê de não terem feito jus à grandeza da banda nem às expectativas do público. O fumo exagerado servia, talvez, para esconder a velhice e a falta de bateria. Sim, porque uma bateria real faz muita falta e aqui não foi excepção. A voz de Andrew, embora com a mesma estrutura e peso de antigamente, já transporta o peso da idade e as falhas que dela advém. As vozes secundárias não faziam mais que estragar a música e corrompe-la. Apresentaram algumas faixas do novo álbum que foram misturando com temas antigos e, deixaram os hits para o encore. “Lucretia My Reflection”, “Vision Thing”, “First and Last and Always”, “Temple Of love” e “This Corrosion” fizeram o público acordar e cantar. Foi um concerto que, apesar do misticismo, nos deixou incompletos e desnorteados.
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Quaisquer good vibes que restassem no Reverence seriam prontamente enterradas pelos With the Dead, que tocaram no Sontronics quando teria feito mais sentido irem para o cemitério de Valada mesmo ali ao lado. O quarteto inglês trouxe Doom a tresandar a mortulho e, beneficiando de um som estrondoso, procedeu a anestesiar os nossos ouvidos com impiedosas canções de funérios intentos. Crown of Burning Stars, Nephthys e Living With the Dead provocaram o inevitável headbanging comunal pela forma como submeteram o público a riffs de um peso que ainda não tinha sido sentido neste festival. Tendo ao leme um Lee Dorrian quase possuído, curvado pelo próprio ódio que vociferou ao logo destes macabros temas, os With the Dead fizeram jus ao seu nome e arrastaram-nos para junto de um mundo de desespero e dor. Screams From My Own Grave, coisa linda de se imaginar, assinalaria o final da lúgubre sessão, caminhando o concerto para o uma morte lenta e dolorosa. Como se quer.
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Mantendo a música pesada mas noutra linha, os Radar Men From The Moon pisavam o Palco Rio com o único propósito de criar inquietação. É disto que trata a música deles, uma inquietante e distorcida viagem pelo noise, psicadélico e space. A combinação de todos os instrumentos com riffs arranhados e sintetizadores doentios cria a ilusão de experiencias transcendentes e viagens por mundos ofuscantes e impenetráveis. O resultado era algo pesado, doentio e denso, quase a roçar Crystal Castles e a sua loucura musical. A falta de comunicação não abonou muito a favor deste concerto que, apesar de se tornar ligeiramente cansativo, serviu para dançar e descansar a mente noutros planos.
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Há qualquer coisa nas águas de Bordéus, um metal pesado certamente. Depois dos J.C. Satan, desta vez teríamos o prazer de receber outros bordaleses, os Mars Red Sky no Sontronics para nos embalar quando a noite já ia bem longa. Um pouco como os Yawning Man no dia anterior, este trio toca Stoner Psicadélico com o seu peso, mas é de calor reconfortante e introspecção que se constrói a sua sonoridade, feita à medida para se mirar a imensidão do céu. As vozes etéreas de Julien Pras e Jimmy Kinast juntas trouxeram alguma delicada candura à medida que dos seus amplificadores brotavam linhas de baixo e riffs repletos de groove, intercalados com solos em êxtase wah-wah. Já com a mente a pairar sobre o nosso corpo, os Mars Red Sky deram a sua missão como terminada e seguiram para hipnotizar gentes de outros pastos.
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Era tardia a hora e o corpo começava a pedir repouso, mas armados em valentes ainda fomos dar um último salto ao Rio para ver o que uma das promessas do Rock nacional andava a aprontar. Do Montijo, os Earth Drive ainda puderam contar com bom público para curtir num último esforço o seu Stoner bem construído. Contudo, o que destaca mesmo os Earth Drive das demais propostas do género é mesmo a forma como Sara Antunes, a vocalista, se destaca pela sua presença enérgica em palco e a sua voz trazer um calor mais terreno, não se limitando as milhentas variações da bruxa/espectro/sereia que pululam no género.
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Já com os olhos forçosamente semi-cerrados, cambaleámos de volta para o colchão. Mais um ano, mais uma série de concertos inesquecíveis. Bem sabemos das falhas do Reverence, dos problemas que se repetem de ano para ano, mas se for para nos trazerem música do calibre que nos têm acostumado, continuaremos a perdoar-vos. Até para o ano.
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A equipa Música em DX ficou confortavelmente instalada no espaço glamping Sleep’em’All (+info em http://www.sleep-em-all.com/), a solução ideal para descansar após muitas horas de música.
Texto – Eliana Berto | António Moura dos Santos
Fotografia – Daniel Jesus | Luis Sousa | Nuno Cruz