Da mesma forma como acabaram, regressaram – subitamente. Dados como defuntos em 2013, os Löbo saíram da bruma onde aguardaram com instinto predatório para nos surpreender com a segunda vinda do Älma, esse saudoso EP que nos ensombrou o ano de 2010 com soturnas odes à desolação. Para celebrar a ocasião, os lisboetas, depois de atemorizarem Serralves, vieram ao Sabotage recordar-nos porque é que tanta gente tinha saudades suas, com um concerto envolvente que nos atirou para um poço sem fundo de escuridão.
A expectativa era elevada, pois Älma deixara marca, mas nada fazia prever a enorme fila dirigida à sala do Cais do Sodré. Com o espaço já bem composto e o calor humano a puxar pelas gotas de suor, Aqui em baixo a alma mede-se com mãos cheias de pedras, tão impressionante quanto tenebrosa, deu início a esta procissão maldita com um estrondo que deixou a nossa cervical em sentido e nos retirou qualquer semblante de felicidade que podíamos tentar manter. Avançando a um compasso glacial, cada descarga sentiu-se como um baque violento, muito por responsabilidade de João Vairinhos (a substituir o lesionado João Seixas), que maltratou a sua bateria ao ponto de fazer colapsar o crash múltiplas vezes. Apesar da sua imagem sugerir paisagens cósmicas, os Löbo atiram-nos para o Tártaro, navegando no Estige pelo remar do velho Caronte enquanto turbilhões de almas penadas nos circundam. O nosso destino está obscurecido, a única certeza sendo que será funesto.
Segue-se Carne e sombra: o antes e o depois, o despojar da matéria corpórea, agora inútil, para continuar a viagem. Provando como a categorização de Doom Metal lhes é insuficiente, a primazia é agora retirada às guitarras e conferida à nebulosa constelação de teclados e efeitos de som de Ricardo Remédio, vulgo RA, Rei Abutre. Com um início a resvalar o psicadelismo, a meio cresce a melodia que lhe dá consistência, um conjunto de notas fantasmagóricas que prossegue acompanhada pelas guitarras de Luís Pestana e Miguel Vilhena, a tomarem uma função meramente textural, ora alimentando feedback, ora lamuriando-se em leads enterrados na parede de som. A aparente calmaria é transportada para Matei os meus mestres – Silenciei os meus ídolos, até que uma mudança de tom denuncia os intentos assassinos que o seu nome carrega. Recrudescem as guitarras, os riffs sucedem-se num fatal balanço acompanhados pela bateria, enquanto gloriosos teclados adensam a atmosfera, tudo desembocando num final verdadeiramente épico.
Podia ser a banda sonora do fim do mundo e os Löbo sabem disso, já que Por fim só. Livre surge como consequência natural ao que acabámos de assistir. A canção toma um rumo contemplativo, um réquiem ao nosso término que se move em melancolia enegrecida. Contudo, tudo se silencia excepto os teclados, pairando em agourenta suspensão, antes do último esmagamento. Com magnitude sísmica, conjugam-se os instrumentos num castigador exercício de libertação, tudo é obliterado, restando senão a Nöite eterna, miasma que tudo encobre. Este último tema, mais electrónico, é a nossa compensação, respiramos fundo depois de tão intenso ritual. Ainda que seja indubitavelmente Löbo, a sua toada Industrial faz-nos lembrar os trabalhos a solo de RA, mas o trecho final volta a trazer as 12 cordas para os últimos ritos. Não sabemos o que será dos Löbo daqui para a frente, mas uma coisa é certa. Obrigado pelo regresso, soube bem estar no escuro.
Texto – António Moura dos Santos
Fotografia – Luis Sousa