Era difícil não ficar impressionado com os números que acompanhavam os And Also The Trees na sua estadia, por duas noites, em Portugal: com treze discos lançados numa carreira que já conta com trinta e sete anos de duração, estes senhores são uma banda incontornável no que o post-punk diz respeito. Contudo, seria em 2016 que o quinteto inglês finalmente teria acesso a concertos em nome próprio na capital e na invicta – atuaram por duas vezes em Leiria, no ano passado e em 2010 – após uma espera quase interminável para os fãs destes senhores. Nos cantos lisboetas, o Sabotage Rock Club foi o palco escolhido para os acolher, sala ligeiramente pequena face à magnitude do artista em questão, mas que permitia uma maior proximidade com o público que se manifestava em grande número. Antes de a atração principal da noite dar o ar de sua graça, coube ao projeto português Sweet Nico o papel de banda de abertura.
Fruto da parceria entre Marisa da Anunciação e David Francisco, os Sweet Nico deambulam por uma encruzilhada entre o indie rock com dream pop, tudo bem salteado com um pouco de shoegaze. Esta mistura entre estilos de cariz mais suave do que a linha de And Also The Trees parecia, à primeira vista, uma carta fora do barulho, mas durante o decorrer do concerto esse sentimento de ‘incerteza’ foi desvanecendo de forma lenta para dar lugar à certeza de que aquela fora a banda indicada para dar o pontapé de saída. Sobre o concerto propriamente dito, complicações técnicas com o portátil de David deu origem a uns bons três minutos mortos onde todo o momentum que a atuação levava ia dissipando pelo ar, apesar dos gritos de incentivo vindos por parte da plateia. Corrigida a anomalia, a banda atirou-se de cabeça a “Panda Heart”, single de R Evival, disco que apresentavam, que já corre pela Antena 3, na tentativa de voltar a cativar um público que se mostrava genuinamente interessado nas melodias doces deste grupo português. Tal como era de esperar de artistas experientes e competentes, retomaram o percurso e nada mais os fez parar.
A presença do MacBook de estimação da banda realmente era necessário para que a beleza do concerto permanecesse intacta: para além de efeitos sonoros angelicais pré-gravados, o computador corria projeções tanto de caras famosas femininas como de cenas extraídas de filmes de culto, fazendo jus à tese defendida pelos Sweet Nico, que defendem que as suas canções têm o poder de transportar quem as ouve para o universo cinematográfico de Andy Warhol. A conciliação deste cenário, juntamente com melodias que relembram a ternura dos Beach House, criava uma autêntica paz de alma, um regalo para os olhos e (principalmente) ouvidos. Como se não tivessem já a oferecer um concerto nitidamente belo, os Sweet Nico escondiam ainda um trunfo na manga na forma de uma adaptação de “Fade In To You”, dos Mazzy Star, naquele que acabou por se tornar no ponto alto da atuação, pelo menos julgando pela calorosa salva de palmas com que os presentes se manifestaram no final da mesma. Prevê-se um futuro risonho.
Enquando os Sweet Nico arrumavam o seu material, os mais atrasados ou os que trocavam dois dedos de conversa no bar do Sabotage começaram a ocupar os lugares em frente do palco para não perder pitada da atuação de And Also The Trees – de salientar que a idade média daquela sala rondava os trinta para cima. Com um concerto em prol da tournée do mais recente disco dos ingleses, lançado em março último, Born Into The Waves, foi ao som de “Your Guess” que os irmãos Simon e Justin Jones, Steven Burrows, Paul Hill e Colin Ozanne (finalmente) fizeram a sua estreia em Lisboa. De seguida, “Dialogue” e “A Room Lives In Lucy”, dois dos grandes clássicos da banda, ecoaram pela sala de Sabotage, tranquilizando, desde cedo, os mais inquietos que permaneciam da incógnita de não saber se iriam contar com um espetáculo onde o novo disco seria o único foco ou se iria tratar-se de um formato ‘best-of’ (felizmente, foi a segunda hipótese). Face à exaltação vinda do público, criado por estes dois temas, Simon Jones não conseguiu esconder um sorriso sincero e de proclamar um “obrigado” honesto e sentido, com o seu arrojado timbre barítono que todos aqueles fãs conheciam tão bem.
Simon Huw Jones é um frontman inigualável, único naquilo que faz. É surreal a maneira como deposita tanta emoção em todo o caneco de palavra que profere, já para não falar da comunicação não-verbal que transmite sempre que está de microfone na mão, agarrando no seu cabelo de modo a acompanhar a força dos seus versos ou como simula o efeito de um megafone com as suas mãos em “The Legend of Mucklow”, por exemplo. Aliás, toda esta persona conseguiu arrepiar a alma de todas as almas que pairavam pelo Sabotage, independentemente do grau de conhecimento – fãs de longa data, descobriram recentemente, … – que detinham em relação a estes cinco senhores. Sim, cinco, pois por mais carismático seja o seu vocalista, não é apenas o senhor do micro que faz uma banda: Colin Ozanne, o substituto de Emer Brizzolara, é possuidor de uma destreza invejável ao ponto de conseguir intercalar teclados com guitarra ritmo em “Hawksmoor And The Savage”; Justin Jones e Steven Burrows mantêm a casa toda em ordem, com as suas guitarras e baixos a fazerem de aspirador e de esfregona e a deixar aquele palco um autêntico mimo; por último Paul Hill, baterista, é detentor da proeza de ligar todas as peças que é o puzzle chamado And Also The Trees, acelerando ou abrandando os ritmos das canções conforme elas o peçam, tomando sempre as rédeas e controlando a corrida do início ao fim. Quem disse que velhos são os trapos?
“Esta canção fala sobre a nossa casa, uma pequena ilha chamada Inglaterra. Aquela que já não faz da Europa, talvez saibam qual é?”
graceja Simon, arrancando uns quantos risos e sorrisos e risos da plateia, antes de dar início a “Virus Meadow”, clássico que conta com a presença de um clarinete, tocado de forma exemplar por Colin Ozanne. Voltando ao novo Born In To The Waves seguiram-se “Winter Sea” e “Bridges”, uma das mais bonitas da noite e onde as cantorias de Simon Jones toma contornos próximos de spoken word. Mesmo tratando-se de músicas mais recentes quando em comparação com os clássicos que faziam as delícias do público, foram recebidas com igual intensidade a nível de palmas, uma constante durante todo o concerto e que aumentavam a sua intensidade durante todo o decorrer do concerto. Com a hora do término a aproximar-se a passos largos, “Missing” veio pôr um ponto final a uma das horas mais alucinantes que já me recordava de assistir num passado não muito distante.
Todavia, esse ‘ponto final’ foi acompanhado por um ‘parágrafo’ que deu lugar a um encore que contou com “Prince Rupert” e, para dar o serão como oficialmente encerrado, “Slow Pulse Boy”. Como as horas já eram tardias e o últimos comboios, tanto para Sintra como Cascais, estavam prestes a partir, muitos foram aqueles que tiveram que sair mais cedo da sala, mas os que permaneceram testemunharam o genuíno ar de gratidão de cinco senhores que deram tudo o que tinham e que conseguiam – Simon suava como se tivesse corrido uma maratona – para ‘compensar’ a vinda tardia a Lisboa, algo que os próprios reconheceram durante os agradecimentos finais. Tendo como base a intensa salva de palmas que os acompanhou na saída do palco, o seu regresso a Lisboa tornou-se em algo iminente. A combinação entre a ternura dos Sweet Nico e a agressividade robusta dos And Also The Trees deixou algo claro: a noite de 7 de outubro foi mesmo do cacete!
Texto – Nuno Fernandes
Fotografia – Luis Sousa