No dia de apresentação ao público de Natureza Morta, o seu álbum de estreia em nome próprio, Ricardo Remédio trocou algumas ideias com a Música em DX no Musicbox.
Música em DX (MDX) – Ricardo, depois de te conhecermos através de vários projetos como Lobo e RA, quais os motivos que te levaram agora a arriscar em nome próprio?
Foram principalmente dois motivos. Se por um lado na questão de RA, que era um nome que eu gostava – era um acrónimo – mas que comecei a achar que era um pouco limitador. Começou com uma brincadeira com o baterista dos Löbo, gostei do nome, fiz o acrónimo, embora tenha ficado com um tom demasiadamente negro. Depois, quando saiu o EP, também com aquela carga bastante negra e pesada, senti que com este nome seguiria sempre por aquele caminho: os nomes também nos prendem, e eu senti-me um pouco assim. Como não era o nome mais original do mundo – se googlares tens um Deus egípcio, tens um tipo do transe, tens uns gajos post-punk, Dinamarqueses ou Suecos, que eram bons – decidi deixar de usar RA.
MDX – E foi aí que entrou Ricardo Remédio…
Comecei a usar o meu nome próprio, primeiro porque não quis estar a pensar noutro, e depois porque muitos músicos que comecei a ouvir ao longo dos tempos – talvez numa certa edição musical – assumem o seu nome próprio. Houve pessoas que estranharam, que achavam que devia ter um nome Inglês, mas o nosso nome é a única coisa que temos, e resolvi entrar por aí.
MDX – Em Natureza Morta, o teu disco de estreia, consegues violência sem violência, isto é, sem a carga instrumental de um Heavy Metal consegues arranhar, de forma semelhante, quem te ouve. Como descreverias o álbum?
O disco tem uma base muito mecânica, industrial, agressiva. Vem um bocado de onde eu venho: gostei de metal quando era novo, depois começas a ouvir imensas coisas novas, mas há sempre coisas que ficam, como o som alto e distorcido. Por outro lado nunca me quis limitar com isso, a questão da melodia sempre teve alguma importância para mim. Há pessoas que trabalham muito a questão das texturas e da distorção, mas isso para mim é pouco se não houver nenhum elemento que me apanhe o ouvido. Tento trabalhar com estas duas dualidades, ser brilhante o suficiente para sentir o “gravalhão” e a distorção, e conseguir ainda acrescentar um bocadinho mais.
MDX – O nome do LP remete para um estilo de pintura. Qual a relação entre a tua sonoridade e o título do álbum?
Essa é uma boa pergunta no sentido que se no passado fiz coisas muito conceptuais – seja com Löbo, seja com RA – tudo tinha uma estória, tudo tinha um motivo, e aqui deixei as coisas serem mais fluídas. Era um título que tinha na cabeça, mas tenho que falar um pouco do Daniel [O’Sullivan]. Trouxe uma sensação de espaço, uma coisa um bocadinho mais humana. Assim como introdução de pequenos elementos, erros ou sons que não se repetem, tornou o álbum muito mais humano e depois o título e a música começou a fazer-me sentido. É também um estilo de pintura que gosto muito sem conseguir perceber bem porquê. Era um estilo de pintura que não gostava, mas depois, com o tempo, tornou-se algo que me fascina.
MDX – Este disco foi produzido por Daniel O’Sullivan masterizado por James Plotkin. Queres acrescentar alguma coisa sobre modo que ambos impactaram o teu trabalho?
O Daniel começa logo em RA quando o convidei para fazer umas mixes e achei o resultado incrível. Foi daquelas sensações de estar a ouvir aquilo e não estar a acreditar no que estou a ouvir. Ficou daí uma ligação e resolvi convidá-lo. Quanto ao impacto, deu-lhe uma certa vida, tirando – não ligues ao cliché – algum do peso da fábrica e do som industrial. Tornou-o mais humano, o que foi interessante porque nunca tinha pensado nessa abordagem. No caso do James foi um processo mais formal. Muitos dos meus discos favoritos tinham sempre esse nome em comum, e pareceu-me uma pessoa ecléctica o suficiente para poder colaborar com isto. O que levou a convida-lo e ele a aceitar.
MDX – Depois de integrares por processos criativos que teriam que passar pelo crivo da unanimidade, como acontecia em Lobo, como foi criar este álbum sozinho? Existiu um processo criativo definido?
Criar sozinho é-me mais difícil. Apesar da questão da democracia nas bandas ser um ponto complicado, muitas vezes é bom haver outro lado para passar a bola e a bola voltar e ter este jogo de ideias. Quando estás sozinho tens uma parede e muitas vezes a bola não volta. Comigo funciona em impor-me limitações, sejam temporais ou instrumentais. Como parte da minha música é feita em computador, se um som não estiver a funcionar tens a internet e vais buscar outro, e muitas vezes quanto mais opções tens mais bloqueado te sentes.
MDX – O álbum foi lançado em versões diferentes, parece-nos que houve a preocupação de te diferenciares neste aspecto, queres falar-nos sobre isso?
O álbum está pronto desde Fevereiro de 2015. No entanto acredito que muitas das editoras que admiro e que gostava de trabalhar recebem CDR’s e links com Mp3 às toneladas, e eu não queria isso. Portanto, como o meu instinto natural foi tentar encontrar uma editora de fora, e daí nasce este formato com a questão da Pen, porque achei piada e porque a minha namorada é artista 3D, e a bola começou um pouco por aí, a tentar perceber o que poderíamos fazer. Entretanto a capa já tinha sido feita e foi impressa uma caveira deste tamanho: achamos piada fazer um elo de ligação entre o artwork e algo físico. Entretanto entrou a editora com quem trabalho agora, que gostou muito do formato, mas lançará também uma edição mais tradicional em Vinil. Além disto, achei piada haver uma edição mais exclusiva onde há uma estrutura, que é quase uma pirâmide, que foi impressa e é onde se coloca a Pen, e, como disse, há-de haver brevemente o Vinil.
MDX – Consegues perceber as tuas influências neste disco?
Consigo, se bem que chega a uma certa altura que um gajo desliga-se disso. Se na adolescência nós absorvemos tudo, estou numa altura em que fechei e deixei de pensar nesse aspecto. Claro que de forma involuntária isso pode acontecer, posso dizer-te que alguns álbuns Nine Inch Nails saltam em tudo o que faço. Depois é preciso é procurar as partes certas, porque se há coisas incríveis, algumas não me revejo. Assim como Neurosis, que me influenciaram bastante, mas para mim é também interessante fazer coisas diferentes do que musicalmente faço. Vou todos os anos ao Festival Musicas do Mundo, que tem pouco que ver com o trabalho que faço, mas que gosto de ver que elementos posso incluir na minha música, e isso agora é mais interessante do que estar constantemente a revisitar sons que já conheço.
MDX – No que toca ao concerto em si, ainda apostas na componente visual como parte relevante do teu espetáculo?
Isto vai ser um Work in Progress, hoje a ideia é atacar as pessoas apenas com o som. Vou tentar, e fi-lo em todos os meus projectos, não tocar as músicas completamente iguais, dar-lhes umas diferenças para a experiência também o ser. No futuro isso vai se tornar mais óbvio mas acho que isso faz parte de uma evolução natural do espectáculo.
MDX – Realiza-te mais a criação ou a exposição da tua música?
Varia, mas neste momento a melhor sensação que tenho é do nada criar qualquer coisa. Se bem que um pintor ou um escultor têm um feedback mais imediato dessa ideia, e na música, não tendo um formato físico, torna esse processo mais lento. Mas sim, é criar que neste momento mais me satisfaz.
MDX – Mesmo que não haja um plano definido, temos sempre ambições. A que patamar de reconhecimento gostarias que o álbum chegue?
É difícil, pois o reconhecimento não é medível. Não sei se gostava de ter mais 50% de reconhecimento ou não, sei que gostava de fazer coisas lá fora. Seria interessante. Até porque ficas sempre com a sensação que cá em Portugal tens quatro ou cinco sítios para tocar e pouco mais. Para tentar ter alguma continuidade numa perspectiva de carreira – mas carreira não no sentido de viver disto, mas no lado artístico, no sentido de criar e continuar a fazer coisas – e chegar a mais sítios e mais pessoas, o que é sempre bom.
MDX – Qual foi o último disco que recentemente mais te surpreendeu?
[Longa pausa] Posso dizer-te que, quando vejo tops, faz-me alguma impressão a quantidade de álbuns que as pessoas ouvem num ano. Acho, até, que ao longo dos anos me tornei uma espécie de autista musical. Talvez não seja o que mais me surpreendeu, mas o último álbum que gostei mesmo, mesmo, foi o The Glowing Man dos Swans. É um álbum difícil, deixei-o algumas vezes a meio, eu preciso de tempo, mas depois deu-se o clique. É um álbum do caraças.
MDX – E qual o álbum que ouviste mais vezes?
O Fragile dos Nine Inch Nails. Em segundo lugar o The Beyond, dos Cult of Luna.
MDX – Quais as maiores dificuldades que te deparas enquanto músico?
A maior dificuldade neste momento nem é tocar ao vivo, o meu problema tem um pouco que ver com a Internet, desde o Myspace ao Facebook. Tu tinhas um canal em que as pessoas te ouviam, quando antes disso tinhas que passar por uma editora para tal, que basicamente era alguém que te escolhia, ou não, com base apenas no gosto dele. Mas por outro lado as coisas estão pior, no sentido que há uma entropia enorme de estímulos. Eu, por exemplo, vejo tantas coisas a acontecer, álbuns que saem, pessoas que surgem, comebacks, e tenho apenas vinte e quatro horas por dia. Vejo imensa coisa que sei que ia gostar, ou pessoas que mereciam mais atenção, a passar-me ao lado porque há tanta coisa e tanta gente a tentar ter a tua atenção. Como músico acaba também por ser um problema passar essa enorme barreira de constante ruído.
MDX – Mas acaba por ser um também facilitador na divulgação do teu trabalho…
Essa é uma discussão que acho interessante ter. Em teoria tenho os mesmos meios que os outros, mas está toda a gente com as mesmas ferramentas a concorrer ao que é o pressuposto final: a atenção de quem vai ouvir. E às vezes torna-se difícil separar o gajo que realmente vale a pena e aquele que de repente aparece no teu feed. Muitas vezes é também daí que surge a saturação de alguns géneros musicais. E isto para mim torna-se um desafio – e não estou aqui a autoelogiar-me – que é o de fazer as pequenas coisas um bocadinho diferentes.
Entrevista – Tiago Pinho
Fotografia – Nuno Cruz | Mariana Castro